Tipos de professores

"Tenham ao menos os professores de agora a consolação de saber que o que dizem e que fazem fica (às vezes perversamente) assinalado por uma vida inteira. Sempre é uma pequenina imortalidade..."

Mário de Carvalho, Professores

 
O entusiasta O paciente O dedicado
O educador O fleumático

O orador

O irónico O repetidor

O sábio

O emancipador O ausente O perdido
O descontente O tirano O autoritário
O colérico O forreta O agressivo
  O corajoso  

O entusiasta

"Nunca mais esqueço o entusiasmo com que ele nos contou como Aníbal (pronunciava Hannibal, à latina, com agá aspirado e acento na primeira sílaba) tinha levado os elefantes pelos Alpes, por sítios onde um homem não passava."

 

 

Mário de Carvalho, Professores

O paciente

"Animado da melhor boa vontade e santa paciência, na própria aula, o mestre condescendia em estudar a lição com ele. "

 

 

Aquilino Ribeiro, A Grande Casa de Romarigães

O dedicado

"E todo aquele enxame de crianças era seu, todos estavam entregues à sua guarda. Tinham almas de cera onde ele ia gravando os primeiros sulcos, não bem os primeiros talvez, porque a vida se encarregava de riscar outros sulcos, bem mais fundos logo ao nascer. Queria ser bom, ter muito dinheiro, fazer dos meninos gente de bem, ensinar-lhes o caminho seguro de vida, torná-los fortes para a luta que iriam travar desde pequenos..."

 

Virgílio Ferreira, Vagão "J"

O educador

"Já a presença do Brown, um herético, um protestante, como preceptor na família dos Maias, causara desgosto em Resende. Sobretudo quando o Sr. Afonso tinha aquele santo do abade Custódio, tão estimado, homem de tanto saber... Não ensinaria à criança habilidades de acrobata; mas havia de lhe dar uma educação de fidalgo, prepará-lo para fazer boa figura em Coimbra..."

 

Eça de Queiroz, Os Maias

O fleumático

"Na altura, quem nos dava aulas de Português era Mário Dionísio. A grande fleuma, a voz inalterada, os gestos discretos, a ironia fina, colocando-nos ao nível de quem era capaz de perceber uma ironia - impressionaram os meus quinze anos."

 

 

Mário de Carvalho, Professores

O orador

"Discorria com uma inteligência, uma capacidade de associação, um maneio cultural que eu nunca tinha encontrado antes. Aqueles textos do programa, noutras circunstâncias rebarbativos e massudos, tomavam ali vida, impregnavam-se de história, naquela sala de aula."

 

Mário de Carvalho, Professores

O irónico

"Tu falas de mais, elucidou. Eu, por minha parte, podia castigar-te, mas sou a priori amigo dos meus alunos. Por isso, em vez de castigo, vou dar-te uma aula teórica e uma aula prática sobre falatórios."

 

 

Nuno Bragança, A Noite e o Riso

O repetidor

"Que sabem os professores? O que vem nos livros, nada mais ... Julgam que sabem muito, mas não sabem nada. O que eu sei ninguém me ensinou. Aprendi-o comigo mesmo. São uns realejos. Eu não gosto de realejos ... É só dar à manivela. Têm lá dentro uma peça de música. Os professores são assim também. Metem na cabeça o que vem nos livros e, depois, dão à manivela. "

 

João Gaspar Simões, Internato

O sábio

"Telmo não se compadecia com a disciplina imposta aos educandos pela férula e a vergasta. Da pauta pedagógica não se fala. A regra fazia carneiros e aquele menino gostava de pensar, bem ou mal, pela sua cabeça. "

 

 

Aquilino Ribeiro, A Ilustre Casa de Romarigães

O emancipador

"Pegar num miúdo "punk" que tinha sido escorraçado, puxado para fora dos limites, ignorado, categorizado, e dar-lhe atenção, disciplina, esperança, educação. Observá-lo então a progredir contra as desigualdades."

 

Jack Lymn, The Professor

O ausente

"O professor já lá não estava. De há muito fazia contas no quadro, muito pequeno, muito franzino, no seu sobretudo preto. ... Nos bicos de pés, para chegar ao alto do quadro, capitão Galhardo apagava o que escrevera na lousa."

 

João Gaspar Simões, Internato

O perdido

"Era um homenzinho débil, vestido à paisana, com um sobretudo preto muito cheio de lustro. Tão pequenino era que parecia uma criança. Dir-se-ia uma criança com feições de velho. Tinha um chapéu na mão, um livro debaixo do braço, e parecia estar ali por acaso, como se aquilo não fosse a porta de uma aula, mas a esquina de uma rua, onde ele se houvesse detido a pensar qual o caminho a seguir: pela direita ou pela esquerda?"

João Gaspar Simões, Internato

O descontente

"Tenho uma turma difícil.- Maria José, depois do jantar, admirada subitamente por nunca lhe haver falado nisto. - Nunca fui professor, que queres que te diga? Para mais conservava dos velhos tempos do liceu um ódio quase mortal, e sob muitos aspectos injusto, pelos professores e sobretudo pelas professoras."

Augusto Abelaira, Enseada Amena

O tirano

"O mestre, que tinha sido um valente cabo de milicianos, era um velho rabujo, de pêlos nas orelhas, que pouco mais sabia do que os alunos, que ensinava... Mas a despeito de tudo isto, era um tirano, como o são quase todos os ignorantes. - Como? - bradou o mestre, descarregando com o junco pelas orelhas.- Vem cá - chamou de afogadilho o mestre - já aqui, seu atrevido. E bateu com a palmatória na mesa. O Gabriel poisou o livro no lugar e aproximou-se. Aqui já."

 

Alberto Braga, O galo preto

O autoritário

"Alguém tinha colado os lábios à porta entreaberta gritando-lhe a alcunha que o enfurecia:- Obsoleto!Descansou o ponteiro junto da ardósia e sentou-se. Respirou fundo. Tinha, enfim, conseguido o ascendente, tinha-os sob a sua alçada, mansos."

 

 

Faure da Rosa, Contos e Poemas

O colérico

"Voaram papéis. Objectos metálicos zuniram, chocavam na ardósia, na secretária, caíam a seus pés. Alguém abriu a porta, saiu, e, seduzido pela farsa, tornou.Tomado de cólera súbita, que não conhecia, berrou:- Calem-se! - o tom roufenho, seco. A vozearia abrandou um tanto e, animado com isto, numa febre de vingança, tomou o ponteiro a mãos ambas e à toa, cego, zurziu, sem definir um alvo. Ora atingia uma cabeça que se esgueirava, ora malhava num braço em atitude defensiva, ora em falso, escorregando.Perante tão inesperada força todos se refugiaram aquietados. Surpreendido com este seu minuto de reacção, Tiago, num segundo, percebeu que era o momento que devia segurar para sempre. Postou-se frente à turma, pernas afastadas, apoiado ao ponteiro e, de olhos fuzilando ordenou:- Todos para os seus lugares! Seguiu-se um arrastar precipitado de pés e foi mais exigente:- Menos barulho!..... Quero disciplina, ouviram? Disciplina, compostura!"

Faure da Rosa, Contos e Poemas

O forreta

"Tirei dezoito, pai. Foi a maior nota da escola. Se tivesse visto os exames que fiz... Em escrituração, não falhei um lançamento. O professor deu-me dezoito e disse para o presidente do júri que o vinte ficava para ele."

 

Alves Redol, Chave do Mundo Anúncio

O agressivo

"Caluda, sua canalha! Não vêem que está gente de fora? Caluda, que vai tudo raso com bolaria! ...- Ora vê isto, Sr.ª Helena! Vê estes brutinhos?! - Caluda seus fedelhos! Caluda, porque se peço licença à Sr.ª Helena, começo numa ponta e levo tudo a eito, corro tudo a bolos, tudo, mas o que se chama tudo!"

 

Trindade Coelho, Para a Escola

O corajoso

"Um dia perto do Natal, o professor G. homem culto e sabedor, abordou-me: Vou deixar a turma C (ou D?) do quarto ano, que lhe vai ser confiada. Devo preveni-lo de que é a pior e mais indisciplinada do liceu. Tudo matulões da Alfama e vizinhanças, alguns já fazem a barba. Um deles é instrutor de futebol no Asilo Maria Pia. Já pode imaginar! São de tal ordem que durante este primeiro período não consegui dar nem metade do programa. Vá contando com dificuldades! ... 

O pobre homem, diante daquela hoste treinada na violência, no crime e na rebeldia, julgou chegado o seu fim. Que fez então? Expondo-se bem alto no estrado, pediu silêncio com um gesto e falou assim: "Olhai bem para mim: de frente, de lado, pelas costas. Que sou eu? Um raquítico, um aleijado, um corcunda de duas bossas: sem músculo, incapaz de agredir ou de se defender; um só, e pode derrubar com um sopapo, ou matar-me com um murro. Para isso nem é preciso ter coragem: basta a ousadia. Estou pois indefeso nas vossas mãos. Podeis abusar de mim, inutilizar-me a carreira, o ganha pão, a saúde e a própria vida. Mas se o não fizerdes, se me aceitardes tal como sou, fraco defeituoso; se me respeitardes como um ser humano, poderei então conservar o meu posto, e talvez transmitir-vos um pouco do que sei. Seremos camaradas e porventura amigos. Agora escolhei" ... e agora "rematei", "aqui estou eu diante de vocês, como o corcundinha suíço, exposto à vossa superioridade física. Decidam lá: querem a vitória da força ou do espírito?"... 

Foi uma das melhores turmas, talvez a melhor, da minha intermitente passagem pelo ensino secundário. Depois das aulas, os rapazes reuniam-se fraternalmente à volta da minha mesa, para discutir algum ponto da lição ou os seus próprios problemas de adolescência. Foram para mim bons amigos e camaradas; e eu para eles, o conselheiro que podia ser. E o que é mais: cumprimos nesse ano o programa todo."

 

José Rodrigues Miguéis, Corcundinha

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