Abu-l-Fath 'Umar ibn Ibrāhim al-Khayyām (1048-1131)

 

 

 

        Al-Khayyãmi nasceu em Nishapur, Khorassān. A conturbação política da época conduziu-o a uma vida errante e a frequentes mudanças de residência. Durante este período, viveu sucessivamente em Samarcande, Merv, Ispahan, Rey e noutras cidades da Ásia Central e do Irão.

Diz-se que enquanto estudante, fez um pacto com dois colegas, Nizām al Mulk e Hassan ibn Sabbah. O primeiro que conseguisse uma alta posição e fortuna, ajudaria os outros dois. Nizām alcançou a posição de grão-vizir do sultão seljuk Jalāl al-Dīn Malik-shāh, e cumpriu a promessa. Hassan foi colocado numa alta posição, mas foi banido da corte, depois de ter tentado suplantar o amigo. Al-Khayyāmi, pelo contrário, declinou o convite para ocupar uma alta posição e aceitou em troca um modesto salário, que lhe pemitia ter as condições necessárias para estudar e escrever.

 

  

Cerca de 1074, escreveu Risāla fi-l-barāhīn ‘ala masā’il al-ğabr wa’l-muqābala (Tratado sobre as demonstrações de problemas de al-ğabr e al-mucabala), obra essencialmente direccionada para a resolução das equações do terceiro grau.

Em 1074, foi chamado para a côrte do sultão seldjuk Ğamāl ad-Dīn Malikšāh onde, além de beneficiar da protecção do sultão, também beneficiou da do vizir liberal Nizām al-Mulk tendo-lhe sido confiada a direcção do novo observatório de Ispahan. Ao longo deste período desenvolveu tabelas astronómicas muito precisas e preparou uma reforma do calendário. No entanto, esta nunca chegou a ser realizada, dado que Nizām al-Mulk foi assassinado e Malikšāh morreu em 1092. Na  sequência destes acontecimentos, o observatório foi encerrado. Sabe-se, no entanto, através de literatura astronómica árabe posterior, que os cálculos desenvolvidos por al-Khayyām eram extremamente exactos.

 

      Recentemente descoberto em Teerão, o manuscrito Risāla fī taqsīm rub’ad-dā’ira (Tratado da divisão de um quarto de círculo), é um pequeno tarbalho de álgebra de al-Khayyām que terá sido redigido antes do seu grande tratado, Risāla fi-l-barāhīn ‘ala masā’il al-ğabr wa’l-muqābala (Tratado sobre as demonstrações de problemas de al-ğabr e al-mucabala), e nele al-Khayyām estuda a resolução do seguinte problema: dividir o quarto de círculo AB pelo ponto G tal que AE/GH=EH/HB

 

 

          Al-Khayyām desenvolveu também uma elaborada teoria sobre as proporções, na obra Risāla fi šarh mā uškila min musādarāt Kitab Iql īdis (Comentários sobre as dificuldades que se encontram nas introduções do Livro de Euclides), escrita em 1077. O primeiro livro destes comentários é dedicado ao problema das paralelas e os outros dois à teoria das proporções. Nestes últimos, al-Khayyām considera justa, mas não verdadeira, a definição de proporção que se encontra no Livro V dos Elementos, considerando que ela não exprime a essência, o verdadeiro sentido de uma relação que consista em medir uma grandeza a partir de outra.  Admite a definição euclidiana para o caso das relações entre números inteiros. Alarga a definição euclidiana de “maior que” e define  um critério que permite comparar um número irracional com um número racional. Sublinha a importância da teoria da composição de relações [1] em geometria e astronomia e, na sequência da demonstração das propriedades que evidenciou, exprime uma nova concepção de número. Entendendo o número, no sentido próprio do termo, como um conjunto de unidades indivisíveis, sublinha a questão da ligação entre as noções de relação e de número. Este problema é, segundo as palavras de al-Khayyām, “de natureza filosófica e, portanto, não é estudado pelos geómetras: uma relação de grandezas pode ser por essência um número, ou somente acompanhada de um número, ou ainda a relação está ligada a um número não pela sua natureza, mas com a ajuda de qualquer coisa exterior, ou será que a relação está ligada por natureza a um número e não tem necessidade de nada exterior?”. Deixando de lado o problema filosófico, al-Khayyām considera necessário introduzir nas matemáticas uma unidade divisível e uma nova categoria de números que correspondam a qualquer relação de grandezas. Para demonstrar a propriedade “Para três grandezas A, B, C da mesma espécie, a relação A/C é composta pelas relações A/B e B/C”, escolhe uma certa unidade e supõe que a sua relação com uma grandeza auxiliar G é igual à relação de A com B. Esta grandeza G, diz “vamos concebê-la, não como uma linha, ou uma superfície, ou um volume, ou um tempo, mas como uma grandeza que o espírito abstrai de tudo e que pertence aos números, mas não aos números absolutos e verdadadeiros, dado que a relação de A com B, pode frequentemente não ser mensurável numericamente, dado que pode não ser possível encontrar dois números, cuja relação seja igual a esta relação” [2]. Desta forma, al-Khayyām opõe-se à anterior concepção de número, em particular à de  Aristóteles.

         Muito embora al-Khayyām tenha sido reconhecido como cientista, tornou-se ainda mais célebre pelas suas Rubā’iyāt, quadras líricas e filosóficas. Esta obra clássica foi traduzida em várias linguas europeias e tornou-se  universalmente conhecida nos séculos XIX e XX. São quadras que reflectem a atitude céptica e não ortodoxa do autor, cujo pensamento liberal lhe valeu, depois da morte do seu protector, várias inimizades. Na sequência das perseguições que lhe foram movidas, viu-se constrangido, numa idade já avançada, a empreender uma peregrinação a Meca.

 



[1] A composição de relações correspondente, no nosso vocabulário, a multiplicação, era necessária para alguns cálculos trigonométricos. Talvez por esta razão, os editores posteriores dos Elementos (Théon de Alexandria, cerca de 370), incorporaram no Livro VI, a definição de “medida” de uma relação, que é exterior ao espírito da obra. O valor numérico da “medida”, perfigurava nas Matemáticas gregas, o conceito posterior de número real. [N.T.F.]

[2] Cit in Youschkevitch, Adolf  - Les Mathématiques Arabes, Vrin, Paris, 1976