[Home]

 Entrevista a Maria João Bichão

 

Maria João Bichão

"Não há deficiência profunda. Há afectos profundos"

Maria João Bichão

 

«Para mim, não há deficientes profundos. Há afectos profundos.» Quem o diz é Maria João Oliveira Bichão, hoje com 54 anos, para quem «a Isabel foi a primeira de muitas Isabéis» que acabariam por povoar a sua vida.

Natural de Coimbra, técnica de radiologia no Hospital de Torres Vedras, casada com um médico daquela zona, Maria João teve conhecimento do caso num retiro, por intermédio de uma irmã das Servas de Nossa Senhora de Fátima. E bateu-se pela Isabel, chegando a levá-la para sua casa.

Desse tempo guarda um «grande amargura» e uma «grande revolta». «Criei muitas inimizades e fui mesmo molestada profissionalmente, devido a essa situação», afirmou ao DN. E recorda a «enfermeira que fechava Isabel, porque queria ir fumar um cigarro», as reclamações que fez por isso e as retaliações que sofreu. Lembra ainda o percurso pelos hospitais de Torres Vedras, Santa Maria e D. Estefânia. Refere a atitude de um médico que se riu da menina, dizendo: «É isto que aqui está.» Fala ainda de diversas instituições, incluindo religiosas, que recusaram a Isabel, queixando-se de que ela rasgava lençóis e provocava distúrbios. Verdade seja dita: em minha casa, nunca fez tal».

Esta foi uma primeira fase. «Ninguém aceitou a Isabel», conta Maria João, para adiantar que  «ela teve de regressar à mãe. Aí já não foi para o galinheiro, mas sim para o curral».

Maria João tentou falar com a comunicação social, nomeadamente com a televisão: «Ninguém me ouviu.» Foi então que o DN publicou a reportagem e Manuela Eanes, mulher do então Presidente da República, interessou-se pelo caso. Isabel veio para Lisboa e foi internada num colégio.

Maria João mandava dinheiro e tentava o contacto: «Mas quando dizia o meu nome, desligavam-me logo o telefone.» O tempo e a vida encarregaram-se de um maior afastamento. Maria João sofreu problemas graves de saúde e, quando procurou  ter notícias de Isabel, só soube que o dinheiro que enviava já não tinha destino e que o colégio aparentemente fechara.

«Uma das minhas amarguras é reconhecer que se podia fazer mais e melhor por estas crianças. Há muitas organizações - a explosão da sida e da droga levou a que outras prioridades fossem assumidas - mas poucos olham por estas crianças, menos cuidadas de pai e mãe e abandonadas pela sociedade», declara Maria João.

Entretanto, casada e sem filhos, Maria João tem dado apoio a outras crianças necessitadas e adolescentes em risco: «Em nome da Isabel», como salienta.

«Tenho muita pena de não ter capacidade para poder fazer uma casa de acolhimento». E fala da sua amargura: «Se há 18 anos eu tivesse tido possibilidade de adivinhar o que ia acontecer e tivesse tido capacidade financeira para tal, nunca teria deixado ir a Isabel.»

Retirado de uma notícia do Diário de Notícias, em 14 de Novembro de 1998

[Topo]

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt