Na tabela seguinte esquematiza-se, sinteticamente, as principais diferenças detectadas nas duas versões do mesmo conto:
A Gata
Borralheira
(Irmãos Grimm) |
Cinderela
(Walt Disney) |
Séc. XIX - Romantismo (1812) |
Séc. XX - Guerra Fria (1950) |
Pai sempre presente no conto |
Pai presente no início do
conto;
morte do Pai |
Mãe presente no início do
conto;
morte da Mãe |
Mãe ausente do conto |
Sonho realizado por uma pomba |
Sonho realizado por fada |
Solidão |
Amigos: ratos (animais falantes) |
Madrasta e filhas cruéis |
Madrasta e filhas ainda mais cruéis |
Baile de 3 dias |
Baile de 1 dia |
Guarda-roupa da altura |
Guarda-roupa fantástico
(sapatos de cristal) |
Não se faz referência às horas |
Fim do feitiço à meia-noite |
Na longa metragem, em desenho animado, Cinderela, a bela e passiva heroína e as mulheres malvadas contribuem poderosamente para reforçar o estereótipo da beleza inocente vítima da malvadez criminosa.
Mas Disney é responsável por amplificar o estereótipo boa mulher "versus" má
mulher. Também pode ser criticado pela representação de um mundo de fantasia superficial, repleto de pequenos seres que se movem entre florzinhas mimosas e animais cantantes.
Cinderela, popularizada pela versão Disney, não só é passiva e bonita, mas também invulgarmente paciente, obediente, trabalhora e sossegada, dir-se-ia mesmo "domesticada".
Disney "americanizou" os temas que celebram a inocência viril do poder mas masculino. Verifica-se que o herói masculino está praticamente ausente ou tem uma presença acidental em "Cinderela". O seu aparecimento faz-se quase no fim da narrativa, para libertar a heroína e casar com ela: quase não é descrito e é óbvio que a sua função, embora importante, é limitada.
No entanto, embora não tenha sido realizado nenhum inquérito junto do público infantil que aborde especificamente questões
relativas a estes contos, a observação empírica permite afirmar que muitas crianças conhecem as histórias e as personagens dos contos "clássicos", através das versões Disney. A Cinderela
revisitada por Walt Disney é mais familiar do que as heroínas dos contos
infantis guardadas em memórias de avós ou em recolhas de especialistas.
Os filmes de Disney pretendiam/pretendem distrair os espectadores, arrancá-los ao inferno das suas vidas quotidianas, sugerir possibilidades ilusórias de felicidade e salvação. Neste sentido, a natureza utópica dos contos dos
Grimm sofreu uma perversão no nosso tempo, pois o "corpus" dos seus contos contêm indicações claras de injustiça social, de problemas familiares, que permitem aos seus leitores concentrar-se nas causas históricas e psicológicas da repressão, na esperança de que se produzissem mudanças.
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