Democracia e Educação

John Dewey

Cap. 6

A Educação Conservadora e Progressista

Tradução de

Ana Isabel do Carmo dos Santos

Finalista da Licenciatura em Ensino da Física, variante Química, 1995/96

 

    1. A Educação como Formação. 

Chegamos, apenas, a um tipo de teoria que nega a existência de faculdades e que dá ênfase ao papel da matéria de ensino no desenvolvimento mental e moral. De acordo com esta teoria, a educação não é, nem um processo de revelação  a partir de dentro, nem um treino de faculdades da própria mente. Em vez disso, é a formação da mente por intermédio de certas associações ou relações de conteúdo, por meio de um tema a partir do exterior. A Educação cede por instrução, tomada num sentido estritamente literal; como construção da mente a partir do exterior. Que a educação forma a mente, não é questionável. Trata-se de uma concepção já apresentada. Mas aqui, formação, tem um significado técnico dependente da ideia de algo que opera do exterior.

    Herbart é o melhor representante histórico deste tipo de teoria. Ele nega, absolutamente, a existência de faculdades inatas. A mente é, simplesmente, dotada da capacidade de produzir várias qualidades, como reacção às várias realidades que actuam sobre ela. Estas reacções, qualitativamente diferentes, chamam-se representações (Vorstellungen). Cada representação, uma vez criada, persiste;  pode ser levada para fora do "limiar" do conhecimento íntimo, por representações novas e fortes, produzidas pela reacção da alma ao novo material, mas a sua actividade continua pelo seu próprio ímpeto inerente; por baixo da superfície da consciência. As chamadas faculdades - atenção, memória, pensamento, percepção, mesmo os sentimentos -  são arranjos, associações e complexos formadas pela interacção destas representações umas com as outras e por novas representações. A percepção, por exemplo, é o complexo de representações que resulta da emergência de velhas representações para se juntarem e associarem a outras novas; a memória, é o evocar de uma velha representação, acima do limiar da consciência, pelo processo de mistura com outra representação, etc. O prazer é o resultado do reforço de actividades independentes das representações; o sofrimento, resulta de cada uma das representações puxar em sentido diferente, etc.

    O carácter concreto da mente consiste, então, totalmente, nos vários arranjos formados pelas várias representações nas suas diferentes qualidades. A "mobília" da mente é a mente. A mente é, inteiramente, uma questão de conteúdos. As implicações educacionais desta doutrina são triplas. (1) Este ou aquele tipo de mente é formado pelo uso de objectos que evocam este ou aquele tipo de reacção e que produzem este ou aquele arranjo entre as reacções evocadas. A formação de mente é, completamente, uma questão de apresentação dos materiais educacionais adequados. (2) Uma vez que as representações anteriores constituem os "orgãos de percepção", que controlam a assimilação das novas presentações, o seu carácter é muito importante. O efeito das novas representações é o de reforçar agrupamentos previamente formados. A tarefa do educador é, primeiro, seleccionar o material adequado, de forma a fixar a natureza das reacções originais e, em segundo lugar, ajustar a sequência das representações subsequentes na base do armazenamento de ideias, asseguradas por transacções anteriores. O controlo vem de trás, do passado, em vez de, como no conceito em expansão, em último objectivo. (3) Certos passos formais do método de ensino podem ser deitados abaixo. A apresentação de novo tema é, obviamente, o aspecto central, mas dado que o conhecimento consiste na forma pela qual isto interage com os conteúdos que já fazem parte da consciência, a primeira coisa é o passo de "preparação", - isto é, chamar para uma actividade especial e trazer à consciência aqueles dados de consciência que vão assimilar o novo dado. Então, depois da apresentação, seguem-se os processos de interacção do novo e do velho ; seguidamente, vem a aplicação do conteúdo recentemente formado à execução de alguma tarefa. Tudo tem de seguir este curso; consequentemente, existe um método perfeitamente uniforme de instrução, em todas as matérias, para todos os alunos de todas as idades.

