Teoria epidemiológica

A epidemiologia das doenças transmissíveis dos humanos, resulta da interacção entre 3 factores: (1) A interacção entre o hospedeiro humano e o agente da doença, a nível individual, (2) O processo de transmissão entre hospedeiros e a forma como este é influenciado por aspectos sócio-culturais do hospedeiro e (3) As características demográficas da população humana. O impacto da vacinação sobre a epidemiologia da doença, é determinado pelas características da vacinação e por estes factores.

A tomada em consideração dos 3 factores, em simultâneo, é feita recorrendo a instrumentos matemáticos. Raciocínios meramente intuitivos são em geral insuficientes para lidar com a dinâmica de sistemas com este grau de complexidade.

Dificuldade com termos aqui usados ?
tente o dicionário.
Sugestões de termos a adicionar ao dicionário ?
contacte-me

Dois tipos de abordagem epidemiológica

1. Epidemiologia descritiva

A epidemiologia de doenças transmissíveis (DTs), pode ser abordada de duas formas complementares. Uma, clássica, consiste no recurso a instrumentos da estatística para descrever a incidência e/ou a prevalência da doença, no tempo e no espaço. Um exemplo simples, é o cálculo do número médio de casos de doença por unidade de tempo ou o cálculo da taxa de letalidade. Outros exemplos, mais complexos, são a utilização de técnicas de séries temporais, o ajuste do modelo linear (regressão, ANOVA etc) ou as análises multivariadas (componentes principais, cluster analysis ...) para descrever fenómenos epidemiológicos. Mas por muito bem que estas abordagens descrevam ou revelem os padrões epidemiológicos duma DT, elas não explicam as razões da epidemiologia observada. São meramente descritivas. Há quem lhes chame fenomenológicas, pois apenas descrevem fenómenos. Existem estudos destes em Portugal (ver 17 e, especialmente o 20 ). Outra forma de abordar a epidemiologia de DTs consiste em recorrer a modelos matemáticos explicativos ou analíticos.

2. Epidemiologia analítica

Na abordagem analítica, o epidemiologista expõe explícitamente os seus pressupostos acerca dos 3 factores determinantes da epidemiologia (ver caixa azul acima) e estuda matemáticamente as consequências desses pressupostos através de modelos cuja construção e análise, em geral, requerem alguma formação matemática. Idealmente, os pressupostos conduzem a previsões da epidemiologia da doença que não diferem muito dos dados reais. Se tal não acontecer, os pressupostos devem ser revistos.


Seguidamente revejo o papel da teoria matemática em epidemiologia de DTs e apresento alguns resultados relevantes para a vacinação. Uma introdução mais completa ao assunto é apresentada na disciplina de Dinâmica de Doenças Infecciosas que lecciono. Os tópicos a abordar aqui são os seguintes:

Porquê matemática ?
Modelos matemáticos de doenças transmissíveis
Dinâmica de doenças transmissiveis e R0
Epidemias
Controle de doenças transmissiveis por vacinação
Eliminação de doenças transmissíveis por vacinação
E quando a vacinação não elimina a doença ?

                                                                                          

  Porquê matemática ?

A epidemiologia estuda a incidência das DTs em grandes populações. Ao longo dos anos, os epidemiologistas recorreram à estatística para descrever os seus dados e formular as suas hipóteses. A epidemiologia clássica está muito associada à descrição do número de casos de doença por milhares de habitantes, por área geográfica e/ou unidade de tempo. Esta descrição pode-se resumir a simples gráficos de barras, técnicas de mapeamento ou mesmo a sofisticados métodos de análise multivariada. Mas nas últimas décadas houve tambem avanços significativos na compreensão da propagação das doenças transmissíveis em grandes populações, os quais resultaram do recurso a modelos matemáticos menos familiares. As conclusões destes estudos são tão importantes que hoje desempenham um papel importante na concepção dos programas de controle de DTs nos países desenvolvidos. Mas porquê o recursos a modelos matemáticos ?

