O texto que agora se traduz e comenta é da autoria do célebre arquitecto romano Marcus Vitruvius que viveu no século I a.c., Vitrúvio relata o episódio em que Arquimedes, durante o banho, descobre como provar que uma certa coroa que o rei Hierão encomendara não era de ouro puro. Lenda a que, como se sabe, estão ligadas a descoberta do fenómeno da impulsão e a formulação do princípio fundamental da hidrostática.

 

          

Vitruvius, De Arquitectura

(Traduzido a partir de uma versão em língua inglesa de J. R. Newman (1988), in The World of Mathematics, Washington: Tempus Books, vol I, pp.179-180)

 

Arquimedes fez muitas descobertas maravilhosas de diferentes espécies, mas de todas elas a que eu vou esclarecer parece mostrar um talento ilimitado. Quando Hierão exaltava com grandeza no poder real de Siracusa, de regresso ao sucesso da sua política, determinou que se colocasse num certo santuário uma coroa de ouro como donativo votivo aos deuses imortais. Encomendou o trabalho por uma quantia estipulada e pesou a quantidade exacta de ouro para o construtor. Na data combinada o construtor trouxe o seu trabalho habilmente executado para a aprovação do rei, e ele parecia satisfazer exactamente o requerido sobre o peso da coroa. Mais tarde, foram dadas informações de que tinha sido removido algum peso de ouro e incluído igual peso de prata para fazer a coroa. Hierão estava indignado com este desrespeito por si e, incapaz de descobrir qualquer meio de desmascarar a fraude, pediu a Arquimedes para dar a atenção ao facto. Enquanto Arquimedes tentava resolver o problema, foi por acaso ao local dos banhos, e aí, esta sentado numa tina de madeira, notou que a quantidade de água que saía da cuba era igual à quantidade do seu corpo imerso. Isto indicou-lhe um meio para resolver o  problema, e não se demorou mas, na sua alegria, pulou da tina de madeira e, precipitou-se nu em direcção a sua casa, gritou em voz alta que tinha encontrado o que procurava. Enquanto corria, gritava repetidamente em Grego, eureka, eureka. (Encontrei, encontrei.)  

Vitruvius começa por reconhecer o talento ilimitado de Arquimedes.

O rei Hierão mandou fazer um a coroa de ouro com determinado peso.

Quando a coroa ficou pronta parecia satisfazer inteiramente as exigências do rei. 

Mais tarde, porém,  alguém disse ao rei que a coroa não era inteiramente de ouro. O rei ficou, naturalmente, indignado. Contudo, não conseguia provar que a coroa não era de ouro puro, então pediu a Arquimedes para solucionar o seu problema. Isto prova que Arquimedes era tido como sábio pois apenas um sábio seria capaz de descobrir se uma coroa era de ouro puro ou não sem destuir a coroa.

Foi durante um banho que Arquimedes descobriu como solucionar o ploblema do rei. Animado pela sua descoberta saltou da tina onde se encontrava e correu nu pela rua gritando eureka. Note-se que palavra grega eureka continua a ser ainda hoje usada para expressar a alegria que se sente aquando de uma descoberta difícil. 

Então, seguindo a sua descoberta, diz-se que  fez duas massas com o mesmo peso da coroa, uma de ouro e outra de prata. Quando as terminou, encheu completamente um grande recipiente com água, no qual deixou cair a massa de prata. A quantidade imersa no recipiente era igual à quantidade de água derramada. Removendo a massa, derramou de volta a quantidade de água que tinha sido esvaziada, medindo-a com uma caneca de um quartilho, para que, como antes, o recipiente ficasse cheio. Assim, descobriu que peso de prata corresponde a uma certa medida de água.  

A partir daí, provar que o rei tinha sido enganado terá sido bastante fácil. 

Note-se que Vitrúvio oferece uma descripção detalhada das várias fases e processos  de comprovação da hipótese utilizados por Arquimedes.

 

É também interessante reparar que ao longo do texto Vitruivius utiliza bastantes vezes a palavra  descoberta. Nas palavras de Vitruvius: "Arquimedes fez muitas descobertas...", "...incapaz de descobrir...", "...seguindo a descoberta...", "...descobriu que peso de prata...", "...descobriu que a carência de água...", "...descobriu que foi derramada...".

 

          Quando terminou de fazer este teste, do mesmo modo deixou cair a massa de ouro no recipiente cheio. Removendo-o outra vez, pelo mesmo motivo juntou uma quantidade medida de água, e descobriu que a carência de água não era a mesma, mas menos; a diferença correspondia ao excesso de massa de prata, tendo o mesmo peso, sobre a massa de ouro. Depois de encher novamente o recipiente, deixou cair a coroa dentro da água, e descobriu que foi derramada mais água no caso da coroa que no caso da massa de ouro; e assim, do facto de ser precisa mais água para completar o recipiente no caso da coroa que no caso da massa de ouro, calculou e detectou a mistura de prata e ouro e a fraude do construtor foi revelada.