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Se pensarmos que Bertrand Russell escreveu cerca de setenta livros, alguns milhares de artigos e ensaios, que se correspondeu assiduamente com as figuras mais representativas da literatura, da ciência e da política do nosso século, tais com Bernard Shaw, D. H. Lawrence, Joseph Conrad, T. S. Eliot, H.G. Wells, Ludwig Wittgenstein, Schweitzer, Einstein, Nehru e Krushchev, não podemos deixar de nos espantar por ter tido ainda tempo e energia para  se corresponder com milhares de indivíduos anónimos. Sempre aconselhando, reflectindo, filosofando, Russell manifesta assi o seu real interesse por toda a humanidade e por cada  individuo.  

    Apesar do trabalho premente e dos compromissos profissionais, Russell arranjou sempre tempo e disposição para dar resposta aos milhares de cartas que recebia. Expunha sempre com precisão os seus pontos de vista, em termos calorosos e com um ponta de humor, sem olhar ao género de pessoa a quem as endereçava.
    Pelos documentos que se conservaram,  calcula-se que Russell tenha escrito uma carta de 30 em 30 horas, ao longo da sua vida. A maior parte dos que lhe escreviam recebia uma resposta pronta e pessoal. Na verdade até pedia desculpa, sempre que se demorava a responder. As suas cartas são quase sempre breves, característica certamente resultante do seu trabalho absorvente, mas também da sua habilidade única para tratar dos pontos importantes em poucas frases. Uma resposta longa é uma raridade nos seus arquivos, e, quando existe, é quase sempre acerca de certos problemas complexos de matemática ou de filosofia, que não podiam ser abordados de maneira mais concisa.

    Por entre as cartas que tratam de religião, moral, filosofia e política, surgem algumas de admiração e apoio, outras hostis e de crítica, outras simplesmente curiosas por manifestarem os hábitos e gostos pessoais de Russell, os seus pontos de vista acerca da juventude e da velhice, a sua atitude em relação às coisas mais vulgares, dando-nos assim uma panorâmica da sua personalidade que nos encanta.

      Consideramos admirável as várias cartas que estrangeiros e crianças escreveram a Bertrand Russell, dando-lhe apoio e força para a continuação da sua cruzada. A todas as cartas Russel respondeu com palavras de carinho e simpatia.

    Organizamos, a título meramente exemplificativo do carácter deste grande homem e das ideias pelas quais se debateu, alguma da sua enorme correspondência em diversos assuntos nomeadamente como:

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                                Most, 24 de Junho de 1962     

envlop4.wmf (1792 bytes)  Caro Senhor:

  Desculpe nossa imperfeição de Carta. Não sabermos inglês. Nós consulta ao dicionário.
  Somos homens /19 ano/. Muita impressionante nos fez nos seus ensaios, que brotaram na Checoslováquia. Gostamos da sua filosofia. Especialmente gostamos do seu Ateísmo o ponto de vista. Muito apreciamos a sua Actividade para a boa paz.
    Além disso admiramos a sua Política de não-compromisso. Lamentamos dar-nos não mais Livros seus em checo. Lhe desejamos muita Força em promover a Actividade e da Vida!

                                                            Adeus,                      

Cidadão's da Checoslováquia, Josef Dinda e Jiri Rada                     

 

27 de Julho de 1962    

Caros Srs. Dinda e Rada:

  Os meus sinceros agradecimentos pela vossa carta de 24 de Junho. Peço que me desculpem por não ter respondido mais cedo. Fico-lhes muito grato pelas palavras amáveis que a meu respeito escreveram e pelo estímulo que me dão para continuar o meu trabalho pelo desarmamento nuclear. Tenho grandes esperanças de que as pessoas do vosso género que vivem na Checoslováquia façam constantemente pressão para que se procure solucionar os problemas da era atómica, não obstante as dificuldades que não devem deixar de encontrar.
  Junto envio uma cópia da exploração que fiz perante o Congresso para o Desarmamento realizado em Moscovo.
  Com os meus melhores cumprimentos, 

Atentamente

Bertrand Russell

 

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Woodstock Road, 232               
Oxford                          
10-11-61                         

envlop4.wmf (1792 bytes)  Caro Sr. Bertrand Russell:

  Muito obrigado por todas as coisas que tem feito. Gosto de si. Se vier a Oxford venha tomar chá comigo.

             Com muito amor do                                                                                        
                              Paul Altmann                                                                                             

  P. S. Tenho seis anos                                                                                      

 

24 de Novembro de 1961    

Caro Paul Altmann:

  Agradeço muito a tua bonita cartinha, que muito gostei de receber porque me dá coragem para continuar a trabalhar. Gostava de poder tomar chá contigo, mas não espero ir tão cedo a Oxford. Se for, mando-te dizer.
  Com amizade e os mais calorosos desejos de felicidade

Bertrand Russell

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RELIGIÃO

    Bertrand Russell mostrou-se durante toda a sua vida contra a religião e rejeitou a ideia de um ser supremo - ponto de vista que, escusado é dizer, exasperava os ortodoxos. Mas não foi por capricho, para chocar os devotos, que Russell se dispôs a contestar os dogmas religiosos pois considerava todas as grandes religiões do mundo não só falsas como também prejudiciais.

           «Não sou cristão, e deixei de o ser quando tinha quinze anos»

 

«Estou neste momento em disputa com um tal Joseph Lewis, um ateu ferrenho... quanto ao seu ponto de vista exacto sobre o ateísmo. O Sr. Lewis afirma que o Sr. trata do problema sem deixar margens a dúvidas, ao passo que eu, pela leitura dos seus livros que põem em relevo o cepticismo e deploram a crença religiosa, estou convencido de que é antes um agnóstico...»

 

           18 de Maio de 1958    

Caro Sr. Major
  Acuso a recepção da sua carta de 9 de Março, que muito agradeço. Não me admira que tanto o Sr. como o Sr. Lewis hesitem entre chamar-me ateu ou agnóstico, porque eu próprio tenho as minhas dúvidas e ora me considero uma coisa como outra. Penso que sob o ponto de vista estritamente filosófico, na medida em que duvido da existência de objectos materiais e que ponho a hipótese de que o mundo pode ter apenas cinco minutes de existência, me devo considerar um agnóstico; mas sou, na prática um ateu. Não considero a existência de um Deus cristão mais provável que a existência dos deuses do Olimpo ou a de Walhalla. Para dar outro exemplo: ninguém pode provar que entre a Terra e Marte não anda um bule de porcelana a descrever uma órbita elíptica, mas ninguém considera a hipótese suficientemente provável para a encarar a sério. Penso que o Deus dos cristãos é igualmente improvável.

Com toda a consideração

Bertrand Russell

                                                           

  «... Nem eu nem meu marido frequentamos igrejas de qualquer denominação e consideramo-nos agnósticos. No entanto, parece-nos que será melhor dar aos nossos filhos uma certa educação religiosa, sendo nossa convicção de que, quando forem adultos, poderão decidir por si próprios...»

 

2 de Dezembro de 1964     

Cara Sr.a Nofer:

  ... Recebo com frequência cartas da América com perguntas semelhantes às que me faz. Numa sociedade com preconceitos fanáticos e intolerantes é difícil de responder. De um modo geral, estou convencido de que o melhor caminho a seguir é deixar os seus filhos acompanharem tacitamente a religião praticada na escola que frequentam, mas não acho que lhes devam esconder a vossa própria maneira de pensar... Em meu entender, uma criança tem razão de queixa se um belo dia descobre que os pais lhe mentiram em matéria de religião. Não concordo com a ideia de que a educação religiosa seja essencial. Penso que todas as regiões se baseiam, pelo menos em parte, na crença em coisas de cuja existência não há provas, e que se deve substituir a crença nessas coisas pela fidelidade aos factos reais. Pode parecer-lhe mau para uma criança ter uma crença ensinada em casa e outra na escola, mas estou convencido de que o prejuízo que pode advir-lhe de outra causa qualquer é muito pior.

Atentamente

Bertrand Russell

                                                                                                

  «... Escrevo-lhe para que me ajude a resolver um problema que me aflige terrivelmente... não sigo a fé cristã desde os meus vinte anos... Há quinze dias emprestaram-me um livro chamado Mere Christianity, escrito por C. S. Lewis... que afirma ser o gesto de dar a nossa vida a cristo o único processo de alcançar a vida eterna. "Entrega a tua vida cegamente" - diz ele; a tua personalidade tem de morrer totalmente, bem como as tuas ambições mais caras e os teus desejos mais frementes". Deu-me a sensação de que, se eu não abandonar os meus filhos e não for tratar nativos doentes, ou coisas no género, vou para o inferno... Tenho andado tão consumida, e sem ninguém a quem contar o que se passa! O meu marido é muito bom, mas o que mais lhe interessa na vida é futebol e a televisão...»

 

26 de Abril de 1958    

Cara Senhora:

  Recebi a sua carta, que li com muito interesse e muita simpatia. Acho que se deixou impressionar demais por C. S. Lewis. A ideia de lançar a vida pela janela fora sem olhar a nada, como um acto de culto a Cristo, é uma forma de glorificar o masoquismo e a humilhação pessoal ante o poder. Foi o que sucedeu com os russos, que se confessavam culpados quando eram perseguidos por Estaline. É uma atitude tipicamente oriental, que o cristianismo adoptou quando atribuiu a Deus os defeitos morais dos déspotas cruéis.
  Procederia muito mal se abandonasse os seus filhos para praticar um acto espectacular de abnegação numa terra distante. Deve lembrar-se de que não há razão nenhuma para acreditar na doutrina cristã, e de que grande parte da ética cristã não é digna de pessoas que se respeitam a si próprias. Encontra este problema tratado com mais desenvolvimento no meu recente livro Porque não sou Cristão. Gostaria de a confortar e de lhe dar segurança, e terei muito prazer em saber se progride nessa direcção.                          
                                                                  

   Atentamente

Bertrand Russell

                                                                                                                                                                            

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PAZ E POLÍTICA

 

   Russell estava convencido de que a ameaça nuclear só podia ser afastada pela oposição maciça da opinião pública. «Não devemos aceitar a guerra, devemos opor-nos a ela, se quisermos sobreviver» - declarou.
   Os detractores de Russell tentaram denegrir a sua inquebrável dedicação pela humanidade em geral como se ele tivesse pisado o risco sob o ponto de vista político. A resistência popular é uma resposta temida  mas torna-se particularmente nefanda quando um verdadeiro lorde, e ainda por cima filósofo, se torna o seu paladino e começa a derrubar todos os vetustos pilares que lhe competia conservar. A opinião desses críticos tem tanto de falsa como de absurda. Quando nos damos ao trabalho de estudar a vida de Russell vemos imediata e claramente que não há nada de incongruente na sua posição contrária à bomba de hidrogénio ou à guerra do Vietname.
   Com o decorrer dos anos, e à luz de uma ponderação mais fria, as ideias de Russell foram aceites como cheias de bom senso e até respeitáveis.  

 

    «... li recentemente uma frase que lhe é atribuída, declarando que preferia ir de rastos até Moscovo, para se render, do que ver a sua querida Inglaterra sujeita a um ataque com bombas de hidrogénio. Vinda de si, que ao longo da vida se tem vindo a mostrar um idiota intelectual, tal frase não me surpreendeu...
    É uma pena que a sua gloriosa pátria, conhecida na História pelos seus grandes patriotas e homens de coragem, pudesse ter um tal filho, com todas as implicações da sua timorata psicologia de «paz por qualquer preço» e, por fim, rendição total. Tente pedir emprestada alguma «genica» a alguns dos seus patrióticos conterrâneos...»

 

6 de Setembro  de 1960     

Senhor:

    A sua carta é um insulto grosseiro. A afirmação de que estaria disposto a ir de rastos até Moscovo é uma invenção dos meus adversários, se é que alguma vez eles a fizeram. No entanto, se estivesse convencido de que poderia realizar tal proeza apesar dos meus oitenta e oito anos, e que com ela poderia fazer qualquer coisa para preservar os meus compatriotas, ou quaisquer seres humanos, da destruição iminente pela guerra atómica, tentaria levá-la a cabo - embora seja minha convicção de que teria de ir igualmente de rastos até Washington. A forte probabilidade de extinção da raça humana num futuro próximo parece dever-se, em larga escala, às vistas curtas de dogmáticos intransigentes.

Atentamente

Bertrand Russell

 

     «Gostaria de saber porque se colocou contra os Estados Unidos na atitude que tomaram no bloqueio de Cuba, em vez de criticar a União Soviética por mandar para a ilha todo aquele material enquanto prometia que nunca daria tal passo. Estou presentemente a estudar a sua filosofia na Universidade, e não consigo descortinar qualquer base para a sua atitude...»

 

14 de Dezembro de 1962     

Caro Sr Campbell:

    ... Critiquei os Estados Unidos porque ameaçavam afundar navios soviéticos no alto mar, sabendo perfeitamente que tal atitude iria desencadear uma guerra atómica generalizada.
    Os Estados Unidos têm tanto o direito de decidir sobre o armamento de Cuba como a União Soviética de fazer o mesmo em relação à Turquia, Itália, Inglaterra, ou qualquer dos muitos outros países que têm bases americanas circundando as fronteiras soviéticas.

Atentamente

Bertrand Russell

 

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JUVENTUDE E VELHICE

 

      Uma das facetas mais notáveis da vida de Russell foi sempre a sua afinidade com a juventude, cuja admiração foi aumentando à medida que ia envelhecendo. Em 1961, quando fez uma conferência para estudantes da Faculdade de Economia de Londres, pôde afirmar que 25 anos antes, quando realizava uma conferência no mesmo estabelecimento de ensino, o presidente da mesa o tinha classificado de fóssil vitoriano.
    Russell teve sempre a consciência de que o que tinha a dizer seria apreciado e julgado pelas gerações futuras.
    Russell nunca aceitou qualquer dicotomia entre a juventude e a velhice, excepto por estar convencido que «uma velhice feliz é mais fácil para os que têm interesses impessoais em actividades adequadas.»
    Bertrand Russell gostava de se considerar um sobrevivente de uma era em vias de extinção; dos seus contemporâneos foi o que viveu mais tempo. No entanto, nunca deixou de encarar a sua situação com humor, e numa carta ao seu editor recusa tomar-se muito a sério: «... junto envio um pós-escrito para a minha autobiografia, uma vez que não morri ao terminá-la. Se chegar aos 100 anos mando-lhe outro.»

 

    «... Só por curiosidade: o que pensa da velhice?, e lê romances policiais?...»

 

9 de Fevereiro de 1963     

Caro Sr. Larsen:

    Muito obrigado pela sua amável carta. Leio muitos romances policiais, e considero a velhice a altura de lutar pela dignidade humana - como qualquer outra idade.
    Com os meus melhores cumprimentos, sou

Atentamente

Bertrand Russell

 

 

     «... Participo-lhe que fazemos anos no mesmo dia e que as minhas iniciais são iguais às suas! Vou fazer nove anos.
    Feliz aniversário!»

 

8 de Junho de 1962    

Bárbara:

    Folgo muito em saber que fazemos anos no mesmo dia e é curioso que tenhamos as mesmas iniciais.
    Espero que o teu dia de anos fosse tão feliz como foi o meu...
    Embora sejas muito mais nova do que eu, acho que temos ambos uma alegria de viver que vale a pena conservar.
    Muitos votos de felicidade do

Muitos votos de felicidade do

Bertrand Russell

 

     «... Tenho muito interesse em saber o que pensa sobre a masturbação... Sofro torturas morais por me ter masturbado no ano passado... Tenho lido que o sentimento de culpa dos adolescentes que se masturbam se não pode apagar, estou arrependido e à beira do suicídio. O Sr. é a minha última esperança; poderia ter a bondade de me ajudar a resolver o meu problema?...»

 

24 de Dezembro de 1964     

Caro Senhor:

    ... No que respeita à masturbação, acontece praticamente a todos durante a adolescência. O conceito de que é perversa ou prejudicial é uma invenção cruel dos mais velhos para meterem os mais novos na ordem. O seu sentimento de culpa está deslocado, porque a masturbação não prejudica nada nem ninguém.

Atentamente

Bertrand Russell

 

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FILOSOFIA

 

   Russell sempre insistiu numa divisão nítida entre o seu trabalho como filósofo e o seu trabalho como pensador social e homem de acção, apressando-se a chamar a atenção para o facto dos seus trabalhos não esclarecerem ninguém se a sua oposição à guerra nuclear fosse mal sucedida.
    Russell nunca se fechou numa torre de marfim procurando, ao invés, tornar os problemas sociais em problemas ao alcance  de todos. Demolidor de mistificações pretensiosas, nunca poderia ser acusado de fazer morrer de tédio os seus leitores.
    Muitas das cartas que recebeu apresentam os dilemas morais dos seus correspondentes. Sob este aspecto foi muitas vezes considerado pelo público leigo como um oráculo ou um padre confessor. As suas respostas são desarmantes - nenhuma voz é tão diferente da de Deus como a de Russell - aconselhando quando pode, confessando a sua ignorância quando não o pode fazer.

 

    Resposta a uma das muitas cartas que perguntam a Russel qual das suas obras considera mais importante.

 

5 de Agosto de 1964    

Caro Senhor:

    Acuso a recepção da sua carta, que muito agradeço. Se a guerra nuclear for evitada, considero mais importante o trabalho que mostra a minha oposição a ela. Se o não for, Principia Mathematica não conseguirá esclarecer ninguém.

Atentamente

Bertrand Russell

 

    «... Sou um lógico matemático; encontrámo-nos uma vez numa reunião mundana... Na próxima semana vêm dois outros lógicos passar alguns dias comigo, e vamos discutir problemas de fundamentos da matemática; gostaria de saber se nós três poderíamos ir visitá-lo, e prestar-lhe as nossas homenagens?...»

 

31 de Março de 1960    

Caro Sr. Gandy:

    Terei muito prazer em recebê-lo, e aos seus dois amigos, na quinta-feira, 17 de Abril, e sugiro que venham por volta das quatro e tomem o chá comigo. estou completamente desactualizado no que respeita a trabalhos lógicos, e terão todos de me considerar um ignoramus.

Atentamente

Bertrand Russell

 

 

    «... Pode o homem desejar realmente o mal?...»

 

16 de Outubro de 1962     

Cara Miss Colodner:

    ... Quanto à sua pergunta sobre se o homem pode desejar realmente o mal, o problema está em saber em que sentido 'o mal' figura na sua pergunta. Se 'mal' quer dizer coisas indesejáveis, a resposta é sem dúvida 'não'. Mas isto é uma verdade banal. Se 'mal' se refere a coisas que merecem a desaprovação de quem as deseja, é perfeitamente possível desejar 'o mal'.
    O problema está em não haver um critério objectivo que nos permita distinguir as coisas 'más' das coisas 'boas'. Estas duas palavras servem para mostrar o que pensamos das coisas e como desejamos vê-las consideradas. Considero a crueldade e o assassínio em massa coisas más e desejava que todos concordassem com a minha opinião. Isto não evita que outros desejam tanto a crueldade como o assassínio em massa, tal como demonstra o procedimento de todos os que ocupam posições de mando e da maioria da humanidade.

Atentamente

Bertrand Russell

 

   «Sou um rapaz italiano de 23 anos e estudo Ciências Políticas na universidade... Ficar-lhe-ia muito grato se me desse um esquema do seu pensamento político...»

 

   21 de Outubro de 1962     

Caro Sr. Monforte:

    ... Não posso dar-lhe por carta um esquema do meu pensamento político, excepto em termos bastante superficiais. Gostaria de ver encorajado ao máximo o pensamento independente, em todas as sociedades, porque estou convencido de que os actos criadores que beneficiam a humanidade só vêm de indivíduos auto-suficientes que procuram adquirir conhecimentos sem olhar às susceptibilidades das autoridades ou ao peso das convenções.
    Tinha esperança que uma sociedade organizada nestes moldes proviria ao bem-estar material de todos os cidadãos, que o grau de organização seria apenas o indispensável para tornar possível uma vida estável, e que todos os membros dessa sociedade fossem encorajados a participar na vida pública.
    Os valores dessa comunidade andariam à roda de procurar para cada pessoa uma tarefa que se provasse coincidir com a sua própria preferência. O trabalho não devia ser actividade que não provoca nenhuma satisfação criadora, e que as pessoas suportam como uma pena de trabalhos forçados. Os aglomerados sociais deveriam ser pequenos, e prevalecer um princípio federativo entre os diferentes aglomerados. deveria dar-se realce à diversificação de culturas entre os aglomerados sociais, e a organização mundial devia ter as diferentes culturas em grande consideração. Desta maneira, a necessidade de tratar de problemas correntes por meio de um regulamento mundial não seria incompatível com a existência de sociedades liberais e da liberdade política e cultural.
    É evidente que este é um quadro ideal, diferente do mundo que nos cerca. Estou convencido de que a consciência individual deve levar os homens a fazerem sacrifícios por um ideal assim. Pode parecer uma esperança longínqua, no momento presente, especialmente porque os homens gastam tanta energia a fazer mal uns aos outros e em projectos de destruição. Eu creio, apesar de tudo, que o homem é capaz de ter essa maneira de viver, e espero que os jovens como você considerem que vale a pena fazer sacrifícios para a alcançar.

Atentamente

Bertrand Russell

                                                         

   «... Pela leitura de Which Way to Peace? depreendi que na altura em que o escreveu era um pacifista total. Parece-me que o regime desumano de Hitler o fez mudar de ideias. Também me parece que agora, ainda que surgisse um outro Hitler, voltaria ao Pacifismo Total por causa da potência das armas termonucleares... Quero agora dizer-lhe que o Sr. talvez não tenha... experimentado nunca as circunstâncias que, a serem por si experimentadas, o fariam mudar de ideias em 1939. Quero com isto dizer que o seu raciocínio era, fatalmente, feito a frio; que, se tivesse alguma vez estado em contacto com, digamos, mulheres e crianças mutiladas pelas bombas, se teria conservado Pacifista Total...»

 

12 de Outubro de 1956

Caro Senhor:

    ... Nunca fui pacifista total nem outra coisa qualquer total. Entendo que um acto deve ser julgado bom ou mau pelas consequências que produz; o acto bom é o que entre todos os actos possíveis dá maior saldo entre as boas e as más consequências. As normas gerais, tais como 'Não roubar' e Não matar' são boas na maior parte dos casos, mas há excepções.
    Pergunta-me se estive alguma vez em contacto com sofrimento prolongado causado pela guerra a pessoas inocentes. Não estive. Posso por minha vez perguntar-lhe: esteve alguma vez em Auschwitz, a ver grande número de judeus inocentes caminhando como um rebanho para a câmara de gás? se não esteve, então, para empregar as suas próprias palavras, 'o seu raciocínio é, fatalmente, feito a frio'.

Atentamente

Bertrand Russell

 

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OUTRAS

  

   Através das cartas de Russell descobrem-se facetas muito interessantes da sua personalidade. As cartas que a seguir apresentamos constituem uma excepcional janela aberta sobre Russell, não o homem famoso mas o ser humano de carne e osso. Salpicadas com a pimenta de ditos de espírito, elas revelam muito da profundidade, da bondade pessoal, do calor humano e sensibilidade de Bertrand Russell.
    A curiosidade insaciável do público é um destino especialmente reservado aos bafejados pela fama e Bertrand Russell não fugiu à regra geral. A sua fotografia e o seu autógrafo foram dos mais cobiçados. As pessoas compravam os seus livros e depois mandavam-lhos para que os assinasse. Afogavam-no num mar de esboços e desenhos.
    Russell tem para todos uma palavra simpática e de ajuda. Responde com bom humor, não elevando falsamente os seus gostos e não transformando nunca as suas preferências  em fetiches. As cartas hostis - e ha um grande número delas - nunca são tomadas pessoalmente. Responde-lhes com aprumo e vigor de tal modo que as suas respostas conseguem ser sempre construtivas.

 

    «Estou a preparar um livro de cozinha com receitas enviadas por pessoas de renome universal... A sua contribuição para este livro, se nos mandasse a sua receita favorita, seria uma grande honra para nós...»

 

 

15 de Junho de 1960    

Cara Miss Hellman:

    ... A minha receita favorita é a do 'Pudim do Lorde John Russell' que aparece em Mrs Beeton. Nunca provei o pudim nem sequer o vi confeccionado, mas escolho-o por devoção nepótica.

 

Atentamente

Bertrand Russell

 

   «... Tenho 14 anos... Um dos meus passatempos é coleccionar os títulos das canções favoritas de pessoas famosas...»

 

19 de Outubro de 1962     

Caro Mark Evans:

    Recebi a sua carta que muito e muito agradeço. A minha canção favorita é «Sweet Molly Malone» que canta as ruas de Londres.

 

Atentamente

Bertrand Russell

 

   «... Se fosse possível, gostaria que me mandasse a sua fotografia autografada. Diga-me também se houve algum livro que tivesse tido uma influência especial na sua vida. Diga-me, se faz favor, os nomes de alguns livros de que tivesse gostado quando era pequeno...»

 

8 de Dezembro de 1965     

Caro Sr. Ellisor:

    Os livros de que mais gostei quando era pequeno foram os de Lewis Carroll e Edward Lear. Não sei de nenhum livro que me tivesse influenciado de maneira especial.
    Junto envio uma fotografia autografada.

 

Atentamente

Bertrand Russell

 

   «... Sendo ateu, celebra o Natal?...»

 

29 de Dezembro de 1964     

Cara Miss Baker:

    Recebi a sua carta, que muito agradeço... Não atribuo ao Natal qualquer significado religioso, mas acho que é um costume agradável, e não sinto necessidade de fugir à sua celebração só porque lhe não dou qualquer importância ritual...

Atentamente

Bertrand Russell

 

     «Sou Director de um dos cinco departamentos desta nova escola... dêmo-lhe o seu nome... Se tivesse tempo de nos escrever e nos pudesse mandar alguns exemplares dos seus numerosíssimos trabalhos... Seria um grande estímulo... esta pequena secção da nossa população estudantil receber notícias suas...»

 

2 de Novembro de 1966     

Caro Sr. Ure:

    Quando ouvi falar em Russell House imaginei centenas de rapazes a mostrar tanto interesse pelo meu trabalho que seriam capazes, com o tempo, de me virem ajudar a tratar das centenas de cartas que recebo e a que tenho de responder. Só a audiência dessa ajuda justifica o atraso desta carta.
    Junto envio um pequeno trabalho que espero interessar-lhe, e pedi à minha secretária para lhe mandar outros.
    Com os meus melhores cumprimentos, sou

Atentamente

Bertrand Russell

 

   «... Pode ver-se facilmente o género de idiota que o Sr. é pela leitura da sua chamada filosofia. Aqui há tempos li num jornal suíço, de língua alemã, que o Sr. tinha dito: 'Estamos a viver numa conjuntura em que temos três revoluções pela frente: a luta da juventude contra os mais velhos; a luta dos insensatos contra a inteligência...'
    ... As três revoluções que tanto lhe preocupam o espírito não estão nada à nossa frente; têm marcado todas as gerações através dos séculos.
    ... De... um suíço vulgar, nem lorde nem filósofo.»

 

   30 de Agosto de 1958     

Caro Senhor:

    Há um tipo de idiota de que não falou. É o tipo que acredita em tudo que lê nos jornais. Nunca fiz as declarações que cita.

Atentamente

Bertrand Russell

 

     «... Senhor Russell, o que pensa do casamento de homens mais velhos, amadurecidos e ilustres como o Sr., e raparigas jovens, alegres e com boa dentadura - como eu?...»

 

  28 de Novembro de 1964     

Cara Miss Murray:

    Recebi a sua amável carta, que muito agradeço. Já sou casado - e feliz...
    Com os meus melhores cumprimentos, sou

Atentamente

Bertrand Russell

 

 

   «Quero dar-lhe os meus parabéns pela sua atitude corajosa contra a Bomba H... Como velho reformado que sou faço uns desenhos para me entreter, e considerava-me muito honrado se autografasse o que junto envio...»

 

2 de Outubro de 1961    

Caro Sr. Spence:

    Assinei o desenho, mas espero sinceramente que reconsidere o formato do nariz.

Atentamente

Bertrand Russell

 

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Olga Pombo opombo@fc.ul.pt