    O grande serviço prestado por Herbart reside em tirar o trabalho de ensino para fora do campo da rotina e do acaso. Ele trouxe-o para a esfera de um método consciente; o ensino tornou-se uma questão consciente com objectivo e procedimento definidos, em vez de ser um composto de inspirações casuais e de subserviência à tradição. Além disso, tudo no ensino e na disciplina podia ser especificado em vez de termos que nos satisfazer com generalidades, vagas e mais ou menos místicas, sobre ideais últimos e símbolos espirituais especulativos. Herbart aboliu a noção de faculdades "prontas a usar", as quais poderiam ser treinadas por exercício sobre qualquer tipo de material e prestou atenção a temas concretos, ao conteúdo importantíssimo. Sem dúvida, Herbart, teve uma maior influência em revelar para a actualidade, questões relacionadas com o material de estudo, do que qualquer outro filósofo da educação. Ele expôs problemas de método , partindo do ponto de vista da sua ligação com o tema: método este que tem a ver com a maneira e sequência de apresentação do novo tema para assegurar a sua própria interacção com o antigo tema.

    O defeito teórico fundamental deste ponto de vista, reside em ignorar a existência num ser vivo, de funções activas e específicas que são desenvolvidas numa nova orientação e combinação que ocorre à medida que elas estão ocupadas com o seu meio. A teoria representa o Director da Escola a manter a sua posição. Este facto expressa de imediato a sua força e a sua fraqueza. A concepção de que a mente consiste naquilo que lhe tem sido ensinado e de que a importância do que tem sido ensinado, consiste na sua disponibilidade para posterior ensino, reflecte a visão de vida do pedagogo. A filosofia é eloquente sobre o dever do professor em instruir os alunos; é, praticamente, quase silenciosa no que respeita ao seu privilégio de aprender. Dá ênfase à influência do ambiente intelectual sobre a mente; não dá atenção ao facto de que o ambiente envolve uma partilha pessoal em experiências comuns. Exagera, para além da razão, as possibilidades de métodos conscientemente formulados e usados e subestima o papel de atitudes vitais e inconscientes. Insiste sobre o antigo, o passado e passa, levemente, sobre a operação do genuinamente singular e imprevisível. Toma em conta, tudo o que é educacional, excepto a sua essência - energia vital que  procura uma oportunidade para um exercício efectivo. Toda a educação forma o carácter, mental e moral, mas a formação consiste na selecção e coordenação de actividades inatas, para que elas possam utilizar a matéria de estudo do meio social. Além disso, a formação não é apenas uma formação de actividades inatas mas toma lugar através delas. É um processo de reconstrução, de reorganização.

 

    2. A Educação como Recapitulação e Retrospecção. 

Uma combinação peculiar das ideias de desenvolvimento e formação do exterior, tem dado origem à teoria da recapitulação da educação biológica e cultural. O indivíduo desenvolve-se, mas o seu próprio desenvolvimento consiste em repetir em estádios ordenados, a evolução passada da vida animal e da história humana. A primeira recapitulação ocorre fisiologicamente; a última, deveria ocorrer através da educação. A, alegada, verdade biológica de que o indivíduo no seu crescimento, desde o simples embrião até à maturidade, repete a história da evolução da vida animal no progresso de formas, desde as mais simples até às mais complexas (ou tecnicamente falando, que a ontogénese está em paralelo com a filogénese) não nos diz respeito, salvo, como é suposto, para ganhar um fundamento científico para a recapitulação cultural do passado. A recapitulação cultural diz, primeiro, que as crianças numa determinada idade estão na condição mental e moral de selvajaria; os seus instintos são vagabundos e vorazes porque os seus antepassados, em certa altura, viveram uma vida assim. Consequentemente (assim é concluído), a própria matéria de estudo da sua educação nesta altura é o material - especialmente o material literário de mitos, contos populares e canções - produzido pela humanidade num estádio análogo. Então, a criança passa a algo correspondente, isto é, ao estádio pastoral e assim por diante, até à altura em que está pronta a tomar parte na vida contemporânea; ela chega à época actual da cultura.

    Nesta forma, detalhada e consistente, a teoria para além de uma pequena escola na Alemanha (na maior parte seguidores de Herbart), tem tido pouco crédito. Mas a ideia que lhe está subjacente, é de que a educação é, essencialmente, retrospectiva; ela olha primariamente para o passado e especialmente para os produtos literários do passado e de que a mente está, adequadamente formada, na medida em que está moldada na herança espiritual do passado. Esta ideia tem tido uma enorme influência sobre a educação superior, especialmente, porque ela é digna de ser examinada na sua formulação extrema.

