O Liceu

O Liceu é uma invenção de Aristóteles. Fundada em 335 a.C., no bosque consagrado a Apolo Lykeios,  num subúrbio a leste de Atenas, perto do Lyceum, um dos três Gymnasia de Atenas, a escola foi instalada em várias casas, construídas num grande parque plantado de árvores  que Aristóteles alugou para o efeito. Sempre o jardim a espreitar o destino da escola! 

A palavra Liceu é retomada muito mais tarde. Por Condorcet e por todos os que, na sua esteira, vão lutar pela construção  de um modelo estatal de escola secundária. 

Em Portugal, o primeiro Liceu é criado em Lisboa em 1839 e em 1840 é inaugurado o liceu do Porto. Seguem-se, em 1845, os liceus de Braga e Évora, em 1948, os de Santarém, Viseu, Angra, Funchal, Beja, Castelo Branco, Guarda, Vila Real. Em 1860 é inaugurado o Liceu de Aveiro, o primeiro a ter um edifício expressamente construído para o efeito. Na primeira metade do século XX, o  Liceu em Portugal vai ser objecto de sucessivas reformas. Com o estado Novo, o perfil elistista do Liceu face à Escola Técnica é claro e nítido. 

E, daí para cá, a palavra ficou como que condenada a representar a ideia de uma escola que participava, do lado dos vencedores, na grande partilha pela qual os filhos das classes favorecidas  - que se destinavam a estudos superiores e que, para isso, frequentavam o Liceu - eram separados  dos filhos do povo - que não podiam aspirar a esses estudos e, por isso, eram, quanto muito, recebidos nas então chamadas Escolas Técnicas. 

A "Reforma Veiga Simão" marcou o fim dessa violenta e cruel cisura. A palavra Liceu vai  então, e compreensivelmente,  ter que ser exorcizada, banida em favor da  expressão Escola Secundária. No fim da instrução primária, todas as crianças, pobres ou ricas, passam a ter - pelo menos formalmente - igual acesso ao "ensino unificado", isto é, à "Escola do Ciclo Preparatório" e, mais tarde, à "Escola Secundária". 

Os antigos Liceus tiveram pois que mudar de nome. Abriram as suas portas à avalanche de todas as crianças de todas as classes sociais e passaram a designar-se Escolas Secundárias. O antigo Liceu Camões passou a chamar-se Escola Secundária Camões. "O" Maria Amália, "o" Pedro Nunes", passaram a  designar-se por Escola Secundária Camões, Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho, Escola Secundárioa Pedro Nunes. Digamos que, desta vez, o feminino passou a estar na moda.

Porém, por inexplicáveis razões, o Liceu  D. Joãon de Castro conseguiu resistir ao Decreto-lei n.º 80/178 de 27 de Abril que estipulava que “todos os estabelecimentos de ensino secundário passam a ter a designação genérica de escolas secundárias”. A  Escola Secundária D. João de Castro continua, para aqueles que lá vivem e trabalham, para as pessoas do bairro, do Alto de St. Amaro, a ser conhecida pela designação masculina de "Liceu D. João de Castro". Digamos que, aqui, por alguma inexplicável razão, a palavra  Liceu resiste à ruína da instituição que designa. 

Actualmente, por determinação recente do Ministério da Educação, o Liceu D. João de Castro tem a sua morte anunciada .  O que é sem dúvida estranho e doloroso. Sobretudo depois de uma existência tão atribulada ao longo da qual esta escola (que teimou conservar o nome de liceu) parecia ter finalmente conseguido coincidir com o seu próprio espaço. 

Como explicar a vontade de fazer desaparecer esta escola donde se vê o Tejo? 

  • Interesses empresariais de mais rentável ocupação da belíssima localização da escola? Sem dúvida! 
  • Mas - quem sabe ? - talvez também como castigo pela sua teimosia em manter-se agarrada à antiquíssima designação de "Liceu".

Como salvar hoje a ideia Aristotélica de Liceu? 
Como resgatar a palavra à sua corrosão elitista? 
E, para quê fazê-lo? 
Por que razão ?

 

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt