Unidade da Ciência. Programas, Figuras e Metáforas

Lisboa: Editora Duarte Reis, 324 pp, 2006

 

Ao contrário de todos aqueles que comparam as ciências com territórios, com continentes separados, Leibniz preferia compará-las ao mar aberto, aos oceanos: "o corpo inteiro das ciências pode ser considerado como o oceano, que é inteiramente contínuo e sem interrupção ou separação, ainda que os homens nele concebam partes e lhes dêem nomes de acordo com a sua comodidade". Porque o saber não se recorta de forma sólida, definida, porque não pode ser ordenado de forma linear, todas as delimitações que nele se introduzem estão em conexão permanente, vivem sob o regime da viscosidade, da fluidez. Metáfora que recusa a territorialização e todas as consequências que tendem a fazer das ciências entidades independentes, abstractas e fechadas, o oceano não é apenas uma imagem orgânica e funcional mas uma representação contínua e pluridimensional que sublinha a entre-expressão infinita dos diversos domínios do saber. Nenhuma proposição verdadeira é concebível como independente.

Se porém o quadro que nos é hoje dado pelas diversas ciências está longe de uma tal continuidade e coerência, essa falta pode ser interpretada e explicada sem que tal perturbe a ideia (e a tarefa) de Unidade da Ciência. Uma unidade plural, capaz de conviver com a multiplicidade de programas e projectos de investigação hoje em desenvolvimento, com a diversidade dos métodos, com a variedade dos temas, dos problemas, das questões que a ciência – hoje como ontem, ontem como hoje - tem como destino enfrentar. 

Em qualquer caso, a Ciência é irreductível à soma das ciências particulares. A relação entre “A Ciência“ e “as ciências“ não é uma relação todo / partes. O todo é sempre mais que as partes. Quer isto dizer que a fragmentação nunca é total. Nunca há completa dispersão, completa descontinuidade. Se assim fosse, cada disciplina seria uma irrupção temporal susceptível de ser esquecida, apagada, completamente eliminada, reenviada à noite dos tempos.


Olga Pombo

O objectivo central deste livro é o de, tomando Leibniz como fio de Ariana, perspectiva problemática e referência inspiradora, eleger como campo de análise as transformações a que, ao longo dos séculos, a ideia de unidade da ciência tem sido votada. E isto, tanto nos seus programas fundadores (da Instauratio Magna de Bacon ou da Mathesis Universalis de Descartes e Leibniz à Encyclopédie de Diderot e D’Alembert ou ao programa da Unified Science de Neurath), como nos seus níveis de realização (unidade das linguagens, unidade das leis e teorias, unidade dos métodos); tanto nas figuras, materializações institucionais, dispositivos culturais que foram efectivamente desencadeados com o objectivo de promover a unidade da ciência (Biblioteca, Museu, Escola, Enciclopédia, República dos Sábios), como nas metáforas com que essa ideia tem sido pensada (do Círculo da Paideia Grega ou de Mortimor Adler, da Àrvore de Lull ou Popper, do Mapamundo de Diderot, da Casa de Cuvier ou Oppenheimer, à Rede absolutamente aberta, reversível, conectável em todos os sentidos, constantemente reformulável que hoje habitamos e que hoje nos constitui).

Aqui se insinua um pressuposto nosso (leibniziano) que não quereríamos deixar de explicitar: a crença muito firme de que a inovação supõe sempre a tradição, de que a revisitação do passado é um elemento indispensável da autonomia do pensar, de que a criação de novas estruturas passa pelo reencontrar de uma história, pelo construir de uma narrativa, de que o novo se tece com o antigo. 

Não se trata pois de inventar nada de novo, de fazer propostas normativas ou apontar novos caminhos. Trata-se de dar a ver relações muito antigas mas que têm permanecido em silêncio, de as descrever, de as analisar na sua coexistência, no seu funcionamento recíproco, no papel que desempenham, nas virtualidades que realizam, nas determinações de que são portadoras, nos princípios que as fazem circular.

Olga Pombo

 

Lançamento com a participação de Shahid Rahman (Universidade de Lille) e Teresa Levy, 26 de Outubro de 2006, 19 h, Livraria Ler Devagar, Galeria Zé dos Bois, Rua da Barroca nº 57, Lisboa (ao Bairro Alto) 

Recensão por Marina López em Devenires, VIII, Julho (2007), pp. 192-197

 

 

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt