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Sismologia-GPS

V. B. Mendes e J. Madeira

Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa 

Laboratório de Tectonofísica e Tectónica Experimental/Instituto Dom Luiz 

Data de colocação on-line: 22 de Abril de 2010


O Sismo do México de 4 de Abril de 2010 

 

O Sistema de Posicionamento Global (GPS) é essencialmente conhecido pelas suas aplicações associadas à navegação e posicionamento de baixa precisão.  As aplicações científicas são menos divulgadas, em particular aquelas que envolvem as Ciências da Terra. Com o desenvolvimento de hardware e software que se tem verificado nas últimas décadas, o GPS pode funcionar hoje como um sensor de movimento a diferentes escalas temporais. Exemplos disso são: (1) Geodinâmica global, com a análise do movimento das placas tectónicas e deformações nas suas fronteiras, que envolvem escalas temporais de anos a décadas; (2) movimentos dinâmicos com escalas temporais de dias a meses; (3) movimentos dinâmicos de curto período associados a sismos, com escalas temporais de segundos a minutos.

A principal diferença entre a análise de dados para determinação de movimentos para escalas temporais longas e para efeitos de sismologia está na forma como as posições são determinadas. Em regra, para escalas temporais longas, é suficiente determinar posições diárias, com base em dados recolhidos durante 24 h, normalmente a cada 30 s. Existem actualmente várias redes de estações permanentes em todo o globo com registos de dados GPS. A determinação da posição das estações é feita com grande rigor num referencial bem definido, utilizando órbitas GPS pós-processadas, que têm uma incerteza de apenas alguns centímetros.

Para escalas temporais muitos curtas, a posição tem que ser estimada época a época, sendo necessário uma frequência de registo mais elevada: 1 Hz (uma vez por segundo) ou superior. Esta determinação de posição pode ser feita em modo de posicionamento preciso pontual (conhecido pela sigla PPP, de Precise Point Positioning) ou em modo relativo, situação em que uma estação é usada como referência. A técnica PPP permite uma aplicação global e é independente da existência de uma estação de referência, mas tem menor precisão que a técnica de posicionamento relativo. Nas situações em que se quer fazer a aplicação do GPS na análise de um sismo, por exemplo, o posicionamento relativo tem as limitações inerentes à dificuldade de encontrar uma estação suficientemente afastada do epicentro que sirva como referência, já que esta poderá também estar afectada pelo mesmo tipo de oscilação sísmica que outras estações em análise.

O conceito de Sismologia-GPS surgiu há cerca de uma década e teve maior divulgação depois da sua aplicação na análise do sismo de M7.9 de Denali (Alaska), ocorrido em 3 de Novembro de 2002.

Neste trabalho, faz-se uma análise do sismo do México (Sierra El Mayor), ocorrido no dia 4 de Abril de 2010, numa região de contacto entre as placas Norte-Americana e do Pacífico. Nesta zona, a placa do Pacífico move-se para NNW a uma taxa de 4.4 cm/ano em relação à placa Norte-Americana, de acordo com os modelos geológicos, como o NUVEL IA. A poucas dezenas de quilómetros do epicentro existe uma rede densa de receptores GPS com registos de alta frequência (1 Hz). Nesta análise são utilizados dados de 5 estações do Plate Boundary Observatory (PBO) (Figura 1).  A análise é feita usando posicionamento relativo, sendo usada como  referência a estação P066, que fica localizada a cerca de 100 km do epicentro. 

Localização
Figura 1 - Localização das estações GPS usadas, do traçado da rotura superficial (a vermelho) e do epicentro (estrela amarela).  
 

A figura 2 representa as variações nas 3 componentes (Norte, Este e Vertical) de um referencial local para as diferentes estações e para todo o dia do sismo (86400 s), relativamente à estação P066. O sismo dá-se às 22:40:42 UTC, ou seja 81643 s após as 0 h UTC. Para melhor visualização, as variações são apresentadas com uma diferença de 5 cm no eixo dos YY. É perfeitamente visível o movimento co-sísmico (deslocamento das estações em relação à posição que tinham antes do sismo) nas componentes Norte e Este, sendo este pouco significativo para a componente vertical (os deslocamentos relativos atingem um valor máximo da ordem de 1 a 2 cm, mas com uma grande incerteza). O período anterior ao sismo (pré-sísmico) não parece revelar qualquer deformação significativa.

Movimento co-sísmico
Figura 2 - Variação das coordenadas nas três componentes do referencial local desde o início do dia 4/4/2010, revelando o movimento co-sísmico.  
 

Para a componente Norte, os movimentos em relação à estação de referência são da ordem do decímetro, sendo mais pronunciado para a estação P494 (-17 cm), já que esta se encontra na direcção da falha que sofre a rotura e é também a mais próxima da estação de referência (cerca de 45 km).  À medida que nos afastamos da estação de referência, o movimento co-sísmico é menor e não é significativo para a estação GMPK (localizada a cerca de 130 km da estação de referência). O movimento co-sísmico relativo para as estações P497 e P500 é de -8 cm e -5 cm, respectivamente.

Para a componente Este, o movimento co-sísmico é menor, mas é observado em todas as estações. A maior variação regista-se na estação P500, que está praticamente no enfiamento Este-Oeste em relação à estação de referência (12 cm de deslocamento relativo) . Para as restantes estações, os deslocamentos relativos são de 10 cm (P494), 8 cm (GMPK) e 6 cm (P497).   

No conjunto os deslocamentos indicam movimentação para SE das estações situadas a NE da rotura superficial, concordante com a movimentação da placa Norte Americana, relativamente à estação de referência. 

O sismo de 4 de Abril ocorreu num sistema de falhas transformantes de direcção NW-SE que constitui a fronteira entre as placas Norte Americana e do Pacífico. A cinemática nesta região corresponde a desligamento direito, com a Placa do Pacífico a deslocar-se para NW relativamente à Placa Norte Americana. Para NW este sistema de falhas tem continuação pela zona de Falha de Santo André. A rotura de 4 de Abril deu-se numa falha pertencente ao sistema de falhas de Laguna Salada (Figura 1). Ocorreu rotura superficial (isto é, a falha rompeu até à superfície topográfica deslocando-a) ao longo dos relevos localizados a Este de Laguna Salada. As roturas apresentam movimentação em desligamento direito associada a componente vertical, com abatimento para Este, que parece ser alternadamente normal e inversa (provavelmente em resultado de variações da direcção das roturas). A componente de desligamento é muito evidente em linhas de água e estradas desviadas para a direita (Figura 3). O valor do deslocamento observado no campo poderá ter atingido 2 m (Figura 4). Estas observações são compatíveis com o mecanismo focal publicado (National Earthquake Information Center, United States Geologic Survey); as réplicas estendem-se por 125 km para um lado e outro do epicentro (desde o extremo norte do Golfo da Califórnia até próximo da fronteira México-USA).

   
Figura 3 - Estrada deslocada pela rotura superficial. Por se situar próximo do extremo norte da rotura o deslocamento é, aqui, já relativamente pequeno.(Foto gentilmente cedida por Tom Rockwell)   Figura 4 - Rotura superficial da superfície topográfica da ordem dos 2 m. O sentido da movimentação é o que está representado pela fita métrica. (Foto gentilmente cedida por Tom Rockwell) .
 

Os gráficos seguintes (Figura 5)  representam os primeiros 10 minutos do período pós-sísmico, que mostram claramente a oscilação devida às ondas de superfície nas diferentes estações. O GPS permite, assim, identificar os movimentos de curto período associado às ondas de superfície geradas pelo sismo, actuando como um sismómetro. Em situações em que os sismómetros fiquem saturados (o que acontece em sismos de grande magnitude) ou onde essa instrumentação não exista, as observações GPS com elevada frequência podem constituir uma informação complementar de grande valor.  

Movimento na componente Norte-Sul  Variação da componente Este-Oeste  Variação da componente vertical 
Figura 5 -  Variações nas 3 componentes de posição num referencial local (Norte, Este e Vertical) no período do sismo (total de 10 minutos), em relação à estação de referência P066.
 

Agradecimentos

Os dados foram disponibilizados pelo  Plate Boundary Observatory e processados utilizando o software TRACK  (desenvolvido pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), SIO (Scripps Institution of Oceanography) e  Harvard University), com órbitas do IGS (International GNSS Service). As figuras foram produzidas usando o software GMT (Generic Mapping Tools). As fotografias foram gentilmente cedidas por Thomas K. Rockwell (San Diego State University).

Algumas vídeos com  interesse:

http://video.najoomi.com/videos/60_ovi8xAL8/Terremoto-Mexicali-Plaza-Centenario-abril-2010-%E2%98%85.html

http://www.youtube.com/watch?v=oeB-e3yBIho&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=o9dIgMslzGg&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=1ILvlWTI620&feature=related