   Em primeiro lugar, a sua base biológica é falaciosa. O crescimento embrionário da criança preserva, sem dúvida, algumas características de formas de vida inferiores. Mas, de modo algum, é um percurso estrito de estádios passados. Se existisse qualquer "regra" estrita de repetição o desenvolvimento evolutivo não teria, certamente, ocorrido. Cada nova geração teria, simplesmente, repetido a existência dos seus antecessores. Em resumo, o desenvolvimento tem-se verificado devido a cortes e alterações no esquema de crescimento anterior. E isto sugere que a meta da educação é a de facilitar o tal crescimento através de métodos mais curtos e directos. A grande vantagem da imaturidade, educacionalmente falando, é de que ela nos permite dispensar o jovem da necessidade de experimentar um passado já amadurecido. A tarefa da educação é libertar os jovens de reviver e voltar a percorrer o passado e não a de levá-los a uma recapitulação dele. O meio social dos jovens, é constituído pela presença e acção de hábitos de pensar e sentir de homens civilizados. Ignorar a influência directiva deste meio sobre os jovens é, simplesmente, abdicar da função da educação. Um biólogo disse: "A história do desenvolvimento em animais diferentes... oferece-nos... uma série de esforços hábeis, determinados, variados, mas mais ou menos mal sucedidos para escapar da necessidade de recapitular e para substituir pelo método antigo, um método mais directo. Certamente, seria loucura se a educação não tentasse, deliberadamente, facilitar esforços semelhantes numa experiência consciente, para que se tornassem cada vez mais bem sucedidos.

    Os dois factores de verdade na concepção, podem ser facilmente desligados da associação com o falso contexto que os perverte. Pelo lado biológico, nós temos, apenas, o facto de que qualquer criança começa com uma variedade de actividades impulsivas com as quais ela de facto começa, sendo elas cegas e muitas delas conflituando umas com as outras, casuais, esporádicas e inadaptadas ao seu meio ambiente imediato. O outro ponto, é que é sinal de sabedoria utilizar os produtos de história passada enquanto possam ser ajuda para o futuro. Uma vez que eles representam os resultados da experiência anterior, o seu valor para experiências futuras pode, é claro, ser indefinidamente grande. As literaturas produzidas no passado são, na medida em que os homens estão agora em seu poder e a fazer uso delas, uma parte do ambiente presente dos indivíduos; mas há uma diferença enorme, entre servirmo-nos nós próprios delas como recursos presentes e tomá-los como padrões e modelos no seu carácter retrospectivo.

    (1) A distorção do primeiro ponto dá-se, normalmente, através do uso incorrecto da ideia de hereditariedade. Pensa-se que a hereditariedade significa que a vida passada tem pré-determinado, de alguma forma, as características principais de um indivíduo e de que eles são tão firmes, que apenas uma alteração pouco significativa pode ser introduzida neles. Assim sendo, a influência da hereditariedade é oposta à do meio ambiente e a eficácia desta é diminuída. Mas para fins educacionais, a hereditariedade significa nem mais nem menos do que as qualidades originais de um indivíduo. A educação tem de tomar o indivíduo como ele é; que um indivíduo em  particular tem tal ou tal conjunto de actividades inatas, é um facto básico. Que elas fossem produzidas de uma ou doutra maneira ou que elas derivem da sua própria genealogia, não é especialmente importante para o educador, no entanto, pode sê-lo para o biólogo quando confrontado com o facto de que as faculdades intas  existem agora. Suponhamos que alguém teve de aconselhar ou orientar uma pessoa relativamente à sua herança de propriedade. A falácia de supor, que o facto que é uma herança, pré-determina o seu uso futuro, é óbvio. O aconselhado está preocupado em fazer o melhor uso possível do que está lá - pondo-o em acção nas condições mais favoráveis. Obviamente, ele não pode utilizar o que não está lá, assim como o educador também não o pode fazer. Neste sentido, a hereditariedade é um limite da educação. O reconhecimento deste facto impede o desperdício de energia e a irritação que resulta do hábito corrente, de tentar fazer através da instrução algo do indivíduo para o qual ele não está naturalmente talhado. Mas o ensino não determina que uso deverá ser feito das capacidades que existem. E, excepto no caso do imbecil, estas capacidades originais são muito mais variadas e potenciais, mesmo no caso do mais estúpido, do que nós por enquanto, sabemos como utilizar. Consequentemente, enquanto que um estudo cuidadoso das capacidades inatas e deficiências de um indivíduo, é sempre uma necessidade preliminar, o passo importante e subsequente é fornecer um meio ambiente que irá funcionar adequadamente, quaisquer que sejam as actividades presentes.

