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O trabalho quotidiano do estudante

Havia manuais que aconselhavam os estudantes sobre como levar uma vida de estudante. Um deles dizia que os estudantes deviam cultivar a amizade e a simpatia de todos aqueles que pudessem vir a ajudar na sua carreira futura. Outro manual indica uma justificação aceitável, de entre 18 possíveis, de chegar atrasado à aula: "tomei banho".
Martino de Fano recomenda que não devem assistir aos cursos no caso de terem alguma dor que lhes atormente o coração, uma tristeza ou melancolia.
Os Statua vel Praecepta Scholarium alemãs do século XV recomendam que os estudantes devem pagar rapidamente o que é devido ao mestre. Outras recomendações referem-se aos jogos praticados pelos estudantes: não devem patinar nem atirar bolas de neve, podem ir para os cemitérios jogar aos dados, desde que não soltem gritos, não profiram palavras mal-sonantes e, sobretudo, que não quebrem as lajes dos muros, nem atirem pedras sobre a capela do cemitério.
Outro manual chega mesmo a descrever as angústias que sente o estudante quando vai a exame, sobretudo se toma consciência, nesse momento, de que não assistiu com regularidade às lições dos seus mestres ou provocou a inimizade de algum destes.
Chega a existir manuais escritos em latim, destinados aos jovens, que descrevem o dia a dia do jovem estudante: levantar de madrugada, fazer as suas orações, pentear-se, lavar as mãos.
As lições começavam às 9 horas da manhã, interrompiam-se ao meio-dia e recomeçavam às 15 horas para terminarem às 6 da tarde. No entanto, as primeiras universidades haviam adoptado horários muito mais matinais, 6 da manhã ou mesmo 5.30 no Verão, e 7 horas no Inverno. De um modo geral as aulas eram dadas aos primeiros alvores do dia, no Inverno à luz de uma vela fumegante e tinham a duração de três horas. 
Normalmente o estudante tinha, pois, de se levantar da cama cerca das 5 da manhã e, munidos de uma lanterna, com os livros debaixo do braço, o estudante percorria as ruelas mal iluminadas ou escuras, de calçada irregular, que o conduziam à escola. 
O horário de um estudante era mais ou menos da seguinte maneira: missa às 6 horas nos colégios; depois havia o almoço, composto de pão e vinho; das 8 às 10 horas (ou das 9 às 11 horas na primavera), a "leitura" chamada "ordinária" que durava duas horas; às 10 horas o jantar; seguiam-se duas horas a decorar os textos ("as meridianas") ou então debates acerca da matéria que acabava de ser estudada. Das 15 às 17 horas, mais leituras, chamadas "extraordinárias" (em Bolonha) ou "cursivas" (em Paris), que consistiam numa leitura rápida do que já fora estudado mais exaustivamente durante esse ano ou no ano anterior. Enquanto discutiam com os alunos durante uma hora, o reitor verificava se estes haviam estado com atenção às aulas. Das 17 às 18 horas era o disputatio, exercício no qual deviam tomar parte todos os alunos. O recolher era às 21 horas no Inverno e às 22 horas no Verão.
Este regulamento diferia um pouco de uma universidade para outra. Na Carcóvia, por exemplo, as aulas que eram dadas durante o Inverno iam das 13 às 22 horas, pois a iluminação era cara e o clima muito severo. Nos colégios, o toque de apagar as luzes soava às 21 horas. Nenhum jovem era autorizado a estudar depois dessa hora.
O horário do estudante era muito rígido: lições, estudo, discussões e disputas exigiam muito esforço e atenção. Contudo, havia muitos feriados, dias santos e férias que permitiam um período de descanso. O calendário académico diferia entre as universidades e faculdades, com cada uma organizando o seu próprio calendário. A causa disso residia no facto de as universidades estarem a funcionar ao longo do todo o ano e muitas abrirem aulas - extraordinárias e exercícios de revisão - durante as férias e aos domingos e feriados. No século XV, os "livros ordinários" indicavam que o inicio do ano académico era a 1 de Outubro. O período mais longo ia do início de Outubro ao fim de Junho e era conhecido como magnus ordinarius e o mais curto de Julho ao fim de Setembro, sendo designado de parvus ordinarius. Uma subdivisão diferente do ano consistia em semestres, trimestres ou em quatro períodos (em Oxford), interrompidos pelo Natal, Páscoa e feriados de Pentecostes, bem como pelas "férias grandes" de dois meses, que se prolongavam, conforme a faculdade, desde a festa de S. Pedro e S. Paulo (29 de Junho) até ao dia de S. Miguel (29 de Setembro).
Em Bolonha, os feriados e dias santos somavam 58 dias por anos, fora os domingos e quintas-feiras, que também eram feriados. Havia ainda as férias das grandes festividades religiosas, como o Natal, a Terça-Feira Gorda, a Quarta-Feira de Cinzas, oito dias antes da Páscoa e oito dias depois; a Assunção, o Pentecostes e, finalmente as vindimas. Além disso, as faculdades tinham os seus próprios calendários de festas. A Faculdade de Decretos de Paris, por exemplo, tinha uma centena de dias santos comuns da universidade e mais 34 dias que pertenciam só a ela. Para além disso, havia as férias que iam dos dias de S. Pedro e S. Paulo até à Exaltação de Santa Cruz, ou seja, desde o dia 29 de Junho até ao dia 14 de Setembro; da véspera de Pentecostes até à primeira Quinta-feira do dia da Santíssima Trindade; do dia de S. Cosme e S. Damião até ao dia seguinte àquele em que se comemora S. Dinis, ou seja de 27 de Setembro a 6 de Outubro.
Para além da universidade, as nações também organizavam festas em honra dos seus santos padroeiros. Em 1365, a Universidade de Orleães tentou limitar os dias de festas celebrados pelas várias nações, mas sem resultados práticos.
Por exemplo, se formos a descontar os dias santos e feriados que as universidades de Languedoc comemoravam dos 220 dias teóricos de escolaridade, apenas ficavam uns 120 dias úteis.
Os dias dos santos padroeiros das faculdades, nações, irmandades ou regiões universitárias particulares eram comemorados com grandes cerimónias, serviços religiosos, procissões e divertimentos variados. Um dia especial para os estudantes de Artes era o dia de S. Nicolau, que era festejado com procissões e jogos, assim como, o Jogo do Bispo em Paris ou o Jogo do Rei Natal em Oxford. Em Perpinhão, os estudantes de Artes mascaravam-se de judeus, sarracenos e mulheres e corriam por todo o lado nos dias de S. Nicolau, S.ta Catarina e de S.ta Eulália. Em Bolonha, nos dias de Santo António e de Santa Catarina, padroeira dos estudantes, havia uma procissão, em que participavam os reitores, os conselheiros e os professores. Os que não assistiam à procissão ficavam sem os seus privilégios universitários durante um ano e condenados a uma multa de 3 liras. A estas festas de carisma religioso, juntavam-se os Carnavais, as festas de Maio e as excursões "à natureza". Sem dúvida que as férias também eram preenchidas com tudo o que os estatutos proibiam ou restringiam: vinho, mulheres e canções.
Em 1331 o Papa Gregório IX decretou que as férias deviam apenas durar um mês e, que no caso dos bacharéis desejarem continuar a ter lições durante esse tempo, poderiam fazê-lo. No entanto, ninguém prestou atenção. Em Paris, as férias estendiam-se por três meses, desde o dia de S. Pedro e S. Paulo até ao dia seguinte à festa de D. Dinis, ou seja, de 29 de Junho até 6 de Outubro. Pelo contrário em Mompilher só havia férias de 8 de Setembro a 18 de Outubro. Em Oxford, as aulas encerravam nos primeiros dias de Julho e recomeçavam a 10 de Outubro. Tanto em Pádua como em Bolonha o ano académico tinha duração de nove meses.
Uma ocasião bem-vinda para festas, era a admissão de caloiros - bejauni, beani - na comunidade dos estudantes mais velhos. Como ele desconhecia os usos e costumes da universidade, era sujeito a uma série de provas pouco dignas e, por vezes, mesmo cruéis. Os estatutos de Viena proibiam que se maltratasse o caloiro. No entanto, assim que ele chegava, o "abade dos caloiros", eleito entre os mais antigos, dava inicio à festa, que incluía: insultos, provocações, troças, brincadeiras obscenas, farsas grosseiras, etc. Na Europa Ocidental eram conhecidas diversas formas de purificação que envolviam água e pancadaria. A recepção com pancada acontecia, por exemplo, em Aix-en-Provence. noutros sítios, os caloiros eram colocados "no banco dos réus" perante o "abade dos caloiros" e aí tinham de se comportarem de forma humilde e servil relativamente aos estudantes mais velhos. 
Nas universidades alemãs, o caloiro era considerado um animal selvagem, estúpido e sujo. Descreviam o seu cheiro pestilento, a fealdade do seu focinho, a ferocidade das suas presas e o comprimento dos seus chifres (era costume enfeitá-lo com uma armadura de veado). Depois de sofrer várias provações, o caloiro escapava finalmente à condição de animal e tornava-se igual àqueles que o haviam apadrinhado. 
Em Oxford, o caloiro tinha que servir à mesa os veteranos, ceder-lhes o seu lugar em qualquer parte, tratá-los por "dominus" e nunca se colocar na frente deles à lareira. Se o caloiro não cumprisse os seus deveres na capela, por exemplo, pagava uma multa ou apanhava palmatoadas com uma colher de pau ou com uma palmatória. Se a nação organizava alguma representação, farsa ou peça dramática, eram os caloiros que tinham que pagar as despesas.

