Julgo óbvio, para qualquer um de
nós, inseridos ou iniciados nas questões da educação, que a Educação se
edifica em alicerces, mais ou menos visíveis, de filosofia da educação. Daí que tenha
escolhido para este trabalho o título de “Filosofia na Educação”; daí
também, que se justifiquem os estudos de Filosofia (e também de História) que
efectuámos ao longo da nossa preparação para futuros professores.
Como referia na introdução,
acredito ser cada vez mais necessária a explicitação clara dos objectivos da
educação e
a reflexão permanente acerca das instituições e processos próprios do Ensino.
Assim o alude Bertrand Russell, na citação que transcrevi acima.
Ser filósofo, como tivemos
oportunidade de aprender ao longo desta cadeira, é acordar com questões
importantes as mentes adormecidas no conformismo. O filósofo é alguém que perturba a ordem estabelecida com a necessidade de reflectir e de encarar novos
factos e novos caminhos. É neste sentido que acabam muitas vezes por ser mal
vistos na sociedade, ao inquietarem as mentes mais incautas e ameaçarem o poder
dos tiranos.
Neste trabalho, houve
oportunidade de contactar com as inquietações de dois filósofos. Foram
sentidas há quase um século, mas posso, sem excluir a possibilidade de estar a
cair em erro, classificá-las como
bastante actuais.
Bertrand Russell e Ortega y
Gasset ofereceram um contacto enriquecedor com a Filosofia da Educação.
Identifiquei com eles alguns dos pormenores que me incomodam na actual situação
do Ensino. Não serão, como julgo que pretendessem ser, uma visão dogmática
numa reforma esperada, mas a voz que, como um farol,
poderá guiar tal processo e as actividades
de ensino e educação. Talvez possam vir a ter nos nossos dias, a expressão
por que têm esperado ao longo destas décadas.
Tentarei, nos próximos
parágrafos, coligir algumas citações importantes para a temática deste
trabalho, tanto dos textos traduzidos (que constam neste trabalho), como de
outros a que tive acesso. Tentarei, também, um
comentário adequado a tais passagens.
Situação do Ensino
Já há 80 anos atrás se sentia
a necessidade de mudança reflectida e objectiva que deveria
ser efectuada na Educação. Já então, Russell (1996/2000, p.73) identificava um facto
determinante: «Toda a gente recebe algo que se
designa por educação, algo que, geralmente,
é dado pelo Estado, algumas vezes também, pelas Igrejas existentes».
Tal questão verificava-se, segundo
o mesmo autor, porque se acreditava «que as nações se
tornam mais fortes com a uniformidade de opinião e a supressão de liberdade»
(idem). Num efeito perverso, acabava por
chegar-se ao ponto de «a maioria das
instituições educativas [serem] controladas
por pessoas que não compreendem nada do trabalho em
que interferem» (idem, p. 84).
Noutro texto, ainda Russell,
reconhece que «O que é considerado na educação são quase nunca o rapaz ou a
rapariga, o jovem ou a jovem, mas quase sempre, de certa forma, a manutenção
da ordem existente»2 (Russell,
ano desconhecido, p. 403), num qualquer tipo de processo
redutor que mais se assemelha a uma clonagem de cidadãos. Por isso, talvez, se constate que «Quase toda a
educação tem um motivo político: tenta reforçar um grupo, nacional,
religioso ou mesmo social, na competição com outros grupos»3
(idem). O que resulta por sua vez num
jogo complexo, num ciclo vicioso, no qual as escolas mantêm
visões suportadas por sistemas, que por sua vez a suportam (idem, p. 404).
Que sucede com este tipo de
atitude? Não só os objectivos da educação acabam minados
por interesses que não deveriam ser os seus, como se cai no atraso terrível
que Ortega y Gasset adverte: «Refiro-me
ao anacronismo constitutivo de que costuma padecer
o pensamento pedagógico» (Ortega y Gasset,
1982a). Não só «a Escola, cuja pretensão é
precisamente organizar o futuro, vive do atraso
constante de duas gerações» (idem), como
se cai no ridículo, quando se «considera que é fim da educação fazer das
crianças cidadão úteis aos fins de um determinado
Estado [e se] esquece que, [quando] ao se tornarem
adultos, já o Estado para o qual foram educados mudou» (idem). Em suma,
como bem diz Ortega y Gasset, «Educa-se para
ontem, em vez de para amanhã» (idem).
Não me admiro, pois, que por um
lado «O que mais ressalta no ensino ministrado aos jovens
em cada um destes países [seja] o nacionalismo fanático» (Russell, 1996/2000,
p. 74) e que
por outro, no ensino actual «os jovens [sejam]
incentivados a acreditar, não naquilo que tem algum
fundamento racional, mas simplesmente no que ouvem dizer.»
(idem, p. 83) ou,
ainda, que a «educação seja tratada como um meio
de adquirir poder sobre o aluno e não como um meio de fomentar o seu
crescimento pessoal.» 4
(Russell, ano
desconhecido, p. 407).
Outra realidade perniciosa, que
já então se encontrava na Educação, e que podemos achar
com facilidade nos nossos dias, é verificarmos que apesar de o «o desejo
espontâneo e desinteressado não ser incomum nos jovens»5
(Russell, ano desconhecido, p. 409) esse desejo de saber ser «ameaçado,
sem remorsos, por professores que pensam apenas em exames, diplomas e graus»6
(idem) ou ainda, encontrarmos um sistema educativo controlado por interesses
económicos. O que é de todo compreensível, uma vez que o objectivo da educação
se centra na obtenção de cidadãos bem integrados na sociedade e com vontade
de pertença ao grupo pré-existente (idem,
pp. 426-427).
Por outro lado, e talvez por
causa dos interesses económicos e pressão social para a obtenção
de resultados (entenda-se classificações),
«há, entre os reformistas da educação, um certo receio em exigir grandes
esforços e, no mundo em geral, um desejo de não se ser incomodado»7
(Russell, ano desconhecido, p. 409). Uma tendência crescente (e desejada
muitas vezes por quem tem o poder) de conformismo
e de estagnação.
E como reage o aluno no meio
desta selva de interesses? Julgo que, cada vez mais, o aluno
se sente perdido no seio de uma instituição que não compreende e que não
corresponde, na maioria das vezes, aos seus desejos.
«O estudante é um ser humano [...] a quem a
vida impõe a necessidade de estudar ciências sem delas ter sentido imediata
e autêntica necessidade» (Ortega y Gasset,
1960/2000, p. 91). «Estudar é
para ele uma necessidade externa, que lhe é
imposta» (idem, p. 93), talvez apenas a necessidade de obter o tal grau ou o tal
diploma que tem valor na sociedade em que
vive e que lhe permitirá conseguir maior remuneração
ou maior respeito. Com tudo isto, «ser estudante é ver-se alguém
obrigado a interessar-se directamente
por aquilo que não o interessa ou que, em última análise, o interessa
apenas de forma vaga, genérica ou indirecta.» (idem, p. 94).
De outra perspectiva, pode
também entender-se este desinteresse, pois
«entretanto, amontoa-se gigantescamente,
geração após geração, a mole pavorosa dos saberes humanos
[...]» e «quanto mais o saber aumenta, quanto mais se enriquece e se especializa,
mais longínqua será a possibilidade de que o estudante sinta uma necessidade
imediata e autêntica desse saber.» (Ortega y Gasset, 1960/2000, p. 98).
Ainda, a forma como se encontra
organizado o ensino, leva a que «os mais inteligentes, no final, ficam
desagradados com o ensino, pretendendo esquecê-lo e entrar numa vida de acção»8
(Russell, ano
desconhecido, p. 409). Mas, está
claro, «o homem tem que assimilar o saber acumulado, sob pena
de sucumbir individual e colectivamente» (Ortega y Gasset, 1960/2000, p. 99). Só recuperando o saber
(oportunidade que lhe dá a escola) é que
conseguirá entender o mundo em que vive, ou
retomar o ponto onde pararam outros homens, para tentar encontrar a explicação
do mundo que o rodeia. Esta verdade incontornável é muitas vezes incompreendida
pelo aluno.
O que aconteceu entretanto à
função do professor? «a sua função já não é ensinar aquilo
que considera ser seu dever ensinar, mas incutir crenças e pressupostos cuja
utilidade é estabelecida por aqueles que lhe dão
emprego» (Russell, 1996/2000, p. 71). «o sentimento de independência
intelectual, [...] essencial ao adequado preenchimento das funções de professor»,
deixou de existir. No mundo actual, «a defesa do Estado está tanto nas mãos
dos professores como nas das forças armadas»
(Russell, 1996/2000, p. 76) e o professor é um potencial alvo de
manipulação por parte dos poderes políticos. Infelizmente, «tal como as
coisas hoje se apresentam, muitos professores
estão longe de dar o seu melhor.» (idem, p. 81) pois «estão
de tal modo sobrecarregados de trabalho que se vêem limitados a ter que preparar
os alunos para os exames em vez de lhes darem uma formação sem preconceitos.»
(idem).
Indubitavelmente, são os
professores «que, por intermédio de um contacto diário, mais acabam
por cuidar dos jovens. «Mas [paradoxalmente,] não são eles que decidem o
que deve ser ensinado ou quais os métodos de ensino
a adoptar.» (Russell, 1996/2000, pp. 83-84]. Arriscaria algumas
perguntas: Qual a legitimidade, por parte do Estado, em determinar reformas
no Ensino? De que forma as políticas influenciam as
decisões no Ensino?
«O
professor deve amar os seus alunos acima do Estado ou da Igreja; de outro modo
não será um professor adequado»9, como nos refere Bertrand Russell (ano desconhecido, p. 417).
Propostas de Solução
Bertrand Russell sugere que a
liberdade de pensamento seja tida em conta e que, por isso,
«a independência intelectual dos professores» (Russell, 1996/2000, p. 75) seja protegida.
Para isso, adianta, «o primeiro requisito
necessário é uma clara delimitação das tarefas que se pode
legitimamente esperar que os professores desempenhem em benefício da comunidade.»
(idem).
Mais adiante, o mesmo
autor reconhece que «mais do que ninguém, os professores
são os guardiões da civilização» e que lhes cabe procurar «fomentar nos
jovens hábitos de investigação imparcial, levando-os
a julgar as questões pelos seus próprios
méritos, a estarem prevenidos contra afirmações ex parte, aceites
apenas pelo seu valor aparente.» (Russell, 1996/2000,
p.77)
No texto de Bertrand Russell
traduzido neste trabalho, refere-se a
necessidade de repensar a educação por
forma a torná-la mais adequada ao
desenvolvimento, no aluno, de capacidades
inerentes ao pensamento crítico. Assim deixaríamos de ter situações
em que os problemas são resolvidos apenas por pessoas especializadas e que
poucos entendem. Deixaríamos de ter também a
submissão incondicional à técnica e à ciência,
que verificamos hoje. Pois apenas situações de real investigação/inquirição
permitem fomentar o progresso.
Talvez alterando os modelos e os
objectivos da educação, fosse também possível despertar
nos alunos uma verdadeira consciência de grupo, evitando o uso da agressividade
herdada do passado. Como advertia o autor noutro dos seus textos, «o homem
civilizado deverá ter consciência da sua própria insignificância e da do seu
meio mais próximo em relação ao mundo,
tanto nas perspectivas temporais como espaciais.» (Russell,
1996/2000,
p. 78). Num mundo onde tanto se deseja a globalização, talvez fosse bom
começarmos por globalizar os sentimentos e
preocupações. Talvez a ciência fosse um bom
exemplo, já que no mundo da ciência não existem, supostamente, fronteiras ou
barreiras.
Outro panorama referido, prende-se
com a extensão excessiva dos currículos. Não só,
como já vimos, essa questão limita a capacidade do
professor em preocupar-se com os seus
alunos, como faz com que seja arrastado pelas ideias já feitas que “transmite” sem qualquer filtragem.
A disciplina, o “calcanhar de
Aquiles” de muitos professores, poderia ser conseguida com
essa redução dos currículos e também do número de alunos das turmas. Um
acompanhamento mais personalizado, uma reflexão
mais constante e uma apresentação de
conteúdos mais centrada no aluno, iria facilitar a devolução ao professor da dignidade e
da autoridade que merece.
Algo que Ortega y Gasset refere
como possível causa de problemas relaciona-se com
a falsidade de que vive o ensino: uma
falsidade na acção do professor, mas também nos interesses
(forçados e indirectos) dos alunos. A educação deveria fomentar nos jovens a
aventura mental (que já possuem) dando-lhes o
apoio necessário à descoberta de possíveis
soluções para os problemas que vão querendo solucionar. O que se verifica,
nos nossos dias, é a triste aniquilação de
qualquer desejo de exploração (que é visto, nos graus
de ensino mais baixos, como desvio perigoso ao esquema existente).
Directivas
Acabaria
o meu comentário
com uma proposta baseada no texto “Apontamentos
para uma educação para o futuro”
de Ortega y Gasset. Numa longa dissertação, ele refere a necessidade
de reconhecer a “diversidade filosófica do nosso tempo” e de efectuar um
esforço para estudá-la. Tal facto parece
importante e relaciona-se muito proximamente
com a citação com que iniciei. Pois é de novo uma
explicitação de objectivos que, julgo,
apenas é possível e verdadeira quando se analisam aprofundadamente todas (ou a
maioria) das perspectivas existentes.
Não podemos cair no erro de
adoptar visões extremistas ou, pior ainda, soluções extremistas.
Todos os estudos e todas as realidades devem ser analisadas. Mas acima de
tudo, devem ser os professores quem deve
sensibilizar-se para a importância das suas
funções e as implicações que elas têm na
sociedade em que vivem. São os professores, individual
e colectivamente, e não os poderes instalados, que devem decidir o melhor
rumo a dar a uma instituição que, durante tão
longos séculos, serviu o propósito para que foi
criada: dar aos jovens o conhecimento já alcançado pela humanidade para que possam impulsionar
o desenvolvimento do mundo.
Todos os problemas que nos
afligem, devem ser resolvidos no presente, sob pena de estarmos
a pôr em causa o futuro, como adverte Ortega y Gasset no texto referido.
Numa adaptação do final desse texto, diria que um
tal objectivo pode ser conseguido pela educação.
Aí tudo pode ser feito, mas pouco se concretiza.
Como ideia final, acharia
importante que a avaliação fosse algo mais presente no ensino.
Desejaria que fossem avaliados mais professores e também mais reformas. Que as decisões
para o futuro fossem mais reflectidas e discutidas no presente.