Democracia e Educação

John Dewey

Cap. 1

A educação como uma necessidade da vida

Tradução de

Maria Isabel Gaivão Donato Torres Fevereiro

Finalista da Licenciatura em Matemática, 1995/96

                                           

           

           1.  A renovação da vida por transmissão. A distinção mais notável entre seres vivos e seres inanimados é que os primeiros se mantêm por renovação. Quando se bate numa pedra, esta oferece resistência. Se esta resistência for maior que a força com que se bate, a pedra não se altera minimamente. Caso contrário, ela é partida em pequenos bocados. Uma pedra nunca tenta reagir de tal forma que se possa manter inalterável contra a pressão que sofre ao ser batida, e muito menos ainda de forma a contribuir para a acção de que é alvo. Os seres vivos no entanto, podem ser facilmente esmagados por uma força superior, mas tentam apesar disso transformar a energia que actua contra eles num meio de prolongar a sua própria existência. Se não o conseguirem, não ficam partidos em bocados mais pequenos (pelo menos nas formas de vida superiores), mas perdem a sua identidade como um ser vivo.

            Enquanto resiste, o ser vivo luta de forma a utilizar as energias circundantes em seu próprio proveito. Ele utiliza a luz, o ar, a humidade e as substâncias que compõem o solo. Afirmar que o ser vivo as utiliza é dizer que as transforma em meios da sua própria conservação. Enquanto está em fase de crescimento, a energia dispendida nesta transformação do ambiente é largamente compensada por aquilo que o ser vivo obtém em troca: o seu crescimento. Se se entender a palavra controlo neste sentido, poder-se-á dizer que um ser vivo é aquele que, a fim de conseguir manter as suas próprias actividades de uma forma continuada, subjuga e controla estas energias que de outro modo seriam desperdiçadas. A vida é um processo de auto renovação através de acções exercidas sobre o meio ambiente.

            Quaisquer que sejam as formas de vida superiores, este processo não se pode manter indefinidamente. Após algum tempo sucumbem;  e morrem. Um ser não é definido pela tarefa de se renovar indefinidamente. Mas a continuidade do processo de vida não depende do prolongamento da existência  de um qualquer indivíduo. A reprodução de outras formas de vida prossegue numa sequência contínua. E apesar de, como se constata através dos registos geológicos, não serem apenas os indivíduos que morrem  mas espécies inteiras que desaparecem, o processo de vida continua em seres de complexidade sempre crescente. À medida que algumas espécies de vida morrem, outras formas melhor adaptadas para utilizarem os próprios obstáculos contra os quais as primeiras lutaram em vão, aparecem. A continuidade de vida significa uma readaptação contínua do meio ambiente às necessidades dos organismos vivos.

            Temos estado a falar de vida no sentido mais pobre do termo - uma coisa física. Mas utilizamos a palavra vida num sentido mais amplo para designar todo o conjunto de experiências, individuais e raciais. Quando pegamos num livro chamado A Vida de Lincoln  não estamos à espera de encontrar no seu interior um tratado de psicologia. Procuramos os seus antecedentes sociais; uma descrição do  ambiente onde vivia na sua juventude, as condições de vida e ocupação dos seus familiares; dos episódios mais relevantes no desenvolvimento do seu carácter;  dos seus insucessos e sucessos mais marcantes, das suas esperanças, preferências, alegrias e sofrimentos. Do mesmo modo falamos da vida de uma tribo selvagem, do povo Ateniense, da nação Americana. A palavra Vida refere-se aos costumes, instituições, crenças, vitórias e derrotas, divertimentos e ocupações.

            Utilizamos a palavra experiência com a mesma riqueza de sentido. Quer neste caso, quer relativamente à palavra vida no sentido psicológico estrito, é aplicado o princípio da continuidade através da renovação. No caso dos seres humanos, a par da existência da renovação física, processa-se a renovação das crenças, ideais, esperanças, alegrias, misérias e hábitos. A continuidade de qualquer experiência, processada através da renovação do grupo social, é um facto. A educação, no seu sentido mais lato, é o meio através do qual se verifica esta continuidade de vida social. Todos os elementos que constituem um grupo social, tanto numa cidade moderna como numa tribo selvagem, nascem imaturos, carentes de ajuda, não possuindo qualquer tipo de linguagem, convicções, ideias, ou padrões sociais. Cada indivíduo, cada unidade portadora da experiência de vida do grupo a que pertence, com o tempo desaparece. No entanto a vida do grupo continua.

            Os factos inevitáveis do nascimento e da morte de cada indivíduo num grupo social, determinam a necessidade de educação. Por um lado, existe o contraste entre a imaturidade dos elementos recém nascidos do grupo - seus únicos representantes futuros - e a maturidade dos elementos adultos possuidores do conhecimento e costumes do grupo. Por outro lado, existe a necessidade de que estes elementos imaturos do grupo não sejam apenas fisicamente preservados em número adequado, mas que sejam iniciados nos interesses, propósitos, informação, aptidões, e práticas dos membros adultos: de outro modo o grupo perde a sua vida característica. Mesmo numa tribo selvagem, as competências dos adultos estão muito longe daquilo que os elementos imaturos serão capazes de conseguir se entregues a si próprios. À medida que aumenta o grau de civilização aumenta também o desfazamento entre as capacidades iniciais dos elementos imaturos e os padrões e costumes dos idosos. O simples desenvolvimento físico, o simples controlo das necessidades básicas de subsistência não são suficientes para reproduzir a vida do grupo. É necessário haver um esforço deliberado e a tomada de medidas ponderadas de modo que os seres que ao nasceram não têm consciência, sendo mesmo indiferentes, dos objectivos e hábitos do grupo social, tomem disso conhecimento e se tornem activamente interessados. A educação, e apenas a educação, pode resolver o problema.

            À semelhança do que se passa com a vida biológica, a existência da sociedade é devida a um processo de transmissão. É através da comunicação de hábitos de fazer, construir e sentir, por parte dos mais velhos para os mais novos que esta transmissão se processa. Se não acontecer esta comunicação dos ideais, esperanças, expectativas, padrões e opiniões daqueles que mais depressa irão desaparecer do grupo dos vivos para aqueles que começam a fazer parte deste, então a vida social não sobrevive. Numa sociedade composta por elementos que vivessem continuamente, a tarefa de educar seria meramente movida por interesses pessoais e não por uma necessidade social. Assim, educar é de facto uma tarefa que decorre da necessidade.

            Se uma praga matasse todos os membros de uma sociedade de uma só vez, é óbvio que este grupo desapareceria para sempre. No entanto, a morte de cada um dos elementos constituintes de uma sociedade é sempre absolutamente certa, mas o desfazamento de idades e o facto de alguns elementos nascerem enquanto outros morrem, torna possível a constante renovação do tecido social através da transmissão de ideias e práticas. No entanto esta renovação não é automática. A menos que sejam tomadas medidas de forma a verificar que se processa uma transmissão genuína e completa, qualquer grupo por mais civilizado que seja, regressa à barbárie e seguidamente ao estado selvagem. De  facto os jovens humanos são de tal modo imaturos que se fossem abandonados a si próprios sem a orientação e ajuda de outros poderiam nem adquirir as competências rudimentares necessárias à própria existência física. A eficácia original dos jovens humanos quando comparada com a de outras espécies animais mais baixas é tão pobre que nem mesmo são capazes de conseguir sustento físico sem ajuda. Quanto mais, então, neste caso relativamente às competências técnicas, artísticas, cientificas e morais da humanidade

            2. Educação e Comunicação. A necessidade de ensinar e aprender para assegurar a continua existência de uma sociedade é de facto tão óbvia, que pode até parecer que andamos às voltas com uma frase feita. Mas a justificação está no facto de  tal ênfase ser uma forma de nos afastar de uma noção escolástica e formal de educação. A escola é na realidade um meio importante de transmissão na formação do jovem; mas é apenas um meio, e quando comparada com outros, é um meio relativamente superficial. Só quando compreendemos ser necessária a existência de mais métodos de ensino, fundamentais e persistentes, é que podemos ter a certeza de colocar os métodos escolásticos no seu verdadeiro contexto.

            A Sociedade não só tem continuidade por transmissão e por comunicação, mas poderemos mesmo dizer que ela existe na transmissão e na comunicação. Há mais do que uma simples ligação verbal entre as palavras comum, comunidade e comunicação. Os homens vivem em comunidade em virtude daquilo que têm em comum; e a comunicação é o modo através do qual eles passam a ter coisas em comum.  Para que formem uma comunidade ou sociedade os homens devem ter em comum objectivos, convicções, aspirações, conhecimento - uma compreensão comum - no sentido do senso comum como diriam os sociólogos. Tais coisas não podem ser passadas fisicamente de um para o outro, como se passam tijolos; não podem ser partilhadas da mesma forma que as pessoas partilham uma tarte dividindo-a em fatias. A comunicação necessária à compreensão comum participada é aquela que garante uma formação similar em termos emocionais e intelectuais  - ou seja, modos semelhantes de responder às expectativas e exigências da comunidade.

             As pessoas não formam uma sociedade apenas por viverem em proximidade física. Assim um homem não deixa de ser socialmente influenciado por estar afastado dos outros uns tantos metros ou quilómetros. Um livro ou uma carta podem levar a uma associação mais íntima entre seres humanos separados milhares de quilómetros entre eles do que vivendo debaixo do mesmo tecto. Um conjunto de pessoas não forma um grupo social apenas porque trabalham para um fim comum. As diversas partes de uma máquina trabalham em cooperação para um resultado comum, mas não formam uma comunidade. No entanto se todos estivessem conscientes do objectivo comum que se pretende atingir e interessados em alcançar esse objectivo de tal forma que cada actividade específica fosse regulada para esse fim, então sim estar-se-ia em presença de uma comunidade. Mas isto envolve comunicação. Cada elemento do grupo teria necessidade de saber o que cada um dos outros estava a fazer e teria de haver um modo de manter os outros informados das suas próprias intenções e progressos. Para que haja consenso é necessário que haja comunicação.

            Somos então obrigados a reconhecer que mesmo no mais social dos grupos  existem muitas relações que não são de natureza social. Em qualquer grupo social um elevado número de relações humanas são do nível das relações tipo máquina. As pessoas utilizam-se umas às outras para atingir os resultados pretendidos, sem olhar à parte emocional e intelectual dos que são usados e sem o seu consentimento. Este tipo de utilização expressa uma superioridade física, ou uma superioridade em termos de posição, de capacidades, de aptidões técnicas, domínio de ferramentas quer mecânicas quer fiscais. Enquanto as relações se mantiverem ao nível das relações pai e filho, professor e aluno, empregador e empregado, governante e governado, não se pode falar de grupo social propriamente dito, independentemente do grau de proximidade existente nas respectivas actividades.

Dar e acatar ordens, modifica as acções e os resultados, mas não afecta por si só uma partilha de objectivos, uma comunicação de interesses.  Não só a vida social se identifica com a comunicação, mas toda a comunicação (e portanto toda a verdadeira vida social) é educativa. Ser receptor de uma comunicação é viver uma experiência diferente e mais alargada. Ao partilhar aquilo que outros pensaram e sentiram, quer por empobrecimento quer por ampliação, modifica-se sempre as próprias atitudes. Nem mesmo aquele que comunica deixa de ser afectado. Se alguém experimentar comunicar na totalidade e com precisão uma experiência sua a outra pessoa, especialmente se é uma experiência de algum modo complicada, descobrirá que a sua própria atitude face à sua experiência se altera, de outro modo limita-se a recorrer a pequenas exclamações e explicações muito breves. A experiência terá de ser formulada com o objectivo de ser comunicada. Para poder formular a experiência, é necessário retirar-se para fora dela, procurando olhá-la com os olhos de outro, tendo em consideração os pontos de interesse da vida dessa pessoa, de modo que a explicação adquira uma forma tal que permita ser por ela entendida. Excepto quando se trata de banalidades e frases feitas, uma pessoa tem que assimilar, recorrendo à imaginação, algo da experiência de outros de modo a poder transmitir de uma forma inteligente a sua própria experiência. A comunicação é como a arte. Pode-se mesmo dizer então que qualquer tipo de organização social, considerado essencialmente social ou essencialmente partilhado, é educativo para todos os que nela participam. Só quando se torna num molde e cai em rotina perde o seu poder educativo.

            Finalmente, não só a vida social requer ensino e aprendizagem para a sua própria permanência, mas o próprio processo de vida em comum é educativo, alargando e clarificando a experiência, estimulando e enriquecendo a imaginação, criando responsabilidade para o rigor e vivacidade no pensamento e afirmação. Um ser humano que viva sozinho (mentalmente e fisicamente) terá muito poucas ou nenhumas ocasiões para reflectir sobre a sua experiência passada, e retirar daí o seu significado. A desigualdade ao nível das competências entre os elementos adultos e os elementos ainda imaturos, torna necessário que não só os mais novos sejam ensinados, mas a própria necessidade de ensinar dá um enorme estímulo para reduzir a experiência a uma ordem de grandeza e forma, que a tornará mais facilmente comunicável e portanto mais útil.

