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As nações:

constituição, organização e funcionamento

Vindos de toda a Europa para uma grande cidade onde iriam estudar e ficar a viver, os estudantes na Idade Média eram vítimas frequentes de injúrias e do escasso desenvolvimento dos serviços públicos, e viam-se então obrigados a satisfazerem as suas próprias necessidades. A fim de se defenderem e de melhorarem as suas condições de vida, os estudantes deslocados agrupavam-se então com outros não da mesma faculdade, mas da mesma nacionalidade - formando as designadas nações. Estas eram constituídas por alunos e mestres, podendo estes até fazer parte da direcção da nação nalguns casos, mas sendo dela excluídos noutros - como no sistema bolonhês de nações. As nações representavam para os seus estudantes algumas facilidades em termos de alojamento, alimentação, integração social e integração na Universidade. 
Regra geral, eram admitidos nas nações estudantes e mestres de todas as faculdades, mas não os membros de organizações religiosas. Também não participavam nas actividades de cada nação elementos exteriores a estas, excepto no caso dos convidados para as festividades serem "portadores da raça e genealogia" da nação. Os membros de uma nação estavam ainda proibidos de participar nos eventos de outras nações.
Apesar da entrada para a nação visar uma melhor integração social, a sua protecção e a melhoria das suas condições de vida e de estudo, os alunos novatos (os actuais "caloiros") eram frequentemente vítimas da sua própria ignorância e ingenuidade e dos abusos, brincadeiras, provas (por vezes pouco dignas e até cruéis) e exploração económica a que os estudantes mais velhos os sujeitavam. Eram considerados animais selvagens, estúpidos e sujos, e só após passarem por uma série de provações e serem apadrinhados é que começavam a ser respeitados e tratados como iguais. Nalgumas Universidades foram instituídos regulamentos que limitavam os maus tratos a que os alunos eram sujeitos.
As primeiras referências a uma nação aparecem em 1219 e 1222 nas bulas de Honório III, mas só em 1249 surge a primeira menção expressa a nações organizadas - neste caso da Universidade de Paris.
Sendo os membros das nações unidos por sentimentos de fraternidade, caridade e inteligência, pelo desejo de conhecimento e por afinidades culturais e linguísticas, unia-os também um outro factor - o seu nacionalismo. Foi precisamente este sentimento patrióticos muitas frequentemente levado a extremos que deu lugar a diversas disputas e rixas, por vezes sangrentas, entre as diferentes nações, ao longo de séculos.
Foram essas mesmas contendas entre nações que, juntamente com divisões políticas entre os países de origem dos estudantes (discórdias entre Roma e os reis de frança, o Grande Cisma e a Guerra dos Cem Anos, por exemplo), levaram ao surgimento de nações com caracter plurinacional (onde os estudantes se agrupavam com outros de Nações consideradas amigas) e ao surgimento de nações cujos estudantes e mestres se uniam em função da diocese a que pertenciam. Nas diferentes Universidades os critérios de constituição das nações eram frequentemente distintos.
Assim, foi-se assistindo à destruição e enfraquecimento de boa parte das nações devido às rixas entre elas e à má imagem pública dos estudantes universitários - apesar de generosos nas esmolas, os estudantes dedicavam-se bastante (e eram disso acusados) a actividades pecaminosas e que desrespeitavam as leis de Deus. Mais tarde, alunos de Direito da Universidade de Avinhão em 1441, e depois estudantes de outras nações, uniram-se para restaurar as suas instituições.
Unidos por um sentimento de devota fraternidade, os estudantes redigiram então um conjunto de capítulos respeitantes aos mandatos dos funcionários universitários, poderes e obrigações do prior e seus conselheiros nas nações (como a realização dos funerais dos membros da nação), substituição do reitor da universidade e apresentação do relatório de contas e actividades no fim de cada mandato, entre outros assuntos.
De acordo com todos os estatutos das nações, nestas deveriam ter lugar eleições regulares e livres, nas quais seriam eleitos os dirigente das suas assembleias. Havia ainda um procurados, que era o representante e porta-voz da nação, e que era remunerado através das quotas de admissão dos alunos e direitos sobre a compra de pergaminhos e selos vários. Para autenticar os documentos e actos oficiais, cada nação tinham ainda o seu próprio selo - que era guardado com todos os cuidados.

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As finanças das nações

No fim de cada mandato, o tesoureiro que havia sido escolhido deveria elaborar um relatório com o balanço das actividades, receitas e despesas da sua nação. Frequentemente, o saldo era negativo ou bastante próximo do zero porque, apesar das recomendações no sentido de o dinheiro ser gasto apenas para o bem da nação, era costume usarem-se os recursos económicos sobejantes no fim de cada mandato para pagar consumos em tabernas e noutros locais.
As entradas mais importantes e regulares de dinheiro em caixa eram fruto do pagamento das quotas, por parte de estudantes e mestres, juntamente com taxas pagas para a obtenção do grau de académico, taxas pagas pelos funcionários, verbas que os reitores recém-eleitos costumavam oferecer. A estas receitas juntavam-se outras aplicadas aos mestres por razões variadas, como a não assistência à missa ou à eleição do presidente da nação, por chagarem atrasados ou acabarem tarde as suas lições, ou por não impedirem os alunos da nação de violarem os estatutos desta. Em Paris, ou mestres ainda estavam sujeitos ao pagamento de uma espécie de imposto, para poderem ter a "grande honra" de leccionar naquela cidade.
Os bens mais importantes da nação - dinheiro, penhores, selo, cálices, livros e outros objectos de valor - eram geralmente guardados num cofre denominado arca ou cista, em local sagrado e a salvo dos ladrões - habitualmente uma igreja. Era ainda costume os cofres terem várias chaves, que eram distribuídas por vários membros da nação, representantes de diferentes grupos, e poderia até o reitor ter uma.
Entre as despesas mais significativas encontravam-se a cera e o azeite para os cultos religiosos, mas também era aplicado dinheiro na alimentação dos alunos com menos recursos, em esmolas para os mendigos, auxílio aos doentes, em padres e cerimónias religiosas, em festas e procissões, e para pagar a bispos, arcebispos, abades e irmãos que cantavam no coro da Igreja. Havia ainda dinheiro que era gasto na manutenção e reparação dos bens e propriedades das nações, gratificações a funcionários e, muito frequentemente, no vinho que se consumia nas inúmeras festividades que se realizavam, tanto por bons motivos como por motivos e pretextos mais fracos. Quando as despesas ultrapassavam as receitas, era frequente a nação ver-se forçada a desfazer-se de bens em seu poder, mesmo quando eram bem penhorados à sua guarda.
A partir do século XIV, tornou-se usual ainda os empréstimos de dinheiro aos alunos e professores (presumidamente) financeiramente mais carenciados e também àqueles alunos que, mesmo sendo ricos, pudessem necessitar de um adiantamento até que a sua família lhes enviasse mais dinheiro. Para que as dívidas fossem pagas a seu devido tempo, era feito um juramento solene com este compromisso, juntamente com a entrega de uma garantia - fiador ou um bem para penhorar, geralmente um livro do qual, ainda que penhorado, o estudante poderia continuar a dispor. O aluno que recebesse o apoio financeiro ficava ainda comprometido a pagar quando fosse rico, ou dentro de um determinado período de tempo após o termino dos seus estudos. Também depois de concluírem o seu curso, alguns antigos estudantes faziam doações à nação a que tinham pertencido quando a sabiam em dificuldades financeiras.

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Olga Pombo opombo@fc.ul.pt