No texto A Apologia de um Matemático, Hardy apresenta uma descrição vivida e sincera do que foi e do que pode ser a vida de um matemático que é também professor de matemática.

O autor define um matemático como um criador de padrões, ou seja, estruturas ideais dotadas de espantosa permanencia e que, como todas as outras criações humanas, devem poder ser avaliados pela sua beleza e seriedade.

No que se refere à beleza em matemática, o autor afirma que não existe lugar permanente no mundo para matemática feia. Enquanto que na arte e na poesia a pobreza das ideias pode não afectar a beleza dos seus padrões, na matemática tal não acontece. Em matemática, a beleza implica ideias relevantes “organizadas” de modo harmonioso. 

É assim que se explica que o apelo estético da matemática seja inegável. Mesmo que se queira menosprezar a sua importância, ele não deixa de estar presente. De tal forma que nenhum homem instruído lhe é totalmente insensível. Como Hardy afirma, ao contrário do que se pensa, há muitas pessoas realmente interessadas em matemática e que a apreciam. Por exemplo, os jogos de xadrez, de bridge e os quebra-cabeças são exercícios matemáticos apreciados por muita gente e a sua beleza, embora comparativamente inferior, não deixa de ser beleza matemática. O que acontece é que, ao contrário da música, que se dirige às emoções das massas, a matemática apenas tem o poder de estimular emoções individualmente. Daí a sua menor visibilidade.

Quanto à seriedade de um teorema, esta não reside, segundo o autor, nas suas consequências ou aplicações mas no significado das ideias matemáticas que esse teorema conjuga. Ideias que são tanto mais significantes, quanto mais se puderem articular com outras ideias, de modo natural e elucidativo.

Para mostrar melhor o que se pode entender por beleza e seriedade de um teorema, Hardy dá dois exemplos de verdadeiros teoremas matemáticos, simples e inteligíveis até para um leitor não matemático e que passam irrefutavelmente nos testes de seriedade e beleza. A escolha recai sobre dois teoremas da imortal matemática grega: o teorema, demonstrado por Euclides, da existência de uma infinidade de números primos e o teorema, demonstrado por Pitágoras, da irracionalidade de √2.

O autor considera ainda relevante o facto de nenhum dos teoremas apresentados ter a mínima importância prática. Tal não interfere, no entanto, na sua indiscutível seriedade. Na verdade, uma coisa é a Matemática pura, outra a matemática aplicada. Por exemplo, na geometria pura existem várias geometrias. Cada uma delas é um modelo matemático de uma secção da realidade. Contudo, nenhuma delas é uma representação da realidade espacio-temporal em que estamos inseridos. Segundo o ponto de vista de um matemático puro, as geometrias puras são independentes de qualquer pormenor do mundo físico. Pelo contrário, o geómetra aplicado e o físico-matemático têm um outro ponto de vista. Para estes, a geometria mais importante é a que melhor se adequa ao “facto” do mundo físico que estão a estudar.

Na parte final do texto, Hardy apresenta uma breve autobiografia em que procura descrever a origem do seu interesse pela matemática. Enquanto rapaz, não se lembra de ter sentido qualquer paixão pela Matemática. No entanto, o veredicto dos mais velhos apontava para as suas capacidades específicas nesse campo. Porém, ao decidir seguir matemática só pensava em termos de exames e de bolsas e em ser melhor do que os outros rapazes. E a carreira matemática pareceu-lhe uma boa forma de o conseguir.

O ponto decisivo na sua vida de matemático foi o contacto com Professor Love. Foi com ele que Hardy percebeu o que era a Análise. O seu conselho para ler o Cours d’Analyse, de Jordan, terá sido precioso. Depois dessa leitura, o seu percurso foi o de um verdadeiro matemático com sólidas ambições matemáticas e uma paixão genuína pela Matemática.

Fazendo o balanço retrospectivo da sua obra, Hardy declara saber que não escreveu muita coisa importante. O seu melhor trabalho resultou da ligação com Ramanujan e Littlewood. A sua associação com eles foi  o acontecimento decisivo da sua vida matemática. Desde então o seu trabalho tem vindo a deteriorar-se. Tal é a condição vulgar dos matemáticos. Ao envelhecerem, a sua vida matemática está terminada.

Hardy afirma ainda que teve as compensações que lhe eram devidas e que ocupou cargos confortáveis e prestigiantes. Confessa que detestava ensinar e que teve a sorte de, no que se refere ao ensino, o seu trabalho ter estado quase inteiramente ligado à supervisão de pesquisas. Recorda que apreciava dar palestras e considera que a grande e permanente alegria na sua vida foi a investigação. Nesse sentido refere uma vez mais a sua ligação com Ramanujan e Littlewood, ligação através da qual conseguiu acrescentar à Matemática mais do que alguma vez poderia esperar.

Numa tocante síntese final, Hardy declara que nunca ter feito nada de “útil”. Na sua opinião, nenhuma das suas descobertas "fez, nem é provável que venha a fazer, directa ou indirectamente, para o bem ou para o mal, a menor diferença na amenidade do mundo". A sua única oportunidade de escapar a um veredicto de completa trivialidade é considerar que criou algo que valesse a pena ser criado. Algo que, por muito pequeno, possa ter introduzido uma ligeira mudança de grau, que não de qualidade, nas criações dos grandes matemáticos.

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