            3. O lugar da Educação Formal - Existe uma notável diferença entre a educação que toda a gente obtém pelo simples facto de viver com os outros, na medida em que realmente vive e não apenas subsiste, e a educação deliberada dos mais novos. No primeiro caso a educação é casual. É natural e importante mas não é a razão expressa da associação. Pode-se dizer, sem receio de exagerar, que aquilo que mede o valor de qualquer instituição social, económica, doméstica, política, jurídica, religiosa, é o seu efeito no alargamento e melhoramento da experiência; no entanto tal efeito não faz parte do motivo que lhe deu origem, que é limitado e de carácter prático imediato.

            As associações religiosas, por exemplo iniciam-se pelo desejo de assegurar as influências benéficas e afastar as nefastas; a vida familiar começa no desejo de satisfazer o amor e assegurar a descendência; o trabalho sistemático na sua maior parte, teve origem na escravatura, etc. Apenas gradualmente os subprodutos da instituição, o seu efeito na qualidade e extensão da vida consciente, foram tidos em conta, e ainda mais gradualmente foi este efeito considerado como um factor directivo na condução da instituição. Ainda hoje, na nossa vida de trabalho quotidiano, à parte certos valores de brio profissional e de cuidados a ter na utilização de dinheiro e recursos, a reacção intelectual e emocional das formas de associação segundo as quais o mundo do trabalho se rege, recebe pouca atenção quando comparada com os resultados materiais.

            Mas tratando-se de jovens, o facto de associação por si só como um facto humano imediato, ganha importância. Apesar de ser relativamente fácil ignorar, no nosso contacto com eles, o efeito dos nossos actos na sua formação, ou subordinar esse efeito educativo a um qualquer resultado externo e tangível, não é tão fácil como quando se trata de adultos. A necessidade de treino é por demais evidente; a pressão de conseguir uma mudança nas suas atitudes e hábitos é demasiada urgente para que se possa ignorar estas consequências. Como o nosso objectivo máximo em relação a eles é torná-los capazes de partilhar numa vida em comunidade não podemos deixar de considerar se estamos ou não a conseguir que adquiram as capacidades necessárias para esta aptidão. Se a humanidade fez algum progresso ao realizar que o valor mais alto de qualquer instituição é o seu efeito especificamente humano - o seu efeito sobre uma experiência consciente - podemos bem acreditar que esta lição foi quase inteiramente aprendida nos contactos com os jovens.

            Somos então levados a distinguir no processo educativo, no sentido mais lato que temos estado a considerar até agora, um tipo de educação mais formal - um ensino mais directo ou escolar. Em grupos sociais subdesenvolvidos, encontramos muito pouco qualquer tipo de ensino e aprendizagem formal. Grupos humanos de selvagens confiam basicamente em incutir gradualmente nos mais jovens a formação necessária, através do mesmo tipo de associação que mantém os adultos leais ao grupo. Não têm esquemas especiais, materiais ou instituições para ensinar excepto no que diz respeito às cerimónias de iniciação pelas quais os jovens adquirem o estatuto de membro social pleno. Praticamente em quase tudo, eles dependem da aprendizagem das crianças relativamente aos costumes dos adultos, adquirindo as emoções e o conjunto das ideias, partilhando naquilo que os mais velhos estão fazendo. Em parte, esta partilha é directa, tomando parte nas ocupações dos adultos, como aprendizes; em parte é indirecta, através de peças dramatizadas nas quais as crianças reproduzem as acções dos crescidos aprendendo como eles são. Para os selvagens pareceria disparatado procurar um lugar de aprendizagem, onde nada a não ser a aprendizagem teria lugar.

            Mas há medida que a civilização avança, aumenta o desfazamento entre as capacidades dos jovens e as preocupações dos adultos. A aprendizagem por partilha directa das acções dos crescidos torna-se cada vez mais difícil excepto no caso das ocupações menos avançadas. Muito daquilo que os adultos fazem é tão remoto no espaço e em significado que as imitações de carácter lúdico são cada vez menos adequadas por forma a reproduzir o seu autêntico significado. A aptidão para partilhar efectivamente as actividades dos adultos depende então de um treino adquirido anteriormente já com esta finalidade. Agências intencionais - escolas - e materiais explícitos - estudos - são inventados. A tarefa de ensinar determinadas coisas é delegada a um grupo especial de pessoas.

             Sem essa educação formal não é possível  transmitir todos os recursos e realizações de uma sociedade complexa. É também aberto um caminho para um determinado tipo de experiência que estaria inacessível aos mais novos se lhes fosse permitido obter apenas o treino que necessitam em associações informais com os outros, uma vez que os livros e os símbolos do conhecimento são o repositório de todo o conhecimento.

            Mas existem alguns perigos bem visíveis nesta transição da educação directa para uma educação formal. A actividade de partilha, quer directamente quer através de jogos, é pessoal e vital. Estas qualidades compensam de algum modo a estreiteza de oportunidades disponibilizadas. A instrução formal, pelo contrário, facilmente se torna remota e morta, abstracta e livresca, para usar as palavras mais comuns no sentido depreciativo. Todo o conhecimento existente em sociedades pouco desenvolvidas é no mínimo posto em prática; é transformado no carácter dessas sociedades; existe com a profundidade de significado que serve aqueles que a ela recorrem diariamente.

            Mas em culturas avançadas muito daquilo que se tem de aprender é armazenado em símbolos. Está longe de ter alguma ligação com os objectos e actos familiares. Se tomarmos por medida o padrão comum de vida, é artificial porque esta medida está ligada a preocupações de ordem prática. Tais materiais existem num mundo por si sós, não assimilados aos costumes usuais de pensamento e expressão. Existe o perigo de os saberes da instrução formal constituírem o que há de mais importante na escola, isolados daquilo que é realmente necessário na vida quotidiana. Os interesses sociais da comunidade perdem-se de vista. Aqueles que não foram transpostos para a estrutura da vida social, mas se mantiveram em larga medida como informação técnica expressa em símbolos, são os mais valorizados nas escolas. Chegamos então à noção comum de educação: a que ignora a sua necessidade social e a sua identidade com as associações humanas que afectam a vida consciente, e que a identificam com a informação dada relativamente a coisas de importância relativa e a transmissão da aprendizagem através de sinais verbais: a aquisição da literacia.

            Um dos problemas principais que a filosofia da educação enfrenta é a forma de encontrar o equilíbrio certo entre os modos de educação formal e informal, casual e intencional. Quando a aquisição de informação e de aptidões intelectuais de carácter técnico não influencia a formação do traço de personalidade social, a experiência comum vital não consegue ganhar em significado, enquanto a escolarização, até agora, cria apenas «argutos» na aprendizagem - isto é, especialistas egoístas. Para evitar um desfazamento entre aquilo que os homens conscientemente sabem porque estão alertados para o facto de terem aprendido através de um trabalho específico de aprendizagem e o que inconscientemente sabem porque o absorveram na formação do seu carácter por intermédio de outros, torna-se uma tarefa cada vez mais delicada com todo o desenvolvimento de escolaridade especial.

            Resumo: Faz parte da própria natureza da vida o esforço de continuar como ser vivo. Como esta continuidade só pode ser assegurada através de constantes renovações, a vida é um processo de auto renovação. A nutrição e a reprodução representam para a vida fisiológica, o mesmo que a educação representa para a vida social. Esta educação consiste basicamente na transmissão por comunicação. A comunicação é um processo de partilha de experiências até que se tornem uma pertença comum. Altera a personalidade de todas partes envolvidas. O significado mais profundo de todos os modos de associação humana assenta na contribuição que é dada para a melhoria da qualidade da experiência e é um facto muito mais evidente quando se trata de associações de jovens. Isto significa que enquanto qualquer arranjo social é educativo tendo em conta o efeito que produz, este efeito educativo torna-se primeiro uma parte importante dos objectivos da associação conjuntamente com a associação dos mais velhos com os mais novos. À medida que as sociedades se tornam mais complexas em termos de estruturas e recursos, aumenta a necessidade de um ensino e aprendizagem formal ou intencional. À medida que o ensino formal vai sendo alargado, existe o perigo de criar um distanciamento indesejável entre a experiência adquirida através de associações mais directas e aquilo que é aprendido na escola. Este perigo nunca foi tão grande como agora, devido ao rápido crescimento em termos de conhecimentos e aptidões tecnológicas dos últimos séculos.

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt