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Fermat tinha um fascínio especial pelos  números, por isso dedicava parte do seu tempo a resolver os problemas do livro Arithmetica, uma tradução em latim, da autoria de Claude Gaspar Bachet. Este estudo levava-o a pensar e a equacionar novas questões, tentando alcançar novos resultados (Singh, 1998). 


capa da tradução feita por Claude Gaspar Bachet da Arithmética

Fermat tornou-se, desta forma, um dos fundadores da teoria dos números que estuda, principalmente, a estrutura dos sistemas numéricos e as propriedades dos números inteiros positivos e dos números primos. Estes últimos são elementos essenciais da teoria dos números e formam um conjunto de números que fascina a humanidade desde sempre, por não parecer haver um padrão, por mais complexo que seja, que regule a sua estrutura. Actualmente, existe uma razão prática para o estudo dos primos, a sua aplicabilidade à criptografia (Stewart, 1995).

Fermat investigou sobretudo, números perfeitos e amigáveis, números figurados, quadrados mágicos, triplos pitagóricos, e acima de tudo, os números primos. Desenvolveu vários teoremas nesta área, entre os quais o 'Último Teorema de Fermat', que não foi o único, nem se calhar o mais relevante da teoria dos números (Boyer, 1996).

Um dos mais importantes teoremas foi o que é hoje conhecido como o 'Pequeno Teorema de Fermat', um pequeno teorema, que no entanto, é uma obra-prima de criatividade e um resultado com implicações espantosas. Tornou-se conhecido no meio académico em 1640, por ter sido enviado por carta para outro matemático.

Se p é um número primo então para qualquer inteiro a, ap - a é divisível por p.

Uma demonstração bastante simples desta proposição, foi apresentada pela primeira vez, cerca de um século mais tarde, por Euler (embora Leibniz tenha deixado uma mais antiga em manuscrito), através do método de indução em a:

DEMONSTRAÇÃO: 

    Para a=1 é válido, pois 1p-1 é divisível por p.

    Para hipótese de indução consideramos que é válido para k.

    Queremos provar para k+1 que (k+1)p = kp + mp + 1, com m inteiro.

   Subtraindo (k+1) em ambos os termos, temos (k+1)p - (k+1) = mp + (kp-k). Como (kp-k) é divisível por p por hipótese, vem que (k+1)p - (k+1) é divisível por p, como queríamos demonstrar.

Boyer, 1996, p. 316 

Em 1910, Carmichael encontrou números compostos que também verificam esta propriedade. O primeiro de um conjunto de números que viriam a ser chamados números Carmichael (pseudoprimos absolutos), foi o 561=3x11x17. Em 1992, Pomerance prova que este conjunto tem cardinalidade infinita (A.P.M., 2001)

Fermat afirmou uma outra proposição, relacionada com esta:

   "Qualquer n é primo se e só se 2n - 2 é divisível por n inteiro maior que 1"

Uma das implicações, é um caso particular do 'Pequeno Teorema de Fermat', mas a implicação contrária veio-se provar mais tarde que era falsa, através de um contra-exemplo: 2341 - 2 é divisível por 341, mas 341= 11x31, logo 341 é um número composto e não um número primo. 

Fermat formulou, ainda, um processo de verificação de não primalidade, bastando para isso, escolher o valor de a apropriado:

 "Se p primo e a não divisível por p então ap-1 - 1 é divisível por p" 

Contudo, este teste não é um resultado completo, porque para cada valor de a existe um infinidade de não primos p para os quais ap-1 - 1 é divisível por p, chamados os pseudoprimos de base a. Mais ainda, existem não primos p que são pseudoprimos em todas as bases a, os denominados números de Carmichael, já referidos anteriormente (Stewart, 1995). Apesar de tudo isto, este processo constitui a base de muitos dos testes actualmente utilizados para verificar se um número é ou não primo (APM, 2001).

Fermat sabia, do estudo dos números primos, que estes (excepto o 2) podem ser escritos da forma 4n+1 ou 4n-1, e que qualquer uma destas duas formas pode ser expressa como diferença de dois quadrados, de uma e uma só maneira. Tendo conhecimento que 4n-1, nunca pode ser escrito como soma de dois quadrados, prova por absurdo e utilizando o método denominado "descida infinita" criado por si (uma variante do método de indução, mas no sentido inverso), a afirmação de Girard:

Todo o primo da forma 4n+1 pode ser escrito de uma única maneira como soma de dois quadrados.

 

IDEIA DA DEMONSTRAÇÃO DE FERMAT:

Por absurdo, supõe-se que 4n+1 não é soma de dois quadrados.
Pelo método da descida infinita, há sempre um inteiro menor desta forma que não é soma de dois quadrados.

Usando esta relação recursiva para trás chega-se à falsa conclusão de que o menor inteiro deste tipo, o número 5, não é soma de dois quadrados. ABSURDO, pois 5= 12+22.

Conclui-se que 4n+1 pode ser sempre escrito como soma de dois quadrados, como queríamos demonstrar.

Boyer, 1996, p.243

Fermat formulou também, outra proposição sobre propriedades dos números primos, baseado numa indução sobre apenas os cinco casos n=0,1,2,3,4.

Os inteiros da forma  22n + 1 são sempre primos.

Euler mostrou, em 1732, que para o caso n=5, temos um número composto. Embora hoje já se saiba que para n entre 5 e 16 a proposição não se verifica, ou seja, todos os números formados desta maneira são compostos, ainda não se tem ideia se existem mais 'números de Fermat', para além dos cinco encontrados (Boyer, 1996).

Por Fermat nunca revelar as demonstrações que tinha, alguns dos seus teoremas acabaram por ser conhecidos pelo nome de quem os demonstrou. Um exemplo disso, é o chamado 'Teorema dos Quatro Quadrados de Lagrange', demonstrado em 1770. 

Todo o inteiro positivo é a soma de no máximo quatro quadrados perfeitos.

Um dos mais belos e difíceis enunciados, relaciona-se com o estudo dos números figurados. Foi apresentado por Fermat, em correspondência com Pascal, no ano de 1654, e provado por Cauchy apenas no século XIX:

Todo o inteiro positivo é soma de no máximo três números triangulares, ou no máximo quatro números quadráticos, ou cinco pentagonais, ou seis hexagonais, e assim por diante, infinitamente.

Diz-se que dois números são amigáveis se a soma dos divisores de cada um deles é igual ao outro.
O único exemplo descoberto pelos pitagóricos foi (220 e 284): Os divisores de 220 são 1,2,4,5,10,11,20,22,44,55,110 cuja soma é 284.
                                                                                                Os divisores de 284 são 1,2,4,71,142 cuja soma é 220.

Fermat estudou este assunto e encontrou, por volta do ano 1636, o primeiro par de amigáveis (17296 e 18416) conhecido depois do descoberto na antiguidade . Descartes acrescentou mais outro par aos primeiros ( 9363584 e 9437056) e, posteriormente, Euler aumentou esse número para mais de 60.

Fermat, ainda dentro da área da teoria dos números, resolveu três equações importantes:

x2 - Ay2 = 1 (A inteiro, não quadrado) tem um número ilimitado de soluções inteiras positivas x2 + 4 = y3 tem exactamente duas soluções inteiras positivas x2 + 2 =y3 tem apenas uma solução inteira positiva

Podemos ver que Fermat teve consciência da importância e da novidade que comportavam as suas descobertas, como mostra uma das suas notas:

A aritmética tem um domínio próprio: a teoria dos números naturais que foi apenas esboçada por Euclides e não foi cultivada suficientemente pelos que lhe seguiram. (Marques, 1991)

 

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