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Direitos, deveres e privilégios

No início da Idade Média, os estudantes e os mestres eram considerados clérigos e, portanto, podiam desfrutar de todos os privilégios concedidos a estes. O termo clericus denota simplesmente a qualidade formal e legal de associado da ordo clericalis, a esfera de acção legal da Igreja. Com o decorrer do tempo, o termo clericus tornou-se sinónimo de alguém que sabia escrever. O termo laicus segui o mesmo caminho, tomando, além da conotação não-eclesiástico, uma dimensão de ignorância.
Os privilégios eram um modo de proteger os indivíduos e, no caso dos estudantes, os privilégios eram especialmente importantes, visto que estes eram na sua maioria estrangeiros e como tal, sem nenhuns direitos nem qualquer protecção.
Havia dois tipos de privilégios: o privilégio de juridiction, que coloca os estudantes responsáveis por algum tipo de crime, apenas perante os tribunais eclesiásticos; e o privilégio de exemption, que isentava os estudantes dos pagamentos cívicos e fiscais (portagens, talhas, albinágio, etc.).
Os estudantes e os mestres estavam dispensados do serviço de ost, de guarda ou de cavalaria (em Bolonha). Podiam facilmente obter documentos administrativos, contratos e actos judiciais. Podiam obter empréstimos com a hipoteca da própria universidade. Não podiam ser presos pelo preboste, nem pelas sentinelas, nem pelos juizes civis, nem metidos na cadeia. No entanto se o crime fosse grave, eram detidos numa casa de estudantes sem sofrerem maus-tratos. Os estudantes podiam andar armados, mas só depois de jurarem que não as utilizariam. Em caso de litígio com um copista, o juramento deles é que contava. Quando algum estudante sofria danos em contendas políticas, estes ficavam cobertos por um seguro. Os seus bens nunca podiam ser confiscados nem os seus rendimentos congelados. Os estudantes estavam isentos de todos os direitos alfandegários, podendo vender as mercadorias que transportassem.
Mas não eram só os estudantes e os mestres a usufruir destes privilégios. Estes eram estendidos igualmente aos notários da universidade, os criados dos estudantes, os doutores ajuramentados, os bedéis, os "oficiais", os miniaturistas, os livreiros, os copistas, ou seja, todos aqueles que de alguma maneira tinham uma ligação com a universidade. 
No entanto, os estudantes também tinham que cumprir certas regras. Os estatutos das universidades eram o que se poderia chamar um código de bom comportamento. Contudo, com o decorrer dos anos foram tornando-se cada vez mais repressivos. Por exemplo, uma visita à cozinha já era considerada uma falta grave, sujeita a uma multa de 1 ou 2 soldos, o que, em 1493 seria o preço de uma pinta de vinho de Beaune; se o estudante se demorava um pouco mais a deambular pelas ruas da cidade, se chegava tarde para o almoço, não tinha direito à sua ração suplementar e tinha que se contentar apenas com pão.
O exagero dos privilégios e o modo como estes eram abusados por parte dos estudantes e mestres, deviam exasperar os burgueses das cidades universitárias, que por sua vez também tinham os seus privilégios.
O entusiasmo dos burgueses em face da ideia de ver surgir uma universidade na sua cidade nem sempre foi geral. Em Cambridge, o colégio Corpus Christi no ano de 1381, foi tomado de assalto e destruído, tendo os revoltados levado mapas, documentos e outros objectos preciosos e bens pertencentes ao colégio. Existe a descrição de uma mulher velha que enquanto atirava fora as cinzas dos livros, gritava: "Abaixo a competência dos clérigos! Abaixo a competência".

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Olga Pombo opombo@fc.ul.pt