maoconta.gif (7653 bytes)    À VOLTA DO NÚMERO 12... 

               

O dodecafonismo foi criado pelo compositor vienense Arnold Schoenberg (1874-1951) juntamente com os seus discípulos Alban Berg (1885-1935) e Anton Webern (1883-1945). O  objectivo era encontrar novas fórmulas que contrariassem o conceito de tonalidade.  A designação " Escola de Viena do Século XX" ficou  para sempre atribuída ao trio Schoenberg-Berg-Webern.

    É neste contexto que, em 1923, com a obra Five Piano Pieces, Opus 23, Shoenberg apresenta o dodecafonismo como  um novo sistema de composição.

    A tonalidade, isto é, a prática de organizar uma música em redor de uma nota particular (a tónica), tem sido um aspecto primordial na composição musical. A tónica define um tom central e, em torno dela, gravitam a harmonia e a melodia. O dodecafonismo criado por Schoenberg tem a intenção de acabar com este papel central  da tónica assim como com a hierarquia que a tonalidade estabelece entre as 7 notas da escala tradicional.   

    O princípio básico é o de que cada uma das 12 notas musicais que compõem a oitava deverá ter o mesmo número de ocorrências em cada composição musical. Este método sofisticado consiste em fixar uma determinada ordenação das 12 notas da escala cromática previamente escolhida pelo compositor. Assim, os 12 sons ordenados sequencialmente (sem qualquer repetição), arranjados numa determinada ordem e usados em qualquer oitava e em qualquer ritmo, poderão constituir uma série. Após a escolha de uma série de 12 notas, a qual servirá como base a cada composição, só se poderá utilizar essa série na sua forma original ou, então, outras que estejam em simetria com esta. É o caso da série invertida ou retrógrada (lida do fim para o princípio) e da transposta por alguns meios tons. Tendo como regra que nenhuma série comece antes de terminar a anterior, consegue-se que, no final, apareçam as 12 notas o mesmo número de vezes.

    Mas, qual afinal a relação desta técnica de composição musical com a matemática?

    É que as regras deste sistema de composição são passíveis de uma tradução matemática. Na verdade, as notas podem ser representadas através de números, associando a cada uma delas um número. Por exemplo, a notas consecutivas podemos fazer corresponder números consecutivos e, assim, construir uma série efectuando operações no chamado conjunto dos inteiros módulo 12. Uma série pode então ser definida como uma permutação dos inteiros 0, 1, 2.....,11. No entanto, nem todas estas permutações são utilizadas como séries. Aos compositores não interessam todos os tipos de séries mas apenas aquelas que têm determinadas propriedades musicais.

 

***

    Para uma maior compreensão da formalização Matemática do Dodecafonismo, iremos recorrer à explicação oferecida por Carlota Simões (1999 num estudo intitulado "A ordem dos números na música do século XX".

 

estrelaluz.gif (446 bytes) Como se constrói uma série

    " Vejamos como podemos representar as notas musicais através de números. Recordemos que, na construção de uma série, as notas do mesmo nome são consideradas equivalentes mesmo que tenham alturas diferentes.

    Comecemos por identificar notas consecutivas através de números inteiros consecutivos. Deste modo, se associarmos ao Dó o número inteiro 1, ao Dó# o inteiro 2, a Si associamos o 12 e ao Dó seguinte teremos que associar novamente o número 1. A diferença entre dois inteiros que representam duas notas indica-nos o número de meios-tons que constituem o intervalo musical definido pelas notas correspondentes. Por exemplo, as notas Dó e Sol, representadas respectivamente por 1 e 8, constituem um intervalo de 7 meios tons (ou talvez um intervalo de 7+12 meios tons, ou ainda 7+12k meios tons para algum inteiro k).

    Dado um inteiro p, defina-se o conjunto [p] como sendo [p] = {p+k´ 12, para algum inteiro k}.

    Notemos que [1] º [49] º [-11], do mesmo modo que [5] º [29] º [-7].

    O conjunto Z12 = {[0], [1], [2], ..., [11]} é chamado o conjunto dos inteiros módulo 12 enquanto que a cada [p] chamamos classe de equivalência do inteiro p (módulo 12).

    A adição no conjunto Z12 (adição módulo 12) é definida a partir da adição usual de inteiros, tendo apenas em conta a equivalência entre números que diferem entre si de um múltiplo de 12. Deste modo, temos (3+8) mod12 = 11, (5+7) mod12 = 0 ou mesmo (7+7) mod12 = 2.

    A partir da equivalência ente números inteiros que diferem entre si um múltiplo de 12, podemos ainda definir simétrico de um número inteiro módulo 12, obtendo, por exemplo, (-5) mod12 = 7, (0) mod12 = 0, (-11) mod12 = 1.

    Podemos agora definir série de 12 sons como uma permutação dos inteiros 0, 1, 2, ..., 11 (recordando que cada inteiro deve ser visto como uma classe de equivalência).

 

Exemplo 1

    No Concerto para Piano e Orquestra, Opus 42, de Schoenberg (escrito em 1942), a série base é Mib, Si, Ré, Fá, Mi, Dó, Fá#, Láb, Réb, Lá, Si, Sol. (neste caso, a letra b significa meio-tom)

    Fazendo Mib = 0, Mi = 1, etc, a série base, que representaremos por S, pode rescrever-se do seguinte modo:

S = (0, 7, 11, 2, 1, 9, 3, 10, 6, 8, 4). (1)

    A transposição musical por k meios tons de uma série é representada pela adição de k (módulo 12) a cada entrada da série, enquanto que a inversão da série é representada pela substituição de cada entrada da série pelo seu simétrico em relação à adição em Z12 (propriedade apenas válida se associarmos à primeira nota o número 0, como veremos de seguida.

 

estrelaluz.gif (446 bytes) Séries associadas à série base

    Depois de escolhida a série principal que servirá de base para a composição musical, há que listar todas as séries que se obtêm dela por simetria, para agrupar todo o material sonoro que pode eventualmente ser utilizado na composição musical.

    Suponhamos que a série principal é a série P definida por

P = (a1, a2, a3, a4, a5, a6, a7, a8, a9, a10, a11, a12) (2)

    A retrógada da série principal é a série que representamos por R(P) e que se obtém de P lendo esta do fim para o princípio:

R(P) =(a12, a11, a10, a9, a8, a7, a6, a5, a4, a3, a2, a1) (3)

    A inversão da série principal, que representamos por I(P), obtém-se de P mantendo a primeira nota, mantendo os intervalos entre duas notas consecutivas, mas trocando-lhes o sentido, ou seja, fazendo com que um intervalo ascendente passe a descendente e vice-versa. Se designarmos as notas de I(P) por ak*, k = 1, ..., 12, estas verificam o seguinte:

a1* = a1

a2* = a1* - (a2 - a1)

a3* = a2* - (a3 – a2)

.

a12* = a11* - (a12 - a11)

    Se a1 = 0 na série principal, então a inversão, então a inversão I(P) reduz-se a

I(P) = ((-a1) mod12 , ..., (-a12) mod12) (4)

    A retrógrada da inversão da série principal, que representaremos por RI(P), obtém-se de P aplicando-lhe as duas operações anteriores. Caso a1 = 0 na série principal, a série RI(P) reduz-se a

RI(P) = ((-a12) mod12 , ..., (-a1) mod12) (5)

    Qualquer série transposta da série principal por k meios-tons obtém-se de P adicionando k(módulo 12) a todas as entradas de P. A série transposta de P por k meios-tons é a seguinte:

Pk = ((a1+k) mod12 , ..., (a12+k) mod12) (6)

    De igual modo se obtém as séries transpostas por k meios-tons da retrógrada, da inversão e da retrógrada da inversão.