    A relação de hereditariedade e meio ambiente está bem expressa no caso da linguagem. Se um indivíduo não teve quaisquer orgãos vocais que lhe permitam articular sons; se ele não teve orgãos auditivos ou outros receptores de sensações e nenhumas ligações entre os dois aparelhos, seria um pura perda de tempo tentar ensiná-lo a conversar. Ele nasceu limitado nesse campo e a educação tem de aceitar a limitação. Mas se ele está equipado com estes orgãos essa posse não lhe garante, de maneira nenhuma, que ele alguma vez irá falar qualquer língua ou que linguagem falará. O ambiente no qual ocorrem as suas actividades e pelo qual elas são postas em prática estabelece estas coisas. Se o indivíduo vivesse num ambiente mudo, onde os homens se recusassem a falar uns com os outros e usassem apenas o mínimo de gestos, sem os quais não poderiam entender-se, a linguagem vocal seria por ele alcançada, exactamente, como se ele não tivesse orgãos vocais. Se os sons que ele faz ocorrem no meio de pessoas que falam a língua Chinesa, as actividades que emitem sons seriam seleccionadas e coordenadas. Esta ilustração pode ser aplicada a todo o campo da educação de qualquer indivíduo. Ela coloca a herança do passado na sua devida ligação com as exigências e oportunidades do presente.

    (2) A teoria de que a matéria de ensino apropriada à instrução é encontrado nos produtos de cultura das eras passadas (quer no geral ou mais especificamente nas literaturas particulares que foram produzidas na época da cultura, o que se supõe corresponder ao estádio de desenvolvimento dos que foram ensinados) fornece outro exemplo desse divórcio entre o processo e o produto de crescimento que tem sido criticado. Para manter o processo vivo, em termos que o tornem mais fácil de o manter vivo no futuro, é a função da matéria de ensino da educação. Mas um indivíduo só pode viver apenas no presente. O presente não é apenas algo que vem depois do passado e muito menos algo produzido por ele. É o que a vida é ao deixar o passado para trás (dela). O estudo dos produtos do passado não nos ajudará a compreender o presente porque o presente não se deve a esses produtos, mas à vida de que eles eram produtos. Um conhecimento do passado e da sua herança é de grande significado quando se entra para o presente, mas não doutro modo. E o erro de fazer dos registos e dos restos do passado o material principal da educação, é que quebra a ligação vital entre presente e passado e tende a fazer do passado um rival do presente e do presente uma imitação mais ou menos fútil do passado. Em tais circunstâncias, a cultura torna-se um ornamento e um conforto; um refúgio e um asilo. Os homens fogem das durezas do presente para viver nas suas culturas imaginadas, em vez de usarem o que o passado oferece como uma agência para amadurecer estas durezas.

    Em resumo, o presente gera os problemas que nos levam a procurar o passado por sugestão e fornece significado àquilo que encontramos quando procuramos. O passado é passado precisamente porque não inclui o que é característico do presente. O presente em acção inclui o passado na condição de usar esse passado para conduzir o seu próprio movimento. Este passado é um grande recurso para a imaginação; acrescenta uma nova dimensão à vida, mas na condição de que será encarada como o passado do presente e não como um mundo diferente e desligado. O princípio que dá pouca importância ao acto presente de viver e à operação de crescimento, única coisa sempre presente, olha naturalmente para o passado porque a meta futura que estabelece é remota e vazia. Mas tendo ele virado as suas costas ao presente não tem nenhuma maneira de regressar a ele carregado como está, com os despojos do passado. Uma mente que está adequadamente sensibilizada para as necessidades e ocasiões da actualidade presente, terá o mais vivo dos motivos de interesse nos alicerces do presente e nunca terá de procurar uma maneira de regressar porque nunca terá perdido a ligação com ele.