A infecção, patologia e sintomatologia da maioria das doenças infecciosas humanas são razoávelmente compreendidas. Este conhecimento, porém, não é suficiente para prever a forma como a doença se vai propagar numa grande população. Para isso, há que ter em consideração factores que complicam imensamente a investigação. Estes factores são a biologia do agente infeccioso (ciclo de vida, vulnerabilidade a factores climáticos), as características demográficas da população infectada (natalidade, mortalidade de infectados e não-infectados, estrutura etária, distribuição no espaço), aspectos comportamentais (taxas de contacto entre indivíduos, higiene, etc.) e, evidentemente, eventuais medidas de controle (vacinação, isolamento de infectados, etc). A complexidade do assunto impossibilita portanto que se possa prever o curso de uma epidemia, por exemplo, baseando-nos apenas na intuição. Pelo contrário, é necessário integrar toda a informação relevante de forma eficaz e esta integração pode ser feita verbalmente, gráficamente ou, de preferência, através de modelos matemáticos. A matemática oferece os instrumentos mais adequados à expressão de relações complexas de uma forma que torna relativamente fácil avaliar as consequências dessas relações. Trata-se de uma ciência que obriga o investigador a (fazer um esforço para) expôr com máxima exactidão as suas ideias sobre os factores que determinam a epidemiologia da doença e permite investigar as consequências dessas ideias. Não seria impossível expôr verbalmente as informações contidas nas equações dos modelos matemáticos, mas a matemática oferece uma forma mais poderosa de sumarizar estas informações e, pela disciplina mental que impõe, impede que se deslize para raciocínios confusos.


dicionário

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Regresso ao topo

  Modelos matemáticos de doenças transmissíveis

Os modelos mais frequentemente usados para descrever a dinâmica de DTs são do tipo compartimental. A população hospedeira é dividida em categorias ou “compartimentos”. Estas categorias têm em atenção o percurso por que passa um hospedeiro infectado e a forma como a infecção se transmite. Considere-se, por exemplo, uma doença como o sarampo. Numa população em que o sarampo é endémico, práticamente todos os recém-nascidos nascem com imunidade passiva herdada da mãe. Passados alguns meses, estas crianças tornam-se susceptíveis e, mais tarde ou mais cedo, entram em contacto com o vírus. Entre o momento de recepção do vírus e o momento em que o infectado se torna capaz de o transmitir, decorre um periodo de alguns dias, designado por periodo de latência, durante o qual se inicia a virémia. Logo que o infectado se torna capaz de transmitir a doença, termina o periodo de latência e inicia-se o periodo de infecciosidade. Eventualmente, o infectado recupera da doença e, em principio, torna-se imune para toda a vida. Este percurso da infecção a nivel individual, permite conceptualizar a população dividida em cinco categorias de indivíduos. Na primeira temos os bebés com protecção maternal (P) ao sarampo, na segunda os susceptíveis (S), depois a categoria dos indivíduos que estão em periodo de latência (E), a categoria dos infecciosos (I) e, finalmente, a categoria que inclui todos os indivíduos imunes ou removidos (R) do processo de transmissão. Numa população muito grande, existe um fluxo permanente de indivíduos entre estas cinco categorias e, se se assumir que a imunidade ao sarampo, uma vez adquirida, permanece toda a vida, o fluxo decorre sempre no sentido que acaba de ser descrito: dos protegidos até aos recuperados:

 

página de abertura

 

dicionário

 

Fluxo de indivíduos num modelo compartimental gráfico simples do sarampo. Notar o fluxo devido à imunização por meio de vacinação em massa de indivíduos susceptíveis que são deslocados para o compartimento dos removidos.

  Numa população muito grande, a transferência de indivíduos entre compartimentos é um fenómeno contínuo. É por isso possivel representar matemáticamente a variação do número de indivíduos dentro de cada compartimento, à medida que o tempo passa, por sistemas de equações diferenciais. Estes sistemas de equações podem ter solução analítica mas, quando o modelo tem um mínimo de realismo, isso raramente acontece e torna-se necessário implementar computacionalmente o sistema de equações. Há várias perguntas às quais o sistema de equações pode dar resposta. Por exemplo, como é que varia o número de indivíduos no compartimento dos infecciosos à medida que o tempo passa ? devem-se esperar epidemias periódicas ou, pelo contrário, a doença tende a permanecer endémica na população com um determinado nivel de morbilidade ? Quais são as consequências da introdução de um programa de controle por vacinação ? Em que condições é que este programa conseguirá eliminar a infecção ?

O exemplo dado para o sarampo é relativamente simples, mas serve para ilustrar a abordagem geralmente adoptada. A informação sobre o percurso individual da infecção, pormenores do processo de transmissão de indivíduo para indivíduo e todas as informações relevantes disponíveis, são integradas, primeiro gráficamente e depois matemáticamente. A complexidade do modelo depende do grau de realismo que se atinge e da complexidade da própria doença. Na tuberculose, por exemplo, existem mais compartimentos do que no sarampo, pois há mais estádios pelos quais os infectados podem passar. Nas doenças sexualmente transmitidas, um outro exemplo, são necessários compartimentos separados para os dois sexos. Nas doenças associadas a grupos sociais de risco, há que dar um tratamento separado a estes grupos, usando compartimentos com características diferentes e tendo em atenção que a probabilidade de contágio varia de grupo para grupo.


Dinâmica de doenças transmissiveis e R0

O número de pessoas infectadas por uma DT num dado instante (a prevalência da doença), bem como o número de novos infectados por unidade de tempo (a incidência da doença), variam à medida que o tempo passa. O estudo desta variação é designado por estudo da dinâmica da doença e pode ser feito recorrendo a modelos matemáticos como os que foram referidos acima. Quando não existe qualquer controle da infecção (por vacinação, isolamento de infectados, etc.), cada doença adquire uma dinâmica própria. Por exemplo, algumas doenças tornam-se endémicas, com uma prevalência média que não varia muito de ano para ano, apresentando quanto muito uma variação sazonal típica. Outras geram uma epidemia e depois desaparecem, a menos que haja re-introduções de infecciosos vindos de fora. Outras doenças tornam-se endémicas e originam epidemias mais ou menos regulares, com uma periodicidade que pode ser determinada.

Os modelos matemáticos têm sido muitas vezes capazes de recriar estas dinâmicas em computador, ajudando-nos a compreender a causa das mesmas e, ao mesmo tempo, dando-nos alguma capacidade de predicção acerca daquilo que podemos esperar de uma DT numa população com determinadas cararacterísticas demográficas e sócio-culturais. Foi possível, por exemplo, demonstrar o papel crucial que desempenha o número básico de reprodução da doença, simbólicamente representado por R0. O número básico de reprodução é o número médio de novos infectados gerados por um indivíduo infeccioso quando este é introduzido numa população em que todos os indivíduos são susceptíveis à infecção. R0 é portanto o número de contactos "adequados" tidos por um infeccioso. R0 é em geral superior a 1 (a maioria das doenças tem um valor de R0 entre 7 e 20), e isso é condição necessária para que a doença se possa propagar. Mas não é condição suficiente. Numa população real, nem todos os indivíduos contactados são susceptíveis - alguns são imunes - e, por isso, parte dos R0 contactos não conduzem a novas infecções. Se houver muitos imunes, cada indivíduo infeccioso pode infectar menos do que um susceptível, deixando menos do que um “substituto” antes de se curar (ou deixar de ser infeccioso) e, assim, a doença acaba por ser eliminada da população. Esta é a lógica subjacente à vacinação em massa. Um dos objectivos consiste em baixar a percentagem de susceptíveis na população a um nivel tão baixo que o número médio de “substitutos” de cada infeccioso seja inferior a 1.

A quantidade R0, crucial para compreender a dinâmica da doença, é extremamente difícil de medir directamente na população. Uma das grandes conquistas da epidemiologia moderna foi conseguir estabelecer relações matemáticas entre R0 e outros parâmetros epidemiológicos mais fáceis de medir. É possivel demonstrar que, sob certas condições demográficas, existe uma relação simples entre R0, a longevidade média da população (L) e a idade média em que a doença é contraída pela primeira vez (A) quando não há medidas de controle da doença: R0=L/A.

Por exemplo, numa população com longevidade média de L=75 anos, onde se constatou que uma doença endémica é, em média, contraída aos A=8 anos de idade, o valor esperado de R0 para esta doença é de aproximadamente 9.4 contactos (=75/8).


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Regresso ao topo

  Epidemias

Os modelos matemáticos têm ajudado a compreender a razão por que certas doenças endémicas originam regularmente epidemias e fornecem até instrumentos para calcular a periodicidade destas epidemias. Uma epidemia só ocorre quando o número de “substitutos”, acima referido, é superior a 1. Por outras palavras, quando cada infeccioso deixa a “substitui-lo” mais do que um infectado antes de se curar. No decorrer da epidemia, há um número enorme de susceptíveis que é “consumido” pela infecção. Em doenças como o sarampo ou a papeira, a recuperação da doença confere, só por si, imunidade à mesma, pelo que a certa altura os susceptíveis à infecção começam a escassear. Um infeccioso começa então a ter dificuldade em encontrar susceptíveis para o “substituirem”. Note-se que o valor médio de R0, em principio, não se terá alterado: os susceptíveis é que começam a escassear. De facto, embora os susceptíveis continuem a ser fornecidos à população através dos nascimentos, a velocidade de propagação da epidemia (medida pela incidência) é em geral tão rápida que supera largamente a taxa de natalidade. Quando o número de “substitutos” se torna menor que 1, a epidemia regride e a doença volta para niveis de endemismo muito baixos. Não é eliminada, mas passa despercebida num pequeno número de infectados. Com o passar do tempo, os nascimentos vão trazendo à população novos susceptíveis à doença. O “balão” de susceptíveis aumenta lentamente, ao ritmo da taxa de natalidade, recomeçando a criar terreno para nova epidemia. A certa altura, a concentração de susceptíveis, que já é relativamente elevada na população total, torna-se particularmente elevada numa dada área geográfica onde há infectados (por exemplo num bairro urbano). Se houver condições apropriadas, o número de substitutos torna-se então súbitamente muito elevado e dispara uma nova vaga epidémica.

A existência destas oscilações na incidência da doença, vulgarmente conhecidas por epidemias, são matemáticamente demonstráveis e podem ser reproduzidas computacionalmente. A teoria matemática fornece mesmo instrumentos para prever a sua periodicidade. Se se designar por T o período de tempo que decorre entre duas epidemias (o chamado período inter-epidémico), por G o período de latência (ver Modelos matemáticos de doenças transmissíveis), por C o periodo de infecciosidade característico da doença em causa e, finalmente, por A a idade média em que a doença é contraída na população, demonstra-se que:

Pode-se portanto esperar que as epidemias ocorram mais frequentemente (T menor) quando A é mais baixo, o que por sua vez implica R0 elevado (recordar R0=L/A) ou quando o periodo de infecciosidade é mais curto.

A teoria matemática prevê também que só as doenças que se enquadram na dinâmica acima descrita de “enchimento-esvaziamento” do “balão” de susceptíveis é que devem originar epidemias regulares e periódicas, com T previsto pela equação acima. É o caso do sarampo, rubéola, papeira, etc. Doenças endémicas em que o “consumo” de susceptíveis decorre de forma mais lenta e/ou contínua, como é o caso de doenças com R0 baixo, doenças com portadores crónicos, ou doenças em que a recuperação da doença não confere imunidade à mesma (p. ex. muitas infecções bacterianas) não devem gerar oscilações periódicas regulares. A análise estatística da incidência da tuberculose, difteria, tétano, hepatite B, gonorreia etc., ao longo dos anos, parece confirmar esta previsão, uma vez que estas doenças não exibem epidemias periódicas regulares.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  Controle de doenças transmissíveis por vacinação

