wpe39.gif (55927 bytes)

 

    Poucos filósofos, e muito menos ainda cientistas, souberam adaptar elementos sensíveis às suas teorias com tanto acerto como Pitágoras. A famosa teoria pitagórica da harmonia das esferas era muito mais profunda do que a mera conjectura da consonância das notas que os astros produzem nos seus movimentos regulares.  A música era para os pitgóricos um símbolo da harmonia do cosmos e, simultaneamente, um meio de alcançar o equilíbrio interno do espírito do homem.

    Para Pitágoras, o universo é um cosmos, um todo ordenado e harmoniosamente conjunto. O destino do homem consiste em considerar-se a si mesmo como uma peça desse cosmos, descobrir o lugar próprio que lhe está designado e manter em si, e à sua volta, a harmonia que lhe é devida de acordo com a ordem natural das coisas.

    Nestas circunstâncias, não seria natural ver no número o princípio inteligível através do qual o cosmos divino, governado pelo espírito, manifestava ao homem a sua harmonia interna?

 

    Na aritmética figurativa dos pitagóricos, construída mediante pedras (psefoi, calculi) os números constituíam a armação inteligível das formas. Ao mesmo tempo, revelavam as proporções que regiam as consonâncias musicais.

 

barraspedras.gif (8081 bytes)

 

    Um dos mais enigmáticos fragmentos pitagóricos chegados até nós é a breve fórmula que a seguir se transcreve.  De difícil interpretação, é de se supor que ela contém algo muito perto da quinta essência do espírito pitagórico.

globo.gif (21878 bytes)

" Não, por Aquele que tenha entregado às nossas almas a Tretraktis, uma fonte que contem as raízes da natureza eterna"

globo.gif (21878 bytes)

 

    Ao que parece, este estranho enunciado constitui um juramento secreto sobre o conteúdo da teoria pitagórica, e era, portanto, reservado apenas a membros da comunidade.

"Aquele", supõem-se que seja o próprio Pitágoras. A "Tetraktis" consiste provavelmente nos números 1, 2, 3, 4 que os pitagóricos representavam conjuntamente na seguinte forma figurativa:

X

X X

X X X

X X X X

 

   Mas, que sentido atribuir à tese de que a Tetraktis é " uma fonte que contém as raízes da natureza eterna"?

    Segundo parece, a Tetraktis alude à iluminação pitagórica inicial sobre as proporções numéricas que regem as notas musicais consonantes: o tom (1:1), a oitava (1:2), a quinta (3:2) e a quarta (4:3). Na experiência pitagórica, esta observação devia ter constituído o estímulo decisivo para fazer a extrapolação, quase mística, de que o cosmos é alcançável através do número. Talvez seja neste sentido que a Tetraktis possa ser exaltada como fonte do conhecimento das raízes da harmonia da natureza.

    Resta saber qual  o sentido do segredo pitagórico que o juramento impunha?

    Então, como hoje, o segredo compartilhado constituía um forte vínculo de conexão dos membros de uma comunidade reduzida. No que diz respeito aos pitagóricos, muitas das sua doutrinas esotéricas prestavam-se de facto, fora do contexto, a mal-entendidos que era conveniente evitar.  Nesse sentido, a comunidade pitagórica chegou a ter uma complexa organização interna, com provas de silêncio e de robustez do espírito através de experiências que visavam fomentar a humildade e a assimilação do espírito pitagórico. Com um significado que vai muito mais além do carácter de mera curiosidade especulativa, as  teorias matemáticas de Pitágoras exigiam um elo especial constituindo, para os iniciados, um suporte do seu caminho de vida .

 

 

A Harmonia dos Pitagóricos

 

     Vimos já como o conceito de  harmonia está no coração do pitagorismo. A música era o método de elevação e purificação da alma e, ao mesmo tempo, um objecto de contemplação intelectual que revelava, com as suas congruências expressáveis mediante relações numéricas, a harmonia mais profunda do cosmos.

    Vejamos agora de que modo Pitágoras terá compreendido as relações numéricas entre os sons consonantes, ou seja, aqueles que cuja produção simultânea origina uma sensação agradável no nosso ouvido: o tom, a oitava, a quinta e a quarta.

    Existem várias versões:

wpe16.jpg (47026 bytes)

 

    Alguns autores clássicos, como por exemplo Boecius, falam de uma observação que Pitágoras teria feito de diferentes sons produzidos por martelos de diferentes pesos. Um martelo cujo peso era 6 produzia o tom, outro com peso 12 produzia a oitava, outro com peso 9 a quinta e outro de peso oito a quarta. Pitágoras teria colocado os tais pesos sobre quatro cordas iguais e observado que se produziam os sons consonantes correspondentes.

    Este é o exemplo típico de uma dessas histórias. No entanto, a sua falsidade poderia ter sido comprovada por um historiador com sentido crítico, sem ter que repetir a experiência. É que, a frequência do som produzido por uma corda vibrante não está em proporção com a tensão mas sim com a raiz quadrada da tensão.

barraspedras.gif (8081 bytes)

     Diógenes Laercio, por seu lado, apresenta Pitágoras como inventor de um aparelho científico capaz de  verificar a teoria musical utilizada pelos pitagóricos e explica pormenorizadamente a experiência com que Pitágoras teria comprovado e quantificado a sua intuição genial da relação existente entre a harmonia musical e os números. Pitágoras teria esticado uma corda musical que produzia um determinado som que tomou como fundamental, o tom. Fez marcas na corda que a dividiam em doze secções iguais.

    Tocou a corda na 6ª marca e observou que se produzia a oitava. Tocou depois na 9ª marca e resultava a quarta. Ao tocar a 8ª marca, obtinha-se a quinta. As fracções 1/2, 3/4, 2/3 correspondiam à oitava, à quarta e à quinta! Verificou ainda que os sons produzidos tocando outras marcas resultavam discordes ou, pelo menos, não tão acordes como os anteriores! O que significa que os números 1, 2 ,3, 4, ou seja, a célebre Tetraktis pitagórica, determinavam de facto as suas proporções relativas os sons mais consonantes!

   Os números 12, 9, 8 e 6 constituíam outra quaterna muito interessante pelas suas propriedades aritméticas.

                                                      

  Verifica-se que:

star.gif (1653 bytes) o 9 é a média aritmética entre 12 e 6,

star.gif (1653 bytes) 8 é a média harmónica entre 12 e 6.

star.gif (1653 bytes) 12. 6 = 9. 8 e esta é uma propriedade geral da média aritmética e harmónica

         logo ab = mh

barraspedras.gif (8081 bytes)  

    Finalmente, Jamblico afirma que a teoria da média aritmética e da média harmónica teria procedido dos babilónios e sido importada por Pitágoras. Não há provas que permitam concluir tal afirmação. Mas não há dúvida quanto à presença destas teorias no pitagorismo primitivo.

    Na verdade, a harmonia foi uma ocupação constante na escola pitagórica em todas as etapas da sua evolução. Platão manifestou o seu descontentamento acerca do carácter empírico tanto da harmonia como da astronomia dos pitagóricos. Talvez tenha sido por sua influência que, posteriormente, tenha sido produzida uma axiomática da harmonia pitagórica relatada pelo astrónomo Ptolomeu na sua obra sobre a harmonia.

Os axiomas podem expressar-se assim:

star.gif (1653 bytes) A sons musicais correspondem números. Aos do mesmo tom o mesmo número, a tons distintos números distintos.

star.gif (1653 bytes) Os números correspondentes a sons consonantes comportam-se entre si como o numerador e o denominador das fracções mais perfeitas a/b, que são aquelas em que o numerador é múltiplo do denominador, a = nb, ou aquelas em que se sobrepõe a b uma parte de b, é dizer a = b+b/n, e esta relação é tanto mais perfeita quanto mais simples, ou seja, quanto mais pequeno for o n.

star.gif (1653 bytes) A oitava, como mais perfeita, deve corresponder à relação 2/1.

    Desta forma, resulta por pura dedução lógica, que à quinta deve corresponder 3/2 e à quarta 4/3.

 

barraspedras.gif (8081 bytes)

 

    Entre os desenvolvimentos que se seguem da teoria da harmonia dos pitagóricos pode destacar-se a explicação - assombrosamente acertada - da natureza do som como uma sucessão de percursões no ar, fazendo depender o tom do número de percursões que se produzem por unidade de tempo, ou seja, da frequência. Assim se explica de um modo natural e exacto a produção dos sons fisiológica e psicologicamente agradáveis, ou seja, consonantes, em cordas cujas longitudes se comportam como os números.

    As percursões do ar produzidas simultaneamente por uma corda e uma outra com a mesma tensão e metade da longitude, tom e oitava, chegam ao tímpano de uma forma representável da seguinte maneira:

 

   

    A sua composição dá lugar a uma estrutura de composições frágil, previsível e harmoniosa para o nosso ouvido, como a que se segue:

fp9.gif (5159 bytes)

  

    Se, pelo contrário, se der uma mudança na produção dos sons a partir de frequências de percursão arbitrárias,  terá lugar uma estrutura um tanto caótica que, para o nosso ouvido, resulta opaca, não previsível, ou seja, dissonante.

 

   barraspedras.gif (8081 bytes)

    

Se quer saber mais sobre este assunto, cf: «http://www.mat.ucm.es/deptos/am/guzman/algunos.htm»

 

AG00108_2.gif (1629 bytes)AG00112_.gif (1861 bytes)AG00051_.gif (1652 bytes)