 

    (3) A Educação como Reconstrução. No seu contraste com ambas as ideias de revelação de poderes latentes a partir de dentro e da formação a partir do exterior, quer através da natureza física ou por meio de produtos culturais do passado, o ideal de crescimento resulta na concepção de que a educação é uma constante reorganização ou reconstrução da experiência. Tem sempre um fim imediato enquanto a actividade é educativa; alcança esse fim - transformação directa da qualidade da experiência. Infância, juventude, vida adulta, todas permanecem no mesmo nível educativo, no sentido de que o que é, realmente, aprendido em todo e qualquer estádio da experiência, constitui o valor dessa experiência e no sentido de que é a tarefa principal da vida em qualquer ponto, viver assim contribui para um enriquecimento do seu próprio significado perceptível.

    Chegamos, assim, a uma definição técnica de educação: É essa reconstrução ou reorganização de experiência que se acrescenta ao significado de experiência e que aumenta a capacidade para dirigir o curso da experiência subsequente. (1) O aumento de significado, corresponde à percepção acrescida das ligações das actividades nas quais estamos empenhados. A actividade inicia-se de uma forma impulsiva, isto é, cega. Não sabe do que se trata; quer isto dizer, não sabe quais são as suas interacções com outras actividades. Uma actividade, que traz a educação ou instrução com ela, torna-nos conscientes de algumas das ligações que tinham sido imperceptíveis. Para recorrer ao nosso exemplo simples, uma criança que se chega ao lume, queima-se. De hoje em diante, ela sabe que um determinado acto de tocar em relação com um certo acto de visão (e vice-versa) significa calor e dor; ou uma certa luz significa uma fonte de calor. Os actos pelos quais, um homem de ciência no seu laboratório aprende mais sobre a chama, em princípio, não difere em nada. Fazendo certas coisas, ele torna perceptíveis certas ligações do calor com outras coisas que eram, anteriormente, ignoradas. Assim, os seus actos em relação com estas coisas, ganham mais significado; ele sabe melhor o que está a fazer ou "está para fazer" quando tem que lidar com elas; ele pode pretender consequências em vez de as deixar acontecer - tudo maneiras sinónimas de dizer a mesma coisa. Do mesmo movimento, a chama ganhou em significado; tudo o que é conhecido sobre combustão, oxidação, sobre luz e temperatura, pode tornar-se uma parte intrínseca do seu conteúdo intelectual.

   (2) O outro lado de uma experiência educativa, é um poder acrescido de direcção ou controlo subsequente. Dizer que um indivíduo sabe o que está para fazer ou pode pretender certas consequências, é o mesmo que dizer que pode melhor prever o que vai acontecer, que ele pode, portanto, preparar-se, antecipadamente, com vista a assegurar consequências benéficas e evitar consequências desagradáveis. Uma experiência genuinamente educativa, experiência em que é transmitida instrução e aumentada a aptidão, distingue-se, por contraste, de uma actividade de rotina por um lado e de uma actividade extraordinária por outro lado. (a) Na última, "não importa o que acontece", o indivíduo só se deixa ir e evita ligar as consequências do seu acto (provas das suas ligações com outras coisas) com o acto em si. É usual desaprovar tal actividade sem objectivo, tratando-a como um prejuízo intencional ou descuido ou desordem. Mas há uma tendência, para procurar a causa de tais actividades sem objectivo na própria tendência da juventude isolada de todo o resto. Mas de facto, tal actividade é explosiva e devida à inadaptação do meio ambiente. Os indivíduos actuam caprichosamente, sempre que agem sob ordem exterior ou porque lhes dizem para o fazer, sem terem um objectivo próprio ou se aperceberem da importância do facto sobre seus actos. Pode-se aprender ao fazer algo que não compreendemos. Mesmo na acção mais inteligente, nós fazemos muitas coisas que não pretendemos, porque grande parte das ligações do acto que nós, conscientemente, tencionamos fazer, não são apercebidas ou antecipadas. Mas nós aprendemos, somente, porque depois de realizado o acto, notamos resultados de que não nos tínhamos apercebido antes. Mas muito do trabalho feito nas escolas, consiste em estabelecer regras que os alunos vão seguir na sua acção, de tal modo que mesmo depois de terem actuado, não são levadas a ver a ligação entre o resultado - digamos a resposta - e o método seguido. Naquilo que lhes diz respeito, o todo é uma partida e uma espécie de milagre. Tal acção é, essencialmente, caprichosa e leva a hábitos extravaganteas. (b) A acção de rotina, acção que é automática, pode aumentar a capacidade de fazer uma coisa particularmente específica. Nessa medida, podia dizer-se que tem um efeito educativo. Mas não nos leva a novas percepções de tendências e ligações. Ela limita mais do que alarga o horizonte significativo. E dado que o ambiente muda e a nossa maneira de actuar tem que ser sacrificada com vista a manter uma ligação ponderada com as coisas, uma maneira uniforme de actuar torna-se desastrosa em alguns momentos críticos. A tão propagada "capacidade" transforma-se em enorme inépcia.

    O contraste essencial da ideia da educação como uma reconstrução contínua, com as outras concepções, num só sentido, que têm sido criticadas, neste e em capítulos anteriores, é que ela identifica o fim (o resultado) e o processo. Isto é verbalmente auto-contraditório, mas só verbalmente. Isto significa, que a experiência como processo activo leva tempo e que a sua última parte complexa a primeira parte; ela expõe as ligações envolvidas, mas que até agora não eram apercebidas. O último resultado, revela, assim, o significado do primeiro, enquanto a experiência como um todo estabelece uma indicação ou disposição para as coisas que possuem este significado. Todas as experiências ou actividades, deste modo tão contínuo, são educativas e toda a educação reside em ter tais experiências.

  Só falta realçar (o que será feito com mais atenção posteriormente) que a reconstrução da experiência pode ser, não só social mas também pessoal. Com o objectivo de simplificar, falámos nos primeiros capítulos um pouco como se a educação dos imaturos que os preenche com o espírito do grupo social a que pertencem, fosse uma espécie de compreensão da criança com as aptidões e recursos do grupo dos adultos. Nas sociedades estáticas, sociedades que conservam o hábito estabelecido como bitola dos seus valores, esta concepção aplica-se no essencial. Mas isso não acontece nas comunidades em progresso. Estas, esforçam-se por dar forma às experiências dos jovens, para que em vez de reproduzirem hábitos correntes, sejam formados melhores hábitos e desse modo a futura sociedade adulta seja um aperfeiçoamento por sua própria conta. Os homens têm tido algumas sugestões, da medida em que a educação pode ser conscientemente usada para eliminar males sociais óbvios, fazendo para tal com que os jovens se iniciem em caminhos que não conduzirão a estes males e alguma ideia da medida em que da educação pode ser feito um instrumento com vista à realização das maiores esperanças da humanidade. Mas, sem dúvida, estamos longe de realizar a eficácia potencial da educação como uma agência construtiva para o aperfeiçoamento da sociedade, desde pensar que ela representa não só, desenvolvimento das crianças e dos jovens, mas também do futuro da sociedade de que eles serão os componentes.

 

    Resumo

 a educação pode ser concebida quer retrospectivamente, quer com base no futuro. Isto é, pode ser tratada como um processo de acomodar o futuro ao passado ou utilizar o passado como recurso num futuro em desenvolvimento. O primeiro, encontra os seus modelos e padrões no que se passou anteriormente. O espírito pode ser olhado como um grupo de conteúdos resultantes da presença de certas coisas. Neste caso, as primeiras representações constituem o material ao qual os últimos vão ser assimilados. É mais importante, o realce a dar ao valor das primeiras experiências dos indivíduos imaturos, especialmente devido à tendência de lhes dar pouca importância. Mas estas experiências, não consistem em material apresentado exteriormente, mas na interacção das actividades inatas com o ambiente que progressivamente modifica, quer as actividades, quer o ambiente. O defeito da teoria de Herbart, da formação através de representações, reside no menosprezo por esta interacção e troca constantes.

    O mesmo princípio de crítica aplica-se a teorias que encontram matéria de estudo primária nos produtos culturais - especialmente os produtos literários - de história da humanidade. Isolado da sua ligação com o ambiente presente em que os indivíduos têm que agir, eles tornam-se numa espécie de ambiente rival e perturbador. O seu valor reside no seu hábito de aumentar o significado das coisas com que temos que lidar activamente no momento presente. A ideia de educação veiculada nestes capítulos, fica formalmente resumida na ideia de reconstrução contínua da experiência, uma ideia que é demarcada da educação como preparação para um futuro remoto, como uma revelação, como uma formação externa e como uma recapitulação do passado.

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt