Meteo-Tsunami - Sul de Portugal

(06 e 07 de Julho de 2010)

Carlos Antunes(1), Joaquim Luís(2) e Luís Matias(1)

(1) IDL, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

(2)IDL, Universidade do Algarve

cmantunes@fc.ul.pt; jluis@ualg.pt; lmmatias@fc.ul.pt

No final do dia 6 de Julho de 2010, entre as 21 e 22 horas locais, a SW da Península Ibérica desenvolveu-se uma instabilidade atmosférica, provocada por células convectivas, caracterizada por fortes correntes descendentes associadas a rajadas de vento à superfície com deslocamento na direcção NNW. Esta situação na região sul do continente foi condicionado por uma região depressionária que se estendia desde o norte de África e por uma depressão em altitude centrada entre a Madeira e Casablanca, com actividade convectiva no bordo nordeste, sobre o golfo de Cádiz (fonte IM). A partir do final tarde, esta situação, passou a atingir a costa sul do Algarve, pelas 21 horas locais (20 horas UTC) - Figura 1, estendendo-se para norte até à região da grande Lisboa, durante a madrugada e princípio da manhã do dia seguinte.

Durante este período registaram-se variações bruscas da pressão atmosférica ao longo da passagem da depressão. Entre o final do dia 6 e a madrugada do dia 7, verificou-se em Lagos uma diminuição de cerca de 6 mbar (entre as 22:50 e 2:20 UTC) e em Cascais uma diminuição de 5 mbar (entre as 0:00 e 5:10 UTC)  - Figura 2. Com variações abruptas, em Lagos, de 4 mbar em menos de 30 minutos. Idênticas variações abruptas foram registadas na costa algarvia pelas estações meteorológicas do IM, de Faro e Lagos.

EVENTO METEOROLÓGICO ANÓMALO

Figura 1 - Imagem de satélite, das 21:00 do dia 6 de Julho de 2010 (fonte IM).

METEO-TSUNAMI ASSOCIADO

Figura 2 - Registo da Pressão Atmosférica (mbar) nos marégrafos de Lagos e Cascais do IGP, entre os dias 6 e 7 de Julho de 2010, com registo de 10 minutos.

O tsunami meteorológico ou meteo-tsunami, é um fenómeno gerado por perturbações atmosféricas que exercem uma pressão abrupta sobre a superfície do mar gerando uma onda anómala. As ondas associadas podem ser originadas por ondas gravíticas atmosféricas, passagens de frentes, linhas de borrasca, entre outros fenómenos atmosféricos. O tsunami meteorológico é caracterizado pelas mesmas escalas espaço-temporais (amplitude e frequência) das ondas associadas a um tsunami de origem sísmica, e podem, de forma semelhante, afectar as zonas costeiras, nomeadamente em águas pouco profundas, tais como, baías, rias e portos, apresentando uma forte amplificação e ressonância.

 

Este evento meteorológico verificado a sul de Portugal no passado dia 6 e 7 de Julho, anómalo e muito pouco frequente na nossa região, provocou ondas de ressonância no nível do mar com amplitudes que atingiram entre 40 a 50 cm registadas nos marégrafos da região (Figura 3), portugueses e espanhóis, tendo sido observadas também por pescadores e pequenas embarcações na zona de Silves. Estas ondas de ressonância comportaram-se como um pequeno tsunami, que se propagou para Oeste, ao longo da costa portuguesa, e para Este até ao estreio de Gibraltar. Nos gráficos da Figura 3 observa-se o início do evento oceânico às 20:35 (UTC), em Lagos, prolongando-se até ao final do dia 7, e pelas1:50 (UTC), em Cascais, com menor duração e amplitude.

Figura 3 - Registos dos marégrafos de Lagos e Cascais do IGP, entre os dias 6 e 7 de Julho de 2010, com registo de 3 minutos.

Figura 4 - Análise espectral dos sinais de alta frequência (ressonância) extraídos das ondas de maré observada em Lagos e Cascais (curva vermelha dos gráficos da Figura 3).

A análise espectral das ondas de ressonância, filtradas da maré observada (sinal a vermelho da Figura 3), indica uma frequência principal de 57 minutos em Lagos e 32 minutos em Cascais. A respectiva potência do espectro indica uma maior energia no sinal de Lagos, localizado mais próximo da origem da actividade meteorológica convectiva, comparativamente a Cascais. Esta situação, visível na amplitude dos sinais, é também descrita pelos valores do Quadro 1, onde se destaca a razão sinal/ruído (S/R), determinados para os vários portos da costa sul de Portugal Continental.

Quadro 1 - Valores de amplitude e razão Sinal/Ruído das ondas de ressonância observada nos marégrafos portugueses. Os valores relativos a Sines e Sesimbra referem-se a dados gentilmente cedidos pelo Instituto Hidrográfico.

Idênticos registos foram observados nos marégrafos da costa Sul de Espanha, de Huelva a Ageciras, e de toda a costa Oeste portuguesa, Sines, Sesimbra, Figueira da Foz, Aveiro, Leixões e Viana do Castelo, segundo os dados disponibilizados pelo IH. Há excepção do marégrafo de Leixões, os registos de todos os restantes marégrafos indicam ondas de ressonância de menor amplitude (e energia), comparativamente a Lagos e Cascais, incluindo Sines e Sesimbra. Esta situação deve-se às condições de propagação das ondas nestes locais que provocam um eventual decaimeto e diminuição da energia dessas ondas.

 

O estudo, em curso, mais detalhado deste fenómeno e da respectiva dinâmica de propagação deste tsunami meteorológico pode-se revelar de extrema importância para o estudo e análise do impacto de um tsunami de origem sísmica nas zonas costeiras de Portugal Continental, que possa vir eventualmente a ocorrer e atingir esta região.

Agradecimentos

Agradecemos ao Instituto Geográfico Português (IGP), ao Instituto de Meteorologia (IM) e ao Instituto Hidrográfico (IH), pela informação disponibilizada. Bem como, aos nossos colegas Óscar Ferreira da Universidade do Algarve, Fernando Carrilho do IM e,  Rui Taborda  e Geovanni Nico da FCUL, pela colaboração na monitorização e análise do evento.

DETEÇÃO E MONITORIZAÇÃO DO TSUNAMI

A FCUL tem estado empenhada no desenvolvimento de uma aplicação para a monitorização da variação do Nível do Mar, a partir de dados de marégrafos enviados em tempo real, com ênfase na observação de stormsurges (sobre-elevações meteorológica, também designada por maré meteorológica que se sobrepõe à maré astronómica) e tsunamis. Esta aplicação, MareVB 2.5, com ligação IP aos marégrafos de Cascais e Lagos, foi o primeiro mecanismo de alerta deste meteo-tsunami iniciado dia 6 de Julho. Devido ao facto de apenas estar no momento ligado a marégrafo de Cascais, emitiu apenas pelas 1:10 da manhã do dia 7 o seu primeiro AVISO de Alerta (nível Amarelo) sobre o Estado do Mar, indicado uma calema (seicha - onda de ressonância) da ordem dos 11 cm, e pelas 6:40 enviou um terceiro AVISO de Alerta (nível Vermelho), indicando calemas superiores a 20 cm. Este email de AVISO de Alerta de nível máximo (vermelho) é reenviado para diferentes colaboradores, nomeadamente para o Instituto de Meteorologia e para o Gabinete de Protecção Civil da Câmara de Lisboa.

Figura 5 - Aplicação MareVB 2.5 (à esquerda) para a monitorização da variação do nível do mar em tempo Real; e, email de AVISO de Alerta Vermelho (em cima) enviado pela aplicação às 6:43 (TUC) do dia 7 de Julho.

Esta simples aplicação revelou-se extremamente útil na detecção e monitorização do evento, tal como foi, no passado inverno, na monitorização dos eventos de sobre-elevação meteorológica (stormsurges) que ocorreram ao longo desse período de fortes tempestades, que provocaram galgamentos, inundações e erosão costeira.

 

Nesse momento, esta aplicação MareVB 2.5, revela-se o único mecanismo automático a funcionar em Portugal para a detecção de eventos de tsunami (de origem meteorológicos e sísmica) e de sobre-elevação meteorológica.

Créditos:  A informação aqui difundida só foi possível ser compilada graças à colaboração do Instituto Geográfico Português (IGP), Instituto de Meteorologia (IM) e Instituto Hidrográfico (IH), pela disponibilidade de dados e informação.