O Liceu D. João de Castro. Uma morte anunciada

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Um testemunho

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Atribulações de percurso do Liceu D. João de Castro

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O D. João de Castro hoje - Fusão ou extinção ?

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Referências bibliográficas

Trabalho elaborado por Luís  Moreno para a disciplina de História e Filosofia da Educação leccionada por Olga Pombo

Um testemunho

Foi nestre liceu que iniciei a minha vida de professor. Após ter completado a profissionalização em exercício (um ano na F.C.L.), escolhi o liceu D. João de Castro (1984) como local de trabalho, com a convicção de aí poder desempenhar as funções de professor em ambiente respeito pelo conhecimento,  de tolerância e de humanidade, aceitando os desafios da profissão, na árdua mas compensadora tarefa de ensinar matemática. Aqui vivi a utopia de levar os jovens adolescentes à descoberta da “matemática” procurando dar a “ver”1 a “magia” do simbolismo e da abstracção que confere a esta disciplina a sua força, quer enquanto modelo de raciocínio elegante e rigoroso, quer nas relações  com as suas congéneres, em interacções próximas da pluri, inter e transdisciplinaridade, ainda longe de acontecer no nosso ensino Secundário2.

Ao longo de 22 anos nesta instituição, desempenhei quase todas as tarefas inerentes à vida de um professor do ensino secundário. Em complemento não lectivo, acompanhei durante cerca de uma década a formação de novos professores, como orientador de estágio pedagógico em colaboração com a ESE de Lisboa (modelo de profissionalização em exercício ainda vigente). Designado para o ensino nocturno durante mais de uma década, tive de me adaptar à nova situação de ensino de adultos, usufruindo de uma experiência profissional e humana inigualável. Muitos dos meus alunos do ensino nocturno completaram os seus estudos em vários cursos superiores sendo hoje profissionais credenciados em várias sectores da vida nacional. Muitos mantêm uma relação próxima com o liceu, colaboram em vários iniciativas escolares e, na qualidade de pais e encarregados de educação, participam activamente no acompanhamento dos seus filhos, actuais alunos.

Por tudo isto, o “liceu” faz parte da minha história profissional e de vida. Como professor, aqui vivi emoções únicas. Convivi com alunos, funcionários, pais, especialistas, autarcas. Com todos partilhei saberes aprendendo e ensinando, ajudando a resolver problemas para lá da sala de aula. Hoje, vivo alarmado a morte anunciada desta escola.

 

Atribulações de percurso do Liceu D. João de Castro

O Liceu D. João de Castro nasce como medida de descongestionamento da explosão estudantil urbana que verificou a partir de 1920 nas grandes cidades do País. Em Lisboa, o Liceu Camões, com cercade  1300 alunos na época, mostrou-se inoperante, tendo que desdobrar o seu funcionamento em dois turnos.

Para dar solução a este problema, e com o objectivo de melhorar o rendimento do ensino secundário, foi fixado um número limite de 700 alunos aos dois liceus mais importantes de Lisboa (1928), por decreto do então ministro da Instrução Pública Duarte Pacheco. Assim, em Setembro de 1928, é criado um liceu exclusivamente masculino, tendo a tarefa de o instalar ficado a cargo do professor Abel Ferreira Loff que foi o seu primeiro reitor. Foi ele que propôs o nome de D. João de Castro para patrono, por entender constituir, “o verdadeiro símbolo do humanismo português na saga da expansão da civilização pelo mundo”.

O  liceu D. João de Castro foi provisoriamente instalado na Quinta da Nazareth (actual zona do Hospital da Santa-Maria /Cidade Universitária), granjeando pela sua localização o nome de liceu do Rego.

Do sítio do Rego passou para Belém ( no velho Palácio dos Marialva, também conhecido como Palácio da Quinta da Praia ou do Bom Sucesso, onde é hoje o Centro Cultural de Belém) durante cerca de uma década, instalado num edifício velho, o palácio da quinta da praia, improvisado para o efeito.

Digamos que o Liceu nasceu e viveu os primeiros anos da sua vida sempre em instalações precárias, sempre da armas e bagagens de um lado para o outro.

Em 1936, no contexto de uma série de medidas legislativas promulgadas na febre de restruturações salazaristas, nomeadamente a mudança de nome do próprio Ministério de Instrução para “Ministério da Educação Nacional”, foram encerradas várias escolas do país. Ao Liceu D. João de Castro  coube a “despromoção” de ficar reduzido a “secção do Liceu Pedro Nunes”. Duro golpe uma vez que, à época, o liceu tinha já uma identidade própria, um específico ambiente de franca camaradagem, um espirito de escola no qual se reconheciam professores e alunos desda a primeira hora mas também os que iam chegando, ano após ano. 

Estava-se no ano 1938, vivendo-se intensamente as “glórias” e avanços da Alemanha Nazi, acontecimentos que enchiam as páginas dos jornais e a que o governo de então se esforçava por dar visibilidade. Entre as iniciativas nacionalistas de vulto, para realce internacional de Portugal, destacou-se a “Grande Explosão Histórica do Mundo Português”, localizada na zona de Belém/Jerónimos como expoente máximo do “Império Português”. Foi neste contexto que a comissão encarregada do megalómano projecto entendeu ocupar o Velho Palácio dos Marialva  onde se “hospedava” o liceu, agora já na condição subalterna de “secção do Pedro Nunes”. Sob pressão do ministério de Obras Públicas,  o ministério da Educação Nacional cedeu de imediato o dito palácio, ficando de novo o liceu sem abrigo.

