Dois Longínquos Lugares da Escola

Escola chinesa, luso-chinesa e portuguêsa em Macau



Mapa de Macau

Macau é um pequeno território que esteve sobre administração portuguesa desde 1557 até 1999. Não tendo sido englobado no processo da descolonização, levado a cabo logo após o 25 de Abril de 1974, Macau veio a beneficiar em 1976 de um novo estatuto orgânico segundo o qual passou a constituir uma pessoa colectiva de direito público, a quem foi reconhecida autonomia administrativa e económica, financeira e legislativa.  Actualmente, Macau é uma Região Administrativa sob soberania chinesa. Composto por uma península e duas ilhas (Taipa e Coloane), o seu território situa-se na costa meridional da China, a oeste de Hong Kong, no delta do Rio de Cantão, com 16 Km2.

Para além de uma intensa actividade comercial e de prestação de serviços, concentram-se em Macau grandes indústrias de cimento, tabaco, chá, panchões, tecelagem, fiação de seda, calçado, fósforos, artigos de plástico e de borracha, etc. Pela importância que o  jogo e o turismo desempenham na sua economia, Macau é muitas vezes considerado  a Las Vegas do Oriente. 

Escolas Chinesas

          As escolas chinesas em Macau têm a particularidade de exigirem dos seus alunos um comportamento extremamente ordeiro. Todas têm como norma o uso de farda, e têm orgulho no símbolo da sua escola.

Devido ao limitado espaço de Macau, a maioria das escolas está instalada em altos edifícios e o recreio é muitas vezes o terraço desse mesmo edifício. Apesar das condicionantes espaciais, é generalizado o acesso a livros e meios tecnológicos, sendo a Internet de uso cada vez mais intenso dentro das escolas. A sala de aula tem o formato nosso conhecido: as carteiras individuais (é estimulado um certo individualismo no estudo), a ardósia ou o quadro branco, o giz ou as canetas, a secretária do professor em frente aos alunos, na maioria das escolas em cima de um estrado.

Apesar do formato ocidental, a  herança do tempo dos mandarins faz-se sentir  em princípios que prevalecem como o da autoridade, o do formalismo e o culto da memória. Esta educação extremamente verbal e livresca começa com a dificuldade de conhecer a língua chinesa que, pelo facto de ser ideográfica, torna difícil o seu extenso conhecimento, sendo o número de caracteres que um indivíduo conhece, proporcional à sua cultura.

Escolas Luso-Chinesas

O ensino em Macau sempre teve dificuldades acrescidas pelo facto de se encontrar no ponto de encontro de duas culturas. A população de origem chinesa tem como língua materna o cantonês e a administração portuguesa, tentando deixar o seu legado, tem procurado implementar o ensino do português. É assim que surgem as Escolas Luso-Chinesas, aquelas em que o ensino do Português existe a par da língua chinesa. 

Nestas escolas surgem diversos problemas, pois a Língua Portuguesa é cada vez considerada um língua estrangeira e a motivação para a sua aprendizagem por parte dos alunos e das respectivas famílias é praticamente inexistente neste momento. 

O Liceu de Macau

O Liceu de Macau, em conjunto com os Salasianos João D. Bosco, foram as duas únicas escolas secundárias que ensinaram, desde sempre em Português.

A 30 de Junho de 1893, foi aprovado pelo Governo de Portugal o projecto regulando o ensino em Macau, cujos art.os 3.º e 4º diziam:

  • “ Art. 3.º - A instrução secundária será ministrada no Liceu Nacional de Macau, criado por esta lei.
  • Art. 4.º - O liceu Nacional de Macau é equiparado, para todos os efeitos, em categoria aos liceus nacionais do reino”.

O liceu foi inaugurado com 31 alunos a 28 de Setembro de 1894, ficando instalado no convento de Stº Agostinho, um antigo quartel da extinta Guarda Policial. Este edifício com arquitectura tipicamente colonial, acabou por ruir, tendo o liceu encontrado pelos casarões de Macau diversas moradas, nenhuma definitiva. Em 1986, o Liceu de Macau conhece a sua última morada, antes da transferência da administração portuguesa de Macau para a China, em 1999. Nesse ano, inaugurou-se a Escola Portuguesa em Macau, que ainda hoje lecciona em português.

Ao longo da sua história, o liceu macaense teve muitas vezes em risco de extinção devido ao seu diminuto número de alunos. Apenas 31 alunos inauguraram este estabelecimento de ensino, o que fez com que na imprensa local se lessem comentários que reflectiam o temor da população macaense em que o governo da metrópole viesse a extinguir a recém-criada escola: "é necessário, portanto, providenciar para que a frequência seja mais numerosa, se não quiserem que o lyceu tenha uma bem curta existência", dizia o Echo Macaense de 24 de Outubro de 1894. No conselho escolar confessava-se também que se, no ano seguinte, fosse escasso o número de alunos, pois grassando a peste bubónica e tendo-se já encerrado, por este motivo, as aulas no Seminário e na Escola Central, o Liceu de Macau teria pouco tempo de vida. Já dizia o professor de filosofia Camilo Pessanha, na sessão de 20 de Maio de 1895,"que não estava convencido que houvesse grande perigo, digo prejuízo para a salubridade em continuarem funcionando as aulas, sendo tão espaçoso como o edifício do lyceu e tão diminuto o número de alunos que o frequentam". Apesar destes temores, meses depois, a 29 de Setembro do mesmo ano, foi inaugurada, no edifício do liceu a Biblioteca Nacional de Macau, que forneceu, tanto aos alunos como à população macaense em geral, um excelente meio de acesso à cultura. Resistindo sempre, às diversas crises, o Liceu de Macau chega a 1998, 104 anos depois da sua inauguração, com 1500 alunos.

 

O último edifício do Liceu de Macau, projectado em 1978, foi  inaugurado a 4 de Janeiro de 1986.  O autor do projecto é o arquitecto Tomás Taveira. 

   O Liceu ocupa uma área de 18.000 m2, dos quais 8.000 m2 são ocupados pelo edifício. Neste amplo espaço, pouco habitual em Macau, foi possível constituir  campos desportivos, extensas zonas de convívio e pátios interiores para os alunos utilizarem no dias de mau tempo.


 Fotografia do Liceu de Macau

        O Liceu de Macau está equipado com salas específicas apetrechadas com material moderno, havendo a destacar a sala de informática, que conta com 24 terminais, laboratórios de línguas, laboratório de ciências naturais, laboratórios de física e de química, sala de música, sala de audiovisuais, etc. Do Liceu de Macau faz parte um Auditório com capacidade para 450 lugares, concebido para a realização de seminários, encontros, palestras, peças teatrais, etc. A Biblioteca, cujo espólio documental é, na sua maior parte, composto por documentos que  já recheavam as antigas instalações, tendo sido devidamente equipada, quer em meios humanos, quer em meios materiais. Para a prática da natação dotou-se o Liceu de uma magnífica piscina, cujas águas podem ser aquecidas no Inverno. No último piso  funciona o Centro Pedagógico-Didáctico (C.A.P.D.), cujo objectivo principal é, como a sua própria designação indica, o apoio pedagógico e didáctico aos docentes do Liceu e aos das escolas particulares do Território. A televisão educativa é também um das sua principais componentes.

          Este liceu é uma cópia do modelo de escola ocidental. Tratando-se da única escola onde se fala português em Macau, e como se pretendia com ele deixar um espaço representativo da presença portuguesa neste território chinês, houve um esforço para que  o modelo fosse seguido fielmente. O que teve com consequência que tivesse sido feito um simples transporte do modelo de escola ocidental sem que tenha havido a preocupação de o adaptar deste a um povo diferente. Esta é a causa das principais dificuldades que experimenta.

          A existência de dois grupos de alunos com distintos níveis linguísticos (os alunos cuja língua materna é o cantonês – com tendência para aumentar -  e os alunos cuja língua materna é o português - com tendência para dimunuir), tem como efeito uma série de dificuldades. Assim se compreende que a existência de uma escola com currículos portugueses, cuja língua de transmissão de conhecimentos é a segunda língua para a maior parte dos alunos, esteja em franco declínio. Quer isto dizer que, o formato do Liceu de Macau poderá resistir ao tempo, mas a Escola em Macau está definitivamente em mudança.

Nota Bio-Bibiográfica sobre alguns professores do Liceu de Macau

José Gomes da Silva 
(Porto, 1853 - Macau, 1905 )

Coronel médico, formado pela Escola Médica do Porto. Jornalista, escritor e botânico, publicou as obras seguintes: “Catálogo das plantas de Macau e Timor”, 1896; “Relatório sobre os serviços de Saúde de Macau e Timor, “, 1886-1888; “Viagem a Siam”, 1889; “ A República de Macau - História Amena”, 1896; “Regulamento do Serviço de Saúde de Macau e Timor”, 1898, etc.

Camilo de Almeida Pessanha
(Coimbra, 1867- Macau, !926)

Grande vulto da literatura portuguesa, foi professor de Filosofia, advogado e Juíz de Direito. Doou a sua colecção de arte chinesa ao Museu Machado de Castro em Coimbra. Publicou um volume de poesia “Clepsidra”, tendo colaboração dispersa na imprensa. O seu valioso espólio literário foi, infelizmente, perdido após a sua morte.

Wenscelau José de Moraes
( Lisboa, 1854 - Japão, 1929)

Oficial da Armada, Imediato da Capitania de Macau, Cônsul geral de Portugal no Japão. Publicou, entre outras as obras seguintes, “Traços do Extremo-Oriente”, 1895; “Dai-Nipon”, 1897; “Cartas do Japão”, 1902-1904; “A vida Japonesa”, 1905-1906; “ O culto do Chá”, 1905; “Paisagens da China e Japão”, 1906.

 

Mateus António de Lima
(Cabo Verde, 1862 - Lisboa, 1948)

Nasceu em Ribeira da Torre, Ilha de Sto Antão, a 21 de Setembro de 1862. Foi Oficial de Artilharia. Nos anos de 1883 a 1888 cursou na Escola Politécnica de Lisboa. Obteve diploma de curso em Engenharia Civil, Mecânica e Minas pela Escola de Pontes e Calçadas de Paris em 1891. Foi professor em Macau onde exerceu também engenharia civil. Foi membro do Conselho Legislativo de Macau e teve ligações muito estreitas ao Leal Senado.

[Dois Longínquos Lugares da Escola] [A Resistência da Escola no Afeganistão ou A Vontade de Estudar]
[Bibliografia]

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt