Vida

 

Obra

Gravuras

Escher e a Matemática

Textos

Ligações

 

 

 

        

Aproximação ao Infinito

Infinito é um conceito marcante na obra de Escher. Em muitos dos seus trabalhos, Escher tenta aproximar-se dele tanto e tão exactamente quanto possível.

Num artigo publicado em 1959, Escher expressa bem o seu fascínio pela ideia de infinito:

 

 

“...não podemos imaginar que algures por detrás da estrela mais longínqua do céu nocturno, o espaço possa ter um fim, um limite para além do qual nada mais existe. O conceito de vácuo diz-nos ainda alguma coisa, pois um espaço pode estar vazio (...), mas a nossa força de imaginação é incapaz de apreender o conceito de nada no sentido de ausência de espaço...”

(cit. in Ernest, 1978, p.102)

 

 

Para efectuar essa aproximação ao infinito, Escher utilizou “diagramas” nos quais explora a possibilidade de representação de algo infinito sobre uma superfície finita. De duas formas distintas. Em primeiro lugar, através de figuras onde é visível uma redução radial progressiva das margens para um ponto central. Nela há como que uma redução ou convergência para um ponto infinitamente pequeno. Porém, se nos concentrarmos no centro da figura e se começarmos a desviar o olhar para um ponto exterior somos como que convidados a intuir a representação de um infinitamente grande.

É o caso de Evolução II (1939) que, representando uma superfície preenchida por répteis unidos uns aos outros, permite no entanto “intuir” quer a aproximação ao infinitamente pequeno, quer ao infinitamente grande (embora seja mais evidente a primeira).

 

Evolução II (1939)

 

Em segundo lugar, depois de 1955, a aproximação do infinito foi ensaiada através da seriação de figuras isomorfas. Dessas, identificam-se três grupos, atendendo aos diagramas que lhe estão na base.

 

Gravuras de limite quadrado

 

As obras deste grupo são talvez, pela construção, as mais simples. A primeira Cada vez mais Pequeno I, data de 1956. O que há a salientar nesta construção é um numero infinito de lagartos, unidos uns aos outros. Mas a questão que é pertinente colocar é a de saber como é que isto é conseguido?

       

Cada vez mais Pequeno I (1956)

 

 Vejamos agora a solução do problema da representação do infinito apresentado no Diagrama para limites quadrados.

 

Diagrama para limites quadrados

 

O triângulo isósceles OPQ é o ponto de partida. No lado PQ estão de novo desenhados dois triângulos isósceles A1 e B1. Continuando esta subdivisão, obtemos os triângulos C1, D1, E1, F1, A2, B2, C2, etc...(conforme mostra a figura). Repare-se que, repetindo “infinitas vezes” tal processo, vamos sempre voltar ao ponto de partida, mas sempre reduzindo o tamanho da figura para metade. De forma aritmética, podemos dizer que, se QU tiver comprimento 1, então os seguintes medem, respectivamente 1/2, 1/4, 1/8, 1/16, 1/32... Temos assim representado um número infinito de quadrados uns sob outros, que se tornam cada vez mais pequenos.

Esta figura é, sem dúvida, interessante! Mas o que a torna realmente fascinante é o seu preenchimento com lagartos.

O mesmo esquema está na base da gravura Limite Quadrado (1964) à cerca da qual, numa carta Escher observou:

 

 

“...o professor Coxeter chamou-me a atenção para o método da redução de dentro para fora, o qual anos em vão, tinha procurado. Pois uma redução de fora para dentro (como em Cada vez mais Pequeno I) não traz nenhuma satisfação filosófica porque assim não resulta nenhuma composição logicamente acabada e perfeita...”.

(cit. in Ernest, 1978, p.104-105)

 

 

   
  Limite Quadrado (1964)  

 

Gravuras com espiral

 

 As xilogravuras, Turbilhões (1957), Senda da Vida I  (1958), Senda da Vida II (1958) e Senda da Vida III (1966), são alguns exemplos deste grupo.

O diagrama que lhes está na base é tão somente uma série de espirais logarítmicas. Engraçado é saber que Escher, porque não conhecia o conceito de logaritmo, teve de algum modo de o construir por si próprio.

No entanto, o objectivo destas obras não é só a representação do infinitamente pequeno. Há algo mais por detrás destas gravuras!

Nelas Escher procura estabelecer uma analogia ao ritmo biológico (nascimento, crescimento e morte) como que expressando o crescimento do próprio infinitamente pequeno, a seu pulsar vital até ao infinitamente grande e, depois, o seu  regresso, de novo, ao infinitamente pequeno.