Mais uma vez, o liceu foi transferido, desta vez para o Palácio dos Condes da Ribeira Grande, na Junqueira, continuando em estado de precariedade de instalações. No entanto, o velho casarão apalaçado onde funcionava o liceu serviu uma considerável população estudantil (masculina) que se distribuía pelas freguesias da Ajuda, Alcântara, Belém e ainda Algés e Cruz Quebrada. 

Ao fim de algum tempo, a “secção do Pedro Nunes “ recebe a promessa de voltar a ser Liceu D. João de Castro.  O que veio acontecer. O liceu passou a habitar outro velho edifício na Junqueira que ainda hoje se encontra sob a tutela do ministério da Educação e que teve como último “inquilino” outro estabelecimento de referência, o Liceu Rainha D. Amélia. É ainda durante a estadia neste velho palácio que o liceu recebe as primeiras alunas, tornando-se no primeiro liceu misto de Lisboa.

No ano lectivo de 1946/1947, o liceu é frequentado por cerca de 600 alunos, dos quais 200 eram raparigas, havendo um corpo docente estabilizado,  funcionários e auxiliares (na época designados por contínuos). 

Neste ano lectivo, foi finalmente confirmada a construção de raiz do edifício onde ficaria instalado definitivamente, o liceu D. João de Castro. Foi designado o sítio no Alto de Santo Amaro, sendo o epílogo de um sonho de cerca de três décadas. Eram tempos de uma nova esperança (Até quando!...) 

O edifício do liceu D. João de Castro, no Alto de Santo Amaro, ficou concluído nos primeiros meses de 1949, fazendo parte de um conjunto de 30 novos liceus nacionais edificados no período do Estado Novo, por iniciastiva de Duarte Pacheco.

O edifício, de estilo modernista, apresenta uma construção simples, bem pensada, duradoura, com espaços internos amplos, com luminosidade adequada à vivência de uma escola, num conjunto equilibrado. Após decorridos 50 anos da sua inauguração,  o edifício mantém a dignidade que todos a reconhecem e ... “invejam”.

Pelo exterior, assume relevância a sua simetria, as janelas bem marcadas e ritmadas ao pormenor de três em cada sala de aula, emolduradas em cantaria,  todas viradas a Sul. As três entradas são largas. Os vastos corredores, com pisos e lambris revestidos a mosaico marmoritado são motivo de orgulho do pessoal auxiliar pela facilidade de limpeza e manutenção. o LIceu possui um grande ginásio, bem cuidado, com materiais de grande durabilidade, um dos melhores, ao nível dos estabelecimentos de Ensino Público em todo o País. A existência de laboratórios experimentais, de salas específicas, biblioteca, refeitório, museu, anfiteatro, balneários, enquadra-se num ensino que se pretendia  organizado, pensado e controlado.

Tudo parecia indicar que a vida atribulada do liceu D. João de Castro tinha chegado ao fim.

 

 

O D. João de Castro hoje – Fusão ou extinção????

Porém, hoje, mais uma vez, esta instituição, está ameaçada. Ela  vive ansiosa, alarmada com a sua "morte anunciada" Há quase uma década, ano após ano,  sem justificação, são retiradas turmas. É abolido o ensino nocturno apesar de contar com cerca de 200 alunos. No ensino diurno, é estabelecido o impedimento de admitir alunos do 3º ciclo do ensino básico (7º e 8º ano).

 

A cobro de uma gestão racional dos recursos, o Ministério da Educação advoga a fusão do D. João de Castro com a Escola Fonseca Benevides. Prescindindo da qualidade arqitectónica do Edifício feito de raiz para este liceu, sugere que a “fusão” se realize com a Escola Fonseca Benevides, com instalações de extrema exiguidade e um muito mau estado de conservação, onde não “cabem” já os seus alunos que aí estão inscritos. Ao invés, se a fusão se realizasse em sentido contrário,  a “Fonseca Benevides” poderia beneficiar do espaço e das condições privilegiadas que o D. João de Castro apresenta.

Não se entende por que motivo o Ministério de Educação pretende desbaratar o património cultural e humano do Liceu D. João de castro, porque pretende acabar  com 50 anos de história de um dos liceus de referência de Lisboa, uma das quatro escolas "normais" onde se formaram professores.

É voz corrente que a localização privilegiada do edifício tem um elevadíssimo valor imobiliário, podendo ser esta uma “justificação” para este insólito “assassinato cultural”. 

 

Referências bibliográficas

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O século XX no D. João de Castro (Associação dos Antigos alunos do Liceu D. João de Castro)

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Os Liceus de Portugal (edição Asa)

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Arquivo do Liceu D. João de Castro

1 Olga Pombo, A Escola, a Recta e o Círculo, Lisboa: Relógio d'Água, 2002

2 Olga pombo, Interdisciplinaridade Ambições e Limites, Lisboa: Relógio d'Água, 2004.