Apesar do trabalho premente e dos
compromissos profissionais, Russell arranjou sempre tempo e disposição para dar
resposta aos milhares de cartas que recebia. Expunha sempre com precisão os seus pontos de vista, em termos calorosos e com um ponta de
humor, sem olhar ao género de pessoa a quem as endereçava. Por entre as cartas que tratam de religião, moral, filosofia e política, surgem algumas de admiração e apoio, outras hostis e de crítica, outras simplesmente curiosas por manifestarem os hábitos e gostos pessoais de Russell, os seus pontos de vista acerca da juventude e da velhice, a sua atitude em relação às coisas mais vulgares, dando-nos assim uma panorâmica da sua personalidade que nos encanta. Consideramos admirável as várias cartas que estrangeiros e crianças escreveram a Bertrand Russell, dando-lhe apoio e força para a continuação da sua cruzada. A todas as cartas Russel respondeu com palavras de carinho e simpatia. Organizamos, a título meramente exemplificativo do carácter deste grande homem e das ideias pelas quais se debateu, alguma da sua enorme correspondência em diversos assuntos nomeadamente como:
Most, 24 de Junho de 1962 Desculpe nossa imperfeição de
Carta. Não sabermos inglês. Nós consulta ao dicionário. Adeus, Cidadão's da Checoslováquia, Josef Dinda e Jiri Rada
27 de Julho de 1962 Caros Srs. Dinda e Rada: Os meus sinceros agradecimentos
pela vossa carta de 24 de Junho. Peço que me desculpem por não ter respondido mais cedo.
Fico-lhes muito grato pelas palavras amáveis que a meu respeito escreveram e pelo
estímulo que me dão para continuar o meu trabalho pelo desarmamento nuclear. Tenho
grandes esperanças de que as pessoas do vosso género que vivem na Checoslováquia façam
constantemente pressão para que se procure solucionar os problemas da era atómica, não
obstante as dificuldades que não devem deixar de encontrar. Atentamente Bertrand Russell
Woodstock Road, 232
Muito obrigado por todas as coisas que tem feito. Gosto de si. Se vier a Oxford venha tomar chá comigo.
Com muito amor do
P. S. Tenho seis anos
24 de Novembro de 1961 Caro Paul Altmann: Agradeço muito a tua bonita cartinha,
que muito gostei de receber porque me dá coragem para continuar a trabalhar. Gostava de
poder tomar chá contigo, mas não espero ir tão cedo a Oxford. Se for, mando-te dizer. Bertrand Russell
Bertrand Russell mostrou-se durante toda a sua vida contra a religião e rejeitou a ideia de um ser supremo - ponto de vista que, escusado é dizer, exasperava os ortodoxos. Mas não foi por capricho, para chocar os devotos, que Russell se dispôs a contestar os dogmas religiosos pois considerava todas as grandes religiões do mundo não só falsas como também prejudiciais. «Não sou cristão, e deixei de o ser quando tinha quinze anos»
«Estou neste momento em disputa com um tal Joseph Lewis, um ateu ferrenho... quanto ao seu ponto de vista exacto sobre o ateísmo. O Sr. Lewis afirma que o Sr. trata do problema sem deixar margens a dúvidas, ao passo que eu, pela leitura dos seus livros que põem em relevo o cepticismo e deploram a crença religiosa, estou convencido de que é antes um agnóstico...»
18 de Maio de 1958 Caro Sr. Major Com toda a consideração Bertrand Russell
«... Nem eu nem meu marido frequentamos igrejas de qualquer denominação e consideramo-nos agnósticos. No entanto, parece-nos que será melhor dar aos nossos filhos uma certa educação religiosa, sendo nossa convicção de que, quando forem adultos, poderão decidir por si próprios...»
2 de Dezembro de 1964 Cara Sr.a Nofer: ... Recebo com frequência cartas da América com perguntas semelhantes às que me faz. Numa sociedade com preconceitos fanáticos e intolerantes é difícil de responder. De um modo geral, estou convencido de que o melhor caminho a seguir é deixar os seus filhos acompanharem tacitamente a religião praticada na escola que frequentam, mas não acho que lhes devam esconder a vossa própria maneira de pensar... Em meu entender, uma criança tem razão de queixa se um belo dia descobre que os pais lhe mentiram em matéria de religião. Não concordo com a ideia de que a educação religiosa seja essencial. Penso que todas as regiões se baseiam, pelo menos em parte, na crença em coisas de cuja existência não há provas, e que se deve substituir a crença nessas coisas pela fidelidade aos factos reais. Pode parecer-lhe mau para uma criança ter uma crença ensinada em casa e outra na escola, mas estou convencido de que o prejuízo que pode advir-lhe de outra causa qualquer é muito pior. Atentamente Bertrand Russell
«... Escrevo-lhe para que me ajude a resolver um problema que me aflige terrivelmente... não sigo a fé cristã desde os meus vinte anos... Há quinze dias emprestaram-me um livro chamado Mere Christianity, escrito por C. S. Lewis... que afirma ser o gesto de dar a nossa vida a cristo o único processo de alcançar a vida eterna. "Entrega a tua vida cegamente" - diz ele; a tua personalidade tem de morrer totalmente, bem como as tuas ambições mais caras e os teus desejos mais frementes". Deu-me a sensação de que, se eu não abandonar os meus filhos e não for tratar nativos doentes, ou coisas no género, vou para o inferno... Tenho andado tão consumida, e sem ninguém a quem contar o que se passa! O meu marido é muito bom, mas o que mais lhe interessa na vida é futebol e a televisão...»
26 de Abril de 1958 Cara Senhora: Recebi a sua carta, que li com muito
interesse e muita simpatia. Acho que se deixou impressionar demais por C. S. Lewis. A
ideia de lançar a vida pela janela fora sem olhar a nada, como um acto de culto a Cristo,
é uma forma de glorificar o masoquismo e a humilhação pessoal ante o poder. Foi o que
sucedeu com os russos, que se confessavam culpados quando eram perseguidos por Estaline.
É uma atitude tipicamente oriental, que o cristianismo adoptou quando atribuiu a Deus os
defeitos morais dos déspotas cruéis. Atentamente Bertrand Russell
Russell estava
convencido de que a ameaça nuclear só podia ser afastada pela oposição maciça da
opinião pública. «Não devemos aceitar a guerra, devemos opor-nos a ela, se quisermos
sobreviver» - declarou.
«... li recentemente uma
frase que lhe é atribuída, declarando que preferia ir de rastos até Moscovo, para se
render, do que ver a sua querida Inglaterra sujeita a um ataque com bombas de hidrogénio.
Vinda de si, que ao longo da vida se tem vindo a mostrar um idiota intelectual, tal frase
não me surpreendeu...
6 de Setembro de 1960 Senhor: A sua carta é um insulto grosseiro. A afirmação de que estaria disposto a ir de rastos até Moscovo é uma invenção dos meus adversários, se é que alguma vez eles a fizeram. No entanto, se estivesse convencido de que poderia realizar tal proeza apesar dos meus oitenta e oito anos, e que com ela poderia fazer qualquer coisa para preservar os meus compatriotas, ou quaisquer seres humanos, da destruição iminente pela guerra atómica, tentaria levá-la a cabo - embora seja minha convicção de que teria de ir igualmente de rastos até Washington. A forte probabilidade de extinção da raça humana num futuro próximo parece dever-se, em larga escala, às vistas curtas de dogmáticos intransigentes. Atentamente Bertrand Russell
«Gostaria de saber porque se colocou contra os Estados Unidos na atitude que tomaram no bloqueio de Cuba, em vez de criticar a União Soviética por mandar para a ilha todo aquele material enquanto prometia que nunca daria tal passo. Estou presentemente a estudar a sua filosofia na Universidade, e não consigo descortinar qualquer base para a sua atitude...»
14 de Dezembro de 1962 Caro Sr Campbell: ... Critiquei os Estados
Unidos porque ameaçavam afundar navios soviéticos no alto mar, sabendo perfeitamente que
tal atitude iria desencadear uma guerra atómica generalizada. Atentamente Bertrand Russell
Uma das facetas mais notáveis da vida de Russell foi sempre a sua
afinidade com a juventude, cuja admiração foi aumentando à medida que ia envelhecendo.
Em 1961, quando fez uma conferência para estudantes da Faculdade de Economia de Londres,
pôde afirmar que 25 anos antes, quando realizava uma conferência no mesmo
estabelecimento de ensino, o presidente da mesa o tinha classificado de fóssil vitoriano.
«... Só por curiosidade: o que pensa da velhice?, e lê romances policiais?...»
9 de Fevereiro de 1963 Caro Sr. Larsen: Muito obrigado pela sua
amável carta. Leio muitos romances policiais, e considero a velhice a altura de lutar
pela dignidade humana - como qualquer outra idade. Atentamente Bertrand Russell
«... Participo-lhe que
fazemos anos no mesmo dia e que as minhas iniciais são iguais às suas! Vou fazer nove
anos.
8 de Junho de 1962 Bárbara: Folgo muito em saber que
fazemos anos no mesmo dia e é curioso que tenhamos as mesmas iniciais. Muitos votos de felicidade do Bertrand Russell
«... Tenho muito interesse em saber o que pensa sobre a masturbação... Sofro torturas morais por me ter masturbado no ano passado... Tenho lido que o sentimento de culpa dos adolescentes que se masturbam se não pode apagar, estou arrependido e à beira do suicídio. O Sr. é a minha última esperança; poderia ter a bondade de me ajudar a resolver o meu problema?...»
24 de Dezembro de 1964 Caro Senhor: ... No que respeita à masturbação, acontece praticamente a todos durante a adolescência. O conceito de que é perversa ou prejudicial é uma invenção cruel dos mais velhos para meterem os mais novos na ordem. O seu sentimento de culpa está deslocado, porque a masturbação não prejudica nada nem ninguém. Atentamente Bertrand Russell
Russell
sempre insistiu numa divisão nítida entre o
seu trabalho como filósofo e o seu trabalho como pensador social e homem de acção,
apressando-se a chamar a atenção para o facto dos seus trabalhos não
esclarecerem ninguém se a sua oposição à guerra nuclear fosse mal sucedida.
Resposta a uma das muitas cartas que perguntam a Russel qual das suas obras considera mais importante.
5 de Agosto de 1964 Caro Senhor: Acuso a recepção da sua carta, que muito agradeço. Se a guerra nuclear for evitada, considero mais importante o trabalho que mostra a minha oposição a ela. Se o não for, Principia Mathematica não conseguirá esclarecer ninguém. Atentamente Bertrand Russell
«... Sou um lógico matemático; encontrámo-nos uma vez numa reunião mundana... Na próxima semana vêm dois outros lógicos passar alguns dias comigo, e vamos discutir problemas de fundamentos da matemática; gostaria de saber se nós três poderíamos ir visitá-lo, e prestar-lhe as nossas homenagens?...»
31 de Março de 1960 Caro Sr. Gandy: Terei muito prazer em recebê-lo, e aos seus dois amigos, na quinta-feira, 17 de Abril, e sugiro que venham por volta das quatro e tomem o chá comigo. estou completamente desactualizado no que respeita a trabalhos lógicos, e terão todos de me considerar um ignoramus. Atentamente Bertrand Russell
«... Pode o homem desejar realmente o mal?...»
16 de Outubro de 1962 Cara Miss Colodner: ... Quanto à sua pergunta
sobre se o homem pode desejar realmente o mal, o problema está em saber em que sentido 'o
mal' figura na sua pergunta. Se 'mal' quer dizer coisas indesejáveis, a resposta é sem
dúvida 'não'. Mas isto é uma verdade banal. Se 'mal' se refere a coisas que merecem a
desaprovação de quem as deseja, é perfeitamente possível desejar 'o mal'. Atentamente Bertrand Russell
«Sou um rapaz italiano de 23 anos e estudo Ciências Políticas na universidade... Ficar-lhe-ia muito grato se me desse um esquema do seu pensamento político...»
21 de Outubro de 1962 Caro Sr. Monforte: ... Não posso dar-lhe por carta um
esquema do meu pensamento político, excepto em termos bastante superficiais. Gostaria de
ver encorajado ao máximo o pensamento independente, em todas as sociedades, porque estou
convencido de que os actos criadores que beneficiam a humanidade só vêm de indivíduos
auto-suficientes que procuram adquirir conhecimentos sem olhar às susceptibilidades das
autoridades ou ao peso das convenções. Atentamente Bertrand Russell
«... Pela leitura de Which Way to Peace? depreendi que na altura em que o escreveu era um pacifista total. Parece-me que o regime desumano de Hitler o fez mudar de ideias. Também me parece que agora, ainda que surgisse um outro Hitler, voltaria ao Pacifismo Total por causa da potência das armas termonucleares... Quero agora dizer-lhe que o Sr. talvez não tenha... experimentado nunca as circunstâncias que, a serem por si experimentadas, o fariam mudar de ideias em 1939. Quero com isto dizer que o seu raciocínio era, fatalmente, feito a frio; que, se tivesse alguma vez estado em contacto com, digamos, mulheres e crianças mutiladas pelas bombas, se teria conservado Pacifista Total...»
12 de Outubro de 1956 Caro Senhor: ... Nunca fui pacifista total nem outra
coisa qualquer total. Entendo que um acto deve ser julgado bom ou mau pelas consequências
que produz; o acto bom é o que entre todos os actos possíveis dá maior saldo entre as
boas e as más consequências. As normas gerais, tais como 'Não roubar' e Não matar'
são boas na maior parte dos casos, mas há excepções. Atentamente Bertrand Russell
Através das cartas de
Russell descobrem-se facetas muito interessantes da sua personalidade. As cartas que a seguir
apresentamos constituem uma excepcional janela aberta sobre Russell, não o homem famoso
mas o ser humano de carne e osso. Salpicadas com a pimenta de ditos de
espírito, elas revelam muito da profundidade, da bondade pessoal, do calor humano e
sensibilidade de Bertrand Russell.
«Estou a preparar um livro de cozinha com receitas enviadas por pessoas de renome universal... A sua contribuição para este livro, se nos mandasse a sua receita favorita, seria uma grande honra para nós...»
15 de Junho de 1960 Cara Miss Hellman: ... A minha receita favorita é a do 'Pudim do Lorde John Russell' que aparece em Mrs Beeton. Nunca provei o pudim nem sequer o vi confeccionado, mas escolho-o por devoção nepótica.
«... Tenho 14 anos... Um dos meus passatempos é coleccionar os títulos das canções favoritas de pessoas famosas...»
19 de Outubro de 1962 Caro Mark Evans: Recebi a sua carta que muito e muito agradeço. A minha canção favorita é «Sweet Molly Malone» que canta as ruas de Londres.
«... Se fosse possível, gostaria que me mandasse a sua fotografia autografada. Diga-me também se houve algum livro que tivesse tido uma influência especial na sua vida. Diga-me, se faz favor, os nomes de alguns livros de que tivesse gostado quando era pequeno...»
8 de Dezembro de 1965 Caro Sr. Ellisor: Os livros de que mais gostei quando era
pequeno foram os de Lewis Carroll e Edward Lear. Não sei de nenhum livro que me tivesse
influenciado de maneira especial.
«... Sendo ateu, celebra o Natal?...»
29 de Dezembro de 1964 Cara Miss Baker: Recebi a sua carta, que muito agradeço... Não atribuo ao Natal qualquer significado religioso, mas acho que é um costume agradável, e não sinto necessidade de fugir à sua celebração só porque lhe não dou qualquer importância ritual... Atentamente Bertrand Russell
«Sou Director de um dos cinco departamentos desta nova escola... dêmo-lhe o seu nome... Se tivesse tempo de nos escrever e nos pudesse mandar alguns exemplares dos seus numerosíssimos trabalhos... Seria um grande estímulo... esta pequena secção da nossa população estudantil receber notícias suas...»
2 de Novembro de 1966 Caro Sr. Ure: Quando ouvi falar em Russell House
imaginei centenas de rapazes a mostrar tanto interesse pelo meu trabalho que seriam
capazes, com o tempo, de me virem ajudar a tratar das centenas de cartas que recebo e a
que tenho de responder. Só a audiência dessa ajuda justifica o atraso desta carta. Atentamente Bertrand Russell
«... Pode ver-se facilmente o género de idiota
que o Sr. é pela leitura da sua chamada filosofia. Aqui há tempos li num jornal suíço,
de língua alemã, que o Sr. tinha dito: 'Estamos a viver numa conjuntura em que temos
três revoluções pela frente: a luta da juventude contra os mais velhos; a luta dos
insensatos contra a inteligência...'
30 de Agosto de 1958 Caro Senhor: Há um tipo de idiota de que não falou. É o tipo que acredita em tudo que lê nos jornais. Nunca fiz as declarações que cita. Atentamente Bertrand Russell
«... Senhor Russell, o que pensa do casamento de homens mais velhos, amadurecidos e ilustres como o Sr., e raparigas jovens, alegres e com boa dentadura - como eu?...»
28 de Novembro de 1964 Cara Miss Murray: Recebi a sua amável carta, que muito
agradeço. Já sou casado - e feliz... Atentamente Bertrand Russell
«Quero dar-lhe os meus parabéns pela sua atitude corajosa contra a Bomba H... Como velho reformado que sou faço uns desenhos para me entreter, e considerava-me muito honrado se autografasse o que junto envio...»
2 de Outubro de 1961 Caro Sr. Spence: Assinei o desenho, mas espero sinceramente que reconsidere o formato do nariz. Atentamente Bertrand Russell
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Olga Pombo: opombo@fc.ul.pt
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