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Os estudos

No início do ano académico, a matéria era distribuída pelos mestres do colégio, por lotes de livros ou de capítulos, segundo uma ordem específica ou por sorteio.
A matéria era transmitida aos estudantes de todas as faculdades sob a forma de lição e de disputa, estando ambas relacionadas. Na lição, o mestre efectuava a leitura de um texto e explicava-o em segmentos. A assistência seguia a leitura pelos seus próprios exemplares e tomavam notas. De acordo com a importância dos livros, as lições dividiam-se em ordinárias e extraordinárias, sendo as primeiras dadas de manhã e as segundas de tarde. A disputa tratava da aplicação da matéria; professores e alunos procuravam responder às questões contenciosas da Filosofia, Teologia e Medicina ou a resolução de casos controversos nos dois géneros de Direito. A discussão da questão do sexo dos anjos tem aqui a sua origem.
Um terceiro tipo de actividade consistiam em exercícios de repetição, que tinham lugar à tarde e também à noite, depois das aulas, onde se memorizava a matéria e se desenvolvia a técnica escolar de distinguir e argumentar.
Consistindo o ensino essencialmente num comentário de textos, os estatutos mencionam também as obras no programa dos exercícios universitários. Na Faculdade das Artes prevalecem a lógica e a dialéctica, pelo menos em Paris, onde é comentada, quase na integra, a obra de Aristóteles, enquanto Bolonha apenas são explicados excertos, insistindo na retórica com De Inventione de Cícero e a Retórica para Herennius e nas ciências matemáticas e astronómicas, nomeadamente Euclides e Ptolomeu. Na faculdade de Direito Canónico, o manual de base é o Decreto de Graciano, a que se acrescentarão, em Bolonha, as Decretais de Gregório IX, as Clementinas e as Extravangantes. No Direito Civil, os comentários iam de preferência para as Pandectas, divididas em três partes, Digestum Vetus, Infortiatum e Digestum Novum, para o Código e ainda uma colecção de tratados chamados Volumen ou Volumen Parvum, que compreendia as Institutiones e as Authentica, ou seja, a tradução latina das novelas de Justiniano. Bolonha acrescentava-lhes uma colectânea de leis lombardas, o Liber Feudorum. A faculdade de Medicina apoiava-se na Ars Medicinae, recolha de textos reunidos no século XI por Constantino o Africano, incluindo obras de Hipócrates e de Galiano, a que vieram juntar-se, mais tarde, as grandes sumas árabes: o Canon de Avicena, o Colliget ou Correctorium de Averróis, o Almansor de Rhazès. Os teólogos acrescentaram à Bíblia, como textos fundamentais, o Livro das Sentenças de Pedro Lombardo e a Historia Scholastica de Pedro o Glutão.

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Rua do Fouarre

Os alunos costumavam sentarem-se em cima de palha, juncos ou feno, para ouvir os mestres. Daí provêm o nome da conhecida Rua do Fouarre (Palha) em Paris. Inaugurada em 1215, foi entregue à Faculdade das Artes. Em 1358 o rei Carlos V mandou-a fechar com correntes e proibir o acesso a vadios, prostitutas e outros meliantes que, durante a noite, e apenas por uma questão de vandalismo, iam ali quebrar as portas das escolas e sujar com imundices as cadeiras dos mestres, deixando atrás de si vestígios "enormes, vergonhosos e malcheirosos" da sua passagem.

Uma vez que os locais para as aulas eram raros, tanto na Rua do Fouarre como nas imediações, estabeleceu-se o costume de fazer-se um sorteio todos os anos, em Agosto ou principio de Setembro. Os professores mais velhos tinham prioridade e aqueles que não conseguiam um lugar iam instalar-se em Paris, fora do bairro Maubert.

No século XV foi permitido haver bancos, a pedido das próprias autoridades universitárias, no entanto, os estudantes tinham que pagar para terem o direito de se sentarem neles. Além disso, eram obrigados a ocupar apenas o banco que lhes fora destinado e não podiam nunca sentarem-se no banco dos prelados. Sendo considerados prelados: os cardeais, os patriarcas, os bispos e arcebispos, arquidiáconos, deãos e cónegos, os príncipes, reis e marqueses, os senhores das cidades, bem como os seus filhos e netos e mestres de Teologia ou das Artes.

Exemplo de uma sala de aula

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Olga Pombo opombo@fc.ul.pt