Vejamos com alguma atenção, por exemplo, Senda da vida II.

 

A construção de Senda da Vida II Senda da Vida II (1958)

 

Centremos o olhar no peixe grande, que está em baixo à esquerda. Este, com a cauda branca e a cabeça cinzenta, é contíguo à cauda de um segundo peixe, que por seu lado, é mais pequeno. Assim, seguindo os peixes cada vez mais pequenos, caminha-se em espiral (de cor vermelha) até ao centro, onde os peixes são tão pequenos que não são passíveis de serem distinguidos. Temos assim a aproximação ao “infinitamente pequeno”. Mas, partindo do “infinitamente pequeno”, crescem peixes brancos, que, por meio de uma espiral azul, se tornam cada vez maiores. Atingida a extremidade, a espiral azul funde-se com a vermelha e, com isso, voltamos ao ponto de partida. Neste ponto, os peixes mudam novamente de cor e reinicia-se o ciclo.

A analogia biológica está feita. Um peixe branco nasce no centro, cresce até atingir o seu tamanho máximo e, envelhecido, volta como peixe cinzento a “desaparecer no infinito” de onde partiu.

 

Gravuras de Coxeter

           

Foi num livro de H. S. M. Coxeter que Escher descobriu um diagrama que lhe chamou à atenção por representar e possibilitar novas aproximações ao infinito.

Uma série de obras como o tema Limite Circular foram feitas à luz da referida ilustração. Destacamos Limite Circular I (1958) e Limite Circular III (1958).

 

Limite Circular I (1958) Limite Circular III (1958)

 

Sobre Limite Circular I Escher escreveu :

 

 

“Para além das três linhas rectas que passam pelo ponto central o esqueleto desta figura consiste em menos arcos de circunferência com um raio sempre mais curto, quanto mais se aproxima da periferia. Além disto todas se intersectam em ângulo recto...”.

(cit. in Ernest, 1978, p.108)

 

 

Mas, segundo o autor, esta foi uma tentativa não completamente sucedida,

 

 

“...sendo a primeira tentativa, mostra um sem número de defeitos. Não só a forma dos peixes desenvolvidos em abstracções rectilíneas (...), mas também o seu arranjo (...) deixa muito a desejar...”

(cit. in Ernest, 1978, p.108)

 

 

Melhor, segundo Escher, é Limite Circular III:

 

 

“...na xilogravura a cores Limite Circular III, as deficiências do Limite Circular I estão aqui consideravelmente eliminadas. (...) Foram necessárias quatro cores, para que cada fileira se distinga claramente das outras. Como todas estas fileiras de peixes, vindas duma distância infinita, sobem verticalmente como foguetes, da periferia, e de novo para lá se dirigem, nem uma componente alcançará alguma vez o limite. Pois para além é o «nada absoluto». E no entanto este mundo redondo não pode existir sem vácuo à sua volta – não simplesmente porque um interior pressupõem um exterior, mas também porque é no «nada» que, ordenados com exactidão geométrica, estão os pontos imateriais médios dos arcos, com que o sistema é construído...”

(cit. in Ernest, 1978, p.109)

 

 

Serpentes

Apesar de Serpentes (1969) pertencer a este grupo de gravuras, optámos por distingui-la das restantes. E isto porque, para além de ser a última gravura de Escher, o diagrama que está na base da sua construção, de certa forma, foi por ele adaptado do inicial feito por Coxeter.

 

 

 
  Serpentes (1969)  

 

Sabendo que teria que se submeter a mais uma delicada operação, Escher aproveitou todas as oportunidades para trabalhar naquela que viria a ser a sua última obra.

Nas gravuras anteriores, Escher empenhava-se no seu trabalho até ao extremo. As aproximações ao infinito eram feitas ao pormenor. Com a ajuda de uma lupa, como em Cada vez mais pequeno I, trabalhou pormenores extremamente finos, abrindo na matriz figuras com menos de meio milímetro (Ernest, 1978).

Contudo, neste último trabalho, é evidente algum desgaste. Não há a preocupação de desenhar os anéis mais pequenos, de forma a construir uma aproximação ao infinitamente pequeno com elevado grau de consistência.

Sobre esta gravura, Escher confessa que procurou representar

 

 

“...uma cota de malha com pequenos anéis na margens e também no centro dum circulo e entre eles grandes anéis. Através dos anéis enrolam-se serpentes...”

(cit. in Ernest, 1978, p.111)