 

estrelaluz.gif (446 bytes) A Matriz das Séries

   Encontradas as séries associadas à série principal P, estas podem ser organizadas sob a forma de uma matriz M(P).                   Seja P a série

P = (a1, a2, a3, a4, a5, a6, a7, a8, a9, a10, a11, a12), com a1 = 0.

    Seja M(P) a matriz 12 x 12 construída do seguinte modo: a 1ª linha coincide com a série principal (P): a 1ª coluna coincide com a inversão (I(P)) da série principal: como a1 = 0, as entradas da 1ª coluna são obtidas tal como se apresenta em (4). As restantes linhas são transposições de P, sendo essa transposição por k meios-tons se for k a 1ª entrada da linha.

    Deste modo, as restantes colunas são transposições por k meios-tons da inversão (Ik) da série principal (k é a 1ª entrada da coluna), a 1ª linha lida do fim para o princípio é a retrógrada (R(P)) da série principal, a coluna lida de baixo para cima é a retrógrada da inversão (RI(P)) da série principal, as restantes linhas lidas do fim para o princípio são transposições da retrógrada (Rk) da série principal e as restantes colunas lidas de baixo para cima são as transposições da retrógrada da inversão (RIk) da série principal.

    Estas séries associadas à série principal, que são no máximo 48 (menos se houver simetrias na série principal) são a base de construção de cada composição decafónica.

 

Exemplo 2

    De seguida podemos observar a matriz das séries para o Concerto para Piano e Orquestra, Opus 42, de Schoenberg que já tínhamos considerado no exemplo 1

 

I0

I7

I11

I2

I1

I9

I3

I5

I10

I6

I8

I4

 

P0

0

7

11

2

1

9

3

5

10

6

8

4

R0

P5

5

0

4

7

6

2

8

10

3

11

1

9

R5

P1

1

8

0

3

2

10

4

6

11

7

9

5

R1

P10

10

5

9

0

11

7

1

3

8

4

6

2

R10

P11

11

6

10

1

0

8

2

4

9

5

7

3

R11

P3

3

10

2

5

4

0

8

6

1

9

11

7

R3

P9

9

4

8

11

10

6

0

2

7

3

5

1

R9

P7

7

2

6

9

8

4

10

0

5

1

3

11

R7

P2

2

9

1

4

3

11

5

7

0

8

10

6

R2

P6

6

1

5

8

7

3

9

11

4

0

2

10

R6

P4

4

11

3

6

5

1

7

9

2

10

0

8

R4

P8

8

3

7

10

9

5

11

1

6

2

4

0

R8

 

RI0

RI7

RI11

RI2

RI1

RI9

RI3

RI5

RI10

RI6

RI8

RI4

 

Matriz das séries do Concerto para Piano Opus 42 de Schoenberg.

 

    A 1ª linha contém os elementos a1, ..., a12 e a 1ª coluna contém os elementos -a1, ..., -a12. Como cada linha i é obtida da linha 1 adicionando - ai, que é a 1ª entrada da linha i, o elemento da matriz na posição (i,j) (linha i, coluna j) é o elemento aj - ai. Designando por a ij o elemento na linha i, coluna j, conclui-se que a ij + a ji = 0, para i, j Î {1, ..., 12}. A diagonal principal da matriz M(S) é nula porque a ii = ai – ai, i = 1, ..., 12.

    Se pensarmos numa série como uma permutação dos 12 inteiros 0,1,...,11, então o número total de possíveis séries será

p(12) = 12! = 479 001 600

    Mas, é claro que nem todas estas permutações são utilizáveis como séries. Aos compositores interessam séries com determinadas propriedades musicais. A selecção de uma série passa muitas vezes pelo estudo de certos subconjuntos de Z12." (Carlota Simões, 1999: 49-51).

 

 

AG00108_2.gif (1629 bytes)AG00112_.gif (1861 bytes)AG00051_.gif (1652 bytes)