Comentário
Os
dois filmes analisados neste trabalho, “O Anjo Azul” de Joseph von Sternberg”
e Aniki-Bóbó” de Manuel de Oliveira, encontram-se muito distanciados no
tempo (o primeiro é de 1929 e o segundo de 1942) e no espaço (o primeiro
desenrola-se numa pequena cidade alemã e o segundo na cidade do Porto). As suas
histórias e personagens são, à primeira vista, completamente díspares. O
Anjo Azul retrata a queda em desgraça de um respeitável professor de liceu que
se apaixona por uma cantora de cabaré enquanto Aniki – Bóbó nos fala de uma
relação amorosa entre três crianças. O primeiro filme é uma tragédia
enquanto o segundo termina com uma mensagem de reconciliação e esperança. Um
olhar mais atento permite distinguir, apesar de tudo, algumas temáticas e
abordagens comuns aos dois filmes,
Ø
Transgressão das regras de conduta
socialmente aceites
As
personagens principais dos dois filmes não podiam ser mais diferentes – um
adulto da classe alta alemã e um garoto pobre da zona ribeirinha do porto –
mas apesar da distância que os separa as suas condutas apresentam algum
paralelismo pois ambos são levados a quebrar as regras de conduta devido à
atracção que sentem pela sua “dama”. O professor Imanuel Rath une-se a uma
mulher considerada inaceitável pela sociedade e Carlitos rouba uma boneca para
a oferecer a Teresinha. Para além disso ambos se mostram dispostos a lutar pela
sua amada.
Ø
Visão da escola
A
escola é vista como uma prisão que impede os jovens de gozar a vida que
“corre lá fora”. No Aniki – Bóbó, à saída da escola canta-se
“Abre-se a porta da escola sai o pardal da gaiola”. No Anjo Azul, na
primeira aula, quando Imanuel Rath abre a janela, a sala é invadida pelas vozes
das mulheres que falam de alegria e de vida em profundo contraste com o ambiente
soturno dentro da aula.
Ambos
os filmes mostram o profundo desinteresse que os jovens demonstram pela escola e
pelo que aí lhes é transmitido. No Aniki- Bóbó uma das crianças afirma:
“Eu cá se fosse muito rico até comprava a escola para a mandar fechar”. Os
alunos do professor Rath preferem o cabaret e a companhia de Lola enquanto os
colegas de Carlitos, ainda crianças, preferem lançar papagaios.
Nos
dois filmes há um aluno que parece ser a excepção a esta regra, o bom aluno,
aquele que parece ter algum interesse pela escola e vontade de aprender. É
interessante que este aluno seja sempre retratado como um ser apatetado que se
veste de forma algo ridícula. No Aniki – Bóbó, o bom aluno é
ridicularizado de forma tão exagerada que até parece uma caricatura.
Ø
Autoridade do professor
Em ambos os filmes o professor é
caracterizado como uma figura autoritária que inspira medo. O professor
dirige-se sempre aos alunos de forma ríspida e não hesita em humilhá-los. Em
Aniki – Bóbó, face de um aluno que não consegue ler a lição, o professor
manda outro ler afirmando “Mostre-lhe como se lê” ou castiga um aluno que
chega atrasado colocando-lhe orelhas de burro. As diferenças entre as atitudes
dos professores nos dois filmes podem atribuir-se à sua diferente origem. Um é
um rígido teutónico e o outro um homem do norte de Portugal, por definição
mais aberto e menos ríspido.
O respeito e até uma certa
cumplicidade que, hoje em dia, se consideram parte integrante de uma boa relação
professor – aluno, estão completamente ausentes nestes filmes. Os alunos têm
medo do professor porque ele, enquanto professor, detém o poder de os castigar.
Ø
Crueldade
As
crianças e os jovens têm uma grande capacidade de ser cruéis e uma grande
intolerância face à diferença e aos erros dos outros. Isto é mostrado de
variadas formas nos dois filmes. No Anjo Azul, podemos distinguir a crueldade na
relação inter-pares e na relação entre os alunos e o professor. Na relação
aluno – aluno, um bom exemplo é o tratamento que é dado a Angst, eterna
vitima das partidas dos seus colegas. No Aniki – Bóbó, a forma como Eduardo
trata Carlitos (quando lhe bate e depois se gaba perante Teresinha), ou a
maneira como todos se riem do aluno que é castigado com as orelhas de burro, são
outros tantos exemplos de crueldade entre as crianças.
No
Anjo Azul os alunos são extremamente cruéis com o professor quando este se
coloca numa posição de fraqueza ao unir-se a Lola.
Ø
Julgamento da sociedade
Ambos os filmes mostram como a
sociedade julga e pune de forma expedita aqueles que quebram as regras
estabelecidas. No Anjo Azul, o professor Rath perde tudo por se apaixonar, e
assumir essa paixão de forma inequívoca, por uma mulher socialmente inaceitável.
Em Aniki – Bóbó Carlitos é ostracizado quando os colegas pensam que ele
empurrou Eduardo.
Ø
As máximas
Nos dois filmes vemos uma máxima
(“Faz o bem e não temas ninguém” sobre a cama de Imanuel Rath e “Segue
sempre o bom caminho” escrito na mochila de Carlitos) que nos é mostrada
quando a personagem principal se desvia do caminho socialmente aceite.