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O custo de vida e dos estudos

Para qualquer estudante frequentar uma universidade tornava-se dispendioso. A maioria dos estudantes tinha que lidar com os custos dos estudos e com os custos de vida. Só os que graduavam enfrentavam o custo das propinas para admissão e para exame, o custo das cerimónias e celebrações de graduação. Os custos de estudo incluíam as despesas avulsas e as despesas contínuas. No primeiro mês de aulas os estudantes tinham que pagar o direito do banco, o alojamento, as aulas e/ou os exames, que são exemplos de despesas avulsas. A matrícula, que conferia ao estudante certos direitos, liberdades e privilégios concedidos a todos os membros da universidade de Mompilher, era no valor de 29 soldos e 10 dinheiros, dos quais, 2 soldos eram entregues ao tesoureiro, 15 soldos ao notário, 12 soldos ao prior e 10 dinheiros ao recipiendário. O direito de banco era no valor de 18 soldos pagos no banqueiro-mor ou tesoureiro, para despesas da universidade. Estes valores aumentavam quando o aluno chegava a bacharel ou licenciado. Se este aspirava a ser doutor, tinha que pagar 30 escudos em ouro. O aluno, que desejasse sentar-se nas primeiras filas, tinha que pagar mais 20 soldos ou 6 libras, e mais 10 soldos para a talha(1) do mestre. Além disto, existia em muitas universidades os denominados bejaunium, uma espécie de "propina de entrada" no corpo estudantil, exigida pelos estudantes mais velhos junto dos caloiros.
Entre as despesas permanentes situavam-se as propinas pagas a doutores e mestres pelos seus cursos. Além disso, incluíam também os textos e livros, pergaminhos, papel e tinta, penas e canivetes e a compra, tratamento ou aluguer do traje de estudante. A adicionar aos custos gerais do estudo, encontravam-se as taxas pagas para a emissão e certificação de documentos e testemunhos vários.
Muitos dos estudantes não pagavam essas despesas com muita vontade. A maioria dizia desprovida de recursos ou acabavam por pagar com atrasos consideráveis. Os livros do estudante que não pagasse ao seu mestre podiam ser apreendidos. Por outro lado, em Mompilher, era proibido que o reitor, os regentes, os matriculadores e os notários da universidade reconhecessem a qualidade de estudante a um jovem que não lhes tivesse pago. Isto sob pena de se verem privados dos seus privilégios ou condenados a pagar uma multa de 1000 libras.
Estas despesas encontravam-se ligadas à posição social e económica dentro e fora da universidade. Os graduados pagavam mais que os não-graduados, os ricos mais do que os pobres. Em Lisboa-Coimbra, por exemplo, na sequência de um decreto do rei D. João I, de 1392, os estudantes ricos de Direito tinham que pagar aos respectivos professores uma propina para as aulas no valor de 40 libras; os estudantes da classe média deveriam pagar 20 libras e os pobres dez. O fardo que os pobres tinham que suportar foi aliviado na maioria das universidades, mas nunca foi inteiramente retirado. 
Entre os custos de vida encontrava-se uma elevada soma para alojamento e alimentação, para o vestuário, calçado, roupa de cama, lavagem e remendo de roupas, para conforto pessoal (banhos, barbeiro e médico), para combustível e iluminação (velas), para as viagens entre a universidade e a terra, para os mensageiros, para todo o género de actividades de lazer, para as multas e, por fim, uma soma provável para os juros sobre o dinheiro emprestado.
A mesada dos pais estava longe de ser suficiente, a não ser se estes fossem particularmente ricos, portanto, os estudantes tinham que procurar outros meios de sustento. Alguns resolviam o problema recolhendo lixo, varrendo o chão, ao serviço do colégio ou de um professor, empregando-se como vigilantes de estudos ou preceptores. Quem quisesse ou precisasse poderia ainda desempenhar as funções de criados pessoais de professores, reitores, decanos, directores de faculdades e outros funcionários superiores da universidade, de criados de dignitários da Igreja ou de nobres ou ainda de estudantes abastados. Podiam ainda trabalhar como empregados e porteiros, cozinheiros, ajudantes de cozinha e criados de mesa nos colégios, hospícios, residências de estudantes; como serventes ou membros do coro nas igrejas da cidade; como cantores de rua, como trabalhadores ocasionais no comércio, como vendedores de, por exemplo, produtos alimentares da sua região natal, e também como pedintes. Também era possível tirar apontamentos nas aulas e depois vendê-los, ou recopiar manuscritos. Sabe-se de um estudante que, ao recopiar a Bíblia, ia apontando nas margens a descrição das suas proezas nocturnas. Existem também descrições sobre os copistas irlandeses, que embora copiassem bem, bebiam muito, gastando num dia o que tinham ganho numa semana; de um florentino que instalou um tear de tecer seda; e de um outro que fez moedas falsas e foi parar à cadeia. Contudo, estes trabalhos extras faziam com que chegassem por vezes atrasados às aulas. Entre as desculpas que os manuais de boas maneiras sugerem aos estudantes, por chegarem tarde a uma aula temos: "Tive uma dor de cabeça", ou "acordei tarde", "tive de tratar o gado", "andei a ajudar na vindima ou nas colheitas", "a fazer a cerveja", "serrar madeira", etc..
Quando não conseguiam resolver o problema, só lhes restava pedir ajuda à família. As nações tinham organizado um serviço postal para esse efeito. Havia escrivães públicas que ensinavam a redigir este género de cartas. Havia mesmo livros com vários modelos de cartas de negócios, discursos, de amor e outras especialmente comoventes destinadas aos pais: "Roubaram-me os livros", "a vida é cara", "aqui faz um frio medonho e não tenho lenha para me aquecer", "vejo-me obrigado a comer pão escuro e tripas", "o último correio que devia trazer-me a mesada foi assaltado e roubado pelos bandidos" ou "há dois anos que não bebo vinho, não corto a barba nem lavo a cara.". Todos os pretextos serviam: "Minha querida irmã, eu estudo bem, estou feliz e de boa saúde, mas ando descalço e sem camisa, não tenho com que encher a barriga, manda-me pois, dês soldos de Tours, mas não digas nada aos pais.".

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A Universidade acessível aos estudantes pobres

As taxas de inscrição nos registos da nação, os donativos por ocasião da entrada na universidade, as multas, que não eram raras, as quotizações destinadas à caixa comum, as esmolas, sem esquecer a compra, o alugueres ou a cópia dos livros e o salário dos professores sobrecarregavam as finanças do estudante. Todas as sextas-feiras, cada estudante entregava ao ecónomo do colégio uma certa quantia, que era recolhida numa bolsa (bursa). Estas somas variavam de acordo com a importância dos rendimentos do estudante. Quem não estava em condições de fazer face a tudo isto, era designado de bolseiro.
Alguns estudantes tentavam ser admitidos como pobres de modo a ficarem isentos de qualquer pagamento. Na Idade Média, o facto de se ser pobre não constituía desonra e, a própria universidade é a primeira a proclamar a sua pobreza. Aos estudantes que juravam serem pobres era-lhes atribuída uma bolsa que cobria os gastos de alimentação, alojamento, iluminação, vestuário, livros, aquecimento, etc. Em Lovaina, no Colégio das Três Línguas, num total de 1450 alunos, 100 eram bolseiros.
As bolsas de estudo não eram as únicas formas de auxiliar os estudantes pobres. O Papa Gregório IX concedia uma indulgência de 40 dias aos benfeitores que financiassem um estudante. Em Tolosa, consegui-se reunir 56 camas de madeira, 56 colchões de palha de aveia e 49 de penas. Em Portugal, o rei D. Duarte convidava os estudantes ricos a pagarem os estudos dos pobres.
No século XV, o estudante pobre não pagava para fazer os exames. Os professores que procedessem de outro modo teriam de pagar uma multa que podia ir ao ponto de lhe serem confiscados metade dos seus bens móveis.

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Olga Pombo opombo@fc.ul.pt