3 breves comentários

 

1º comentário - Uma aparente contradição

Sabemos que, em "A arte de resolver problemas" (Rio de Janeiro, Editora Interciência, 1977), Polya considera quatro fases na resolução de problemas: 1) compreensão do problema, 2) estabelecimento de um plano, 3) execução do plano e 4) análise retrospectiva. 

Ora, no texto cuja tradução (parcial) aqui se apresenta, Polya defende a necessidade de uma fase prévia: a formulação do problema. Na verdade, sugere que os alunos participem na formulação do problema, fundamentando a sua opinião no facto de esta ser uma fase importante que geralmente permite um maior envolvimento e empenho dos alunos na resolução do problema. Além disso, ao participarem na formulação do problema, este ganha sentido para os alunos o que constitui uma razão fundamental para a sua resolução.
Como explicar esta aparente contradição de parte de um matemático com as características de rigor e ordem de Polya?

Do nosso ponto de vista, a diferença reside no facto de, neste texto, Polya se colocar na perspectiva do professor ao passo que as quatro fases que definiu para a resolução de problemas se situarem na perspectiva do aluno. Ou seja, se a primeira fase de resolução de problemas é, na perspectiva do aluno, a compreensão, na perspectiva do professor esta fase deve passar pelo convite à participação do aluno na própria formulação do problema. Digamos que, se o professor é capaz de levar o aluno a formular o problema, então ele foi capaz de levar o aluno a compreendê-lo.

2º comentário - Problemas e exercícios
Ao optar pela metodologia de resolução de problemas na aula de matemática torna-se mais fácil modificar as concepções dos alunos acerca da própria matemática, fazendo-os perceber que na matemática é mais valorizado o processo de resolução do que a simples obtenção de respostas certas. Tais concepções dos alunos baseiam-se no modelo tradicional de aula, em que apenas se propõem exercícios de rotina. É claro que Polya reconhece que os "exemplos de rotina podem ser úteis e até necessários, não nego" (Polya, 1962). Mas, simultaneamente, chama a atenção para o carácter limitativo desses problemas de rotina que "permitem praticar as aplicações de apenas uma regra isolada" (Polya, 1962). Acresce que se as três fases de aprendizagem são a fase da exploração, a da formalização e a da assimilação, a verdade é que só a fase da formalização está presente na realização de exercícios de rotina.

Assim sendo, cabe ao professor encontrar um equilíbrio viável, isto é, adequado aos seus alunos, entre a resolução de problemas e a resolução de exercícios de rotina nas aulas de matemática.

3º comentário - Um ponto forte

Um dos pontos fortes deste texto é a correlação que Polya estabelece entre os três princípios da aprendizagem e os três princípios do ensino. Aliás, o autor afirma explicitamente que “estes «princípios de aprendizagem» também podem ser considerados como «princípios de ensino»”

O princípio de aprendizagem activa, enquanto princípio de aprendizagem e princípio de ensino, assenta na ideia do “método socrático” segundo o qual o professor deveria agir como Sócrates e consequentemente, o aluno, à semelhança do escravo Ménone, deveria descobrir as coisas por si próprio. 

O princípio da melhor motivação, enquanto princípio de aprendizagem, defende que “o aprendiz não agirá se não tiver motivos para agir” e, enquanto princípio de ensino, mostra ao professor que muitas vezes o facto de o aluno não estar motivado depende do próprio professor e das suas dificuldades para envolver os alunos. 

Finalmente, o princípio das fases consecutivas demonstra a necessidade de se cumprirem as três fases de aprendizagem: exploração, formalização e assimilação, através da analogia com a afirmação de Kant, “Todos os conhecimentos humanos começam por intuições, avançam  para concepções e terminam com ideias”. Com este princípio o autor pretende realçar a importância da utilização de bons problemas nas aulas de Matemática, isto é, a utilização de problemas que permitam aos alunos percorrer todas as fases de resolução de problemas, que tenham um contexto rico e que sejam significativos.

Na base destes três princípios está o facto de, para Polya, o pensamento matemático não ser só o pensamento formal, “não está relacionado apenas com axiomas, definições e demonstrações rígidas” (Polya, 1962), pelo que o professor, ao ensinar, deve dar “espaço” a outras formas igualmente importantes de pensamento matemático, o “pensamento informal”, tais como: “generalização a partir de casos observados, argumentação por indução, argumentação por analogia, reconhecimento de conceitos matemáticos, ou sua extracção a partir de situações concretas”(Polya, 1962).

 

Neste texto há uma afirmação que, a nosso ver, resume a brilhante concepção que Polya tem acerca do que é ensinar Matemática:“Deixem-nos ensinar demonstrando de todas as maneiras possíveis. Mas deixem-nos também ensinar adivinhando” (Polya, 1962).  

Tentaremos tê-la sempre presente ao longo da nossa vida profissional.

 Elisa Mosquito, Ricardo Incácio e Teresa Ferreira

Bibliografia utilizada

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Olga Pombo opombo@fc.ul.pt