O gráfico do modelo compartimental do sarampo apresentado acima (Modelos matemáticos de doenças transmissíveis) indica que é possivel incorporar nos modelos medidas de controle como a vacinação. De facto, vacinar indivíduos regularmente, equivale a estabelecer um fluxo permanente de indivíduos de uma categoria populacional (os susceptíveis) para outra (os imunes). Este fluxo pode ser representado matemáticamente e é possivel estudar as consequências que um programa de vacinação deve ter sobre a incidência de uma DT. Exemplos de perguntas relevantes a que os modelos matemáticos têm tentado responder são:
Qual é a percentagem de cobertura vacinal necessária para eliminar uma doença infecciosa num país ?
Qual é a importância que tem a idade em que se vacina os indivíduos ?
Quando a vacinação não elimina a doença, que impacto se pode esperar que a vacinação tenha sobre as epidemias da doença ?
Vale sempre a pena efectuar vacinação em massa ?

Vejamos resumidamente alguns resultados, bem estabelecidos, que dizem respeito ao tipo de vacinação praticado em Portugal.



  Eliminação de doenças por vacinação

Considere-se um programa de vacinação caracterizado por imunizar todos os anos uma certa percentagem de crianças quando estas atingem V anos de idade. Chamemos pc à proporção mínima destas crianças que tem de ser imunizada todos os anos para se conseguir eliminar a doença. Demonstra-se que:

pc = 1 - (1/R0)

(para R0 ver Dinâmica de doenças transmissiveis e R0). Para se ter uma ideia da dificuldade que este esforço de imunização representa, considere-se o caso do sarampo em Portugal. Antes da vacinação, a doença era, em média, contraída por volta de A = 6 anos de idade. Assumindo que a longevidade da população portuguesa rondava então os L= 70 anos de idade e, usando a expressão já acima apresentada, R0 = L/A, tira-se que R0 = 70/6 = 11.7 para o sarampo em Portugal. Então, pc = 1 - 1/11.7 = 0.91. Quer dizer, com uma dose de vacina anti-sarampo, é necessário imunizar 91% de todas as crianças que atingem a idade V todos os anos. Como a eficácia da vacina anti-sarampo ronda os 95%, isto significa que é necessário vacinar (0.91/0.95)x100%, isto é, 96% de crianças todos os anos. Um objectivo muito ambicioso para o PNV de qualquer país do mundo. Para outras doenças infecciosas que não o sarampo, recorde-se que R0 se situa habitualmente entre 7 e 20, para se poder avaliar o elevado valor de pc que a eliminação requer.

Como é que pc é influenciado pela idade V em que a vacina é dada? Demonstra-se que existe a seguinte relação entre pc, a longevidade (L) da população, a idade média de contracção da doença antes da vacinação (A) e V:

pc = (L-A) / (L-V)

Quanto maior fôr V, menor é o valor do denominador e maior fica o valor de pc. Por outras palavras, quanto mais tarde se vacinar pior. No caso extremo em que V > A, o numerador fica maior do que o denominador e então, pc > 1. Por outras palavras, seria necessário imunizar mais de 100% das crianças na idade V para eliminar a doença - a eliminação é completamente impossivel nessas circunstâncias.

Vacinar com mais do que uma dose, como se recomenda hoje em dia em Portugal para a VASPR, aos 15 meses e aos 6 anos de idade (ver PNV), aumenta as chances de eliminação destas doenças ? Os resultados da investigação deste assunto são menos simples do que os anteriores, pelo que se optou por ilustrar os mesmos gráficamente. No gráfico ao lado, as abcissas representam a proporção de crianças que são imunizadas na idade em que é dada a primeira dose da vacina (aos 15 meses de idade), chamemos-lhe q1. As ordenadas representam a proporção de crianças ainda susceptíveis quando atingem a idade da segunda dose e que são, por sua vez, imunizadas com a segunda dose da vacina. Chamemos a essa proporção q2 . As curvas a cheio no gráfico unem todos os pares ordenados (q1, q2) capazes de eliminar a doença para três situações: quando a segunda dose é dada aos 3, 6 ou 11 anos de idade. A forma desta curva é típica para várias doenças infantis, nomeadamente para o sarampo, papeira e rubéola, as doenças que a VASPR combate.

Há algumas conclusões interessantes que se podem tirar deste gráfico. A primeira conclusão é que, para conseguir a eliminação destas doenças, é crucial a manutenção de uma elevada percentagem de cobertura vacinal na primeira dose da VASPR, mesmo em presença da segunda dose da vacina. Se, por exemplo, a proporção de imunizados na primeira dose fosse inferior a 80-85%, a eliminação só seria possivel se fossem imunizados mais de 60-70% dos indivíduos ainda susceptíveis na idade da segunda dose. Estes valores para a segunda dose são provavelmente difíceis de atingir, atendendo à dificuldade de alcançar os indivíduos que escaparam à primeira dose (quem “escapou” à primeira dose tem em geral menos probabilidade de vir à segunda dose do que quem não escapou à primeira dose).

Uma elevada (> 90-95%) cobertura vacinal na primeira dose, por outro lado, possibilita a eliminação das doenças da VASPR com niveis de imunização moderados ou mesmo baixos (<40%) na segunda dose. A manutenção de uma forte cobertura vacinal aos 15 meses de idade com a VASPR, abre portanto perspectivas de eliminação destas doenças com a segunda dose, não obstante as potenciais dificuldades em conseguir altas percentagens de comparência nos postos de vacinação na idade da segunda dose.

Regresso ao topo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  E quando a vacinação não elimina a doença ?

O único caso documentado de erradicação de uma doença infecciosa a nivel planetário é o da varíola (ver História). A prática tem demonstrado que, infelizmente, as previsões pessimistas da teoria matemática acerca da dificuldade de eliminar doenças transmissíveis, têm-se revelado correctas. Em Portugal, doenças como o sarampo, difteria, tosse convulsa, poliomielite etc., baixaram drásticamente a sua incidência depois da implementação da vacinação, mas não se podem ainda considerar eliminadas. A teoria matemática prevê que, quando a doença não é eliminada pela vacinação, verifica-se que:

1. A incidência média da doença baixa drásticamente. Muitos susceptíveis, potenciais candidatos a apanhar a doença, são imunizados e directamente retirados do processo de transmissão, tornando o número de “substitutos” mais baixo, embora R0 não se altere (ver Dinâmica de doenças transmissiveis e R0 ).

2. A idade média em que a doença é apanhada (A) torna-se mais elevada. De facto, se há menos casos de doença a circular, a probabilidade de um indivíduo susceptível encontrar a doença diminui e, por isso, o tempo médio que decorre desde ele nascer até encontrar a doença aumenta. Por exemplo, o sarampo que, antes da vacinação era em média apanhado em Portugal por volta dos 5-6 anos, passou a ser apanhado por volta dos 8-10 anos. Esta consequência da vacinação tem por vezes consequências preversas. Muitas doenças infantis são relativamente benignas quando apanhadas muito cedo na vida, mas a probabilidade de originarem complicações severas aumenta com a idade. Pode-se assim cair numa situação em que há muito menos casos de doenças por ano, mas a percentagem de casos com complicações sérias aumenta.

3. Se a doença exibia epidemias regulares antes da vacinação, deve continuar a exibi-las. Porém, o periodo inter-epidémico (T) deve aumentar depois de se implementar a vacinação. Para compreender porquê, basta recordar que A entra na equação que permite calcular o valor de T (ver Epidemias). Como A aumenta (ponto 2. acima), T também aumenta. Por exemplo, existe evidência de que antes da vacinação ocorriam epidemias de sarampo em Portugal aproximadamente de 2 em 2 ou de 3 em 3 anos. Desde a vacinação, as epidemias têm ocorrido entre nós de 4 em 4 ou de 5 em 5 anos.


Página de abertura

 

Dicionário

 

Regresso ao topo

Regresso ao topo

 

Página de abertura

 

 

 

 

cfbvfd
contactos | webmaster
© 2003 Pedro MR Gomes, Todos os direitos reservados