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Girolamo Cardano

Girolamo Cardano era filho ilegítimo de Fazio Cardano e Chiara Micheria. O seu pai era jurisconsulto em Milão. Sendo muito versátil em matemática, Fazio chegou a ser consultado por Leonardo da Vinci sobre questões de geometria. Em paralelo ao exercício da advocacia, Fazio dava aulas de geometria na universidade de Pavia e na fundação Piatti em Milão. Quando tinha perto de 50 anos, conheceu Chiara Micheria, uma jovem viúva (com cerca de 30 anos) que lutava por criar os seus três filhos.

Chiara ficou grávida, mas antes de dar à luz, a peste atingiu Milão e Fazio pediu-lhe que fosse para Pádua para ficar com uns amigos abastados, podendo assim ter um final de gravidez bastante mais saudável.

Cardano nasceu em Pavia a 24 de Setembro de 1501, grande alegria para sua mãe, alegria essa que durou pouco, pois recebeu a notícia da morte dos seus três filhos devido à peste. Chiara viveu separada de Fazio por muitos anos, mas, mais tarde acabou por casar com este.

Cardano tornou-se assistente de seu pai mas, devido a ser uma criança bastante doente, Fazio viu-se obrigado a recorrer à ajuda de dois sobrinhos quando houve um aumento de trabalho. Cardano entrou depois para a universidade de Pavia (onde seu pai tinha estudado) para frequentar o curso de medicina, embora o desejo de Fazio fosse que estudasse direito.

Quando a guerra rebentou, a universidade de Pavia foi forçada a fechar e Cardano mudou-se para a universidade de Pádua onde completou os estudos em medicina, em 1524. Pouco tempo depois, quando estava no meio de uma campanha para se tornar reitor dessa universidade, recebe a notícia da morte de seu pai. Era um estudante brilhante, mas altamente crítico e talvez por isso não era muito bem aceite. Passamos a transcrever algumas das palavras de Cardano:

“Isto reconheço eu como único e grandioso entre as minhas falhas - o hábito, no qual persisto, de preferir dizer, acima de todas as coisas o que sei ser desagradável aos ouvidos dos meus ouvintes. Estou ciente disto, no entanto, mantenho com vontade, de todo ignorante de quantos inimigos isto me trás. (…)”

  (http://www.history.mcs.st-andrews.ac.uk/Mathematicians/Cardan. html)

 

No entanto, a sua campanha para reitor foi bem sucedida já que conseguiu bater o seu rival por um único voto.

Numa certa altura em que não estava nas melhores condições financeiras, pois já tinha gasto a pequena herança que recebera de seu pai, Cardano virou-se para o jogo. Jogos de cartas, dados e xadrez eram os métodos usados para viver. Os conhecimentos que tinha sobre probabilidades davam-lhe uma grande vantagem sobre os seus adversários. O jogo tornou-se um vício que viria a durar muitos anos e que acabou por roubar a Cardano tempo valioso, dinheiro e reputação.

Cardano recebeu o seu doutoramento em medicina em 1525 e candidatou-se para se juntar ao colégio de médicos em Milão onde sua mãe ainda vivia. Este colégio não o queria aceitar porque apesar do respeito que tinha ganho como estudante excepcional, ele tinha uma reputação de homem difícil cujas opiniões descomprometidas e inconvenientes eram avançadas agressivamente, não reflectindo nas consequências que poderiam trazer. A descoberta do nascimento ilegítimo de Cardano deu ao colégio a razão para recusar a sua candidatura.

Cardano, seguindo o conselho de um amigo, foi para Sacco, uma pequena aldeia a 15 km de Pádua onde se dedicou à medicina não sendo no entanto, muito bem sucedido. Nos finais de 1531 Cardano desposou Lucia, filha do seu vizinho Aldobello Bandarini, capitão de uma milícia local. A actividade de Cardano em Sacco não lhe providenciava ganhos suficientes para sustentar a sua esposa e por isso, em Abril de 1532, mudou-se para Gallarate, perto de Milão. De novo concorreu para o colégio de médicos em Milão e de novo viu recusada a sua candidatura. Incapaz de praticar medicina, Cardano voltou, em 1533, ao jogo para se sustentar mas as coisas correram tão mal que foi forçado a penhorar as jóias da sua mulher e mesmo algumas das suas mobílias. Numa busca desesperada de uma mudança de sorte os Cardanos mudaram-se para Milão.

Cardano teve a sorte de obter o antigo posto de ensino em matemática de Fazio, seu pai, na fundação Piatti em Milão o que lhe deu bastante tempo livre que usou para tratar de alguns pacientes , apesar de não ser um membro do colégio dos médicos. Conseguiu algumas curas quase miraculosas e a sua crescente reputação como médico levou a que fosse consultado por alguns membros do colégio. Os seus pacientes agradecidos assim como os seus familiares tornaram-se apoiantes devotados da sua prática.

Cardano sentia-se furioso pela sua exclusão contínua do colégio e, em 1536, publicou enraivecidamente um livro que atacava não só a habilidade médica do colégio mas também o seu carácter:

As coisas que mais dão prestígio a um médico hoje em dia são as suas maneiras, os seus criados, a sua carruagem, as suas roupas, a sua esperteza, tudo exibido de uma forma artificial e insípida…”

(in http://www.history.mcs.stanchews.ac.uk/mathematicians/cardano.html)

 

Este não era o melhor caminho para entrar no colégio e não surpreendentemente o seu pedido para o integrar em 1537 foi de novo rejeitado. No entanto, dois anos depois, após muita pressão dos seus admiradores, o colégio modificou a clausula respeitante ao nascimento legítimo e admitiu Cardano. No mesmo ano, foram publicados os seus primeiros dois livros. Isto foi o começo de uma carreira literária prolifera de Cardano, escrevendo continuamente sobre os mais variados assuntos, desde mais de 100 tratados sobre medicina, matemática, física, astronomia, astrologia, retórica, história natural, ética, dialéctica e música, a episódios da sua própria vida. 

“ A natureza dotou-me de um espírito filosófico e apto para o estudo das ciências; sou engenhoso, elegante, sensual, piedoso, fiel, amigo da sabedoria, reflexivo, empreendedor, entusiasta, inventivo. Tudo o que aprendi foi por mim mesmo, ardo em desejo de ver milagres, sou teimoso, astuto, trabalhador, descuidado, charlatão. Sinto desprezo pela religião, sou vingativo, triste, traiçoeiro, gosto de magia, dos encantamentos; sinto-me dedicado, sou cruel com os meus, retraído, antipático, severo, zeloso: tais são as grandes contradições do meu carácter e dos meus costumes…”

(in Font, j. Garcia, História de la ciencia)

Com estas palavras traça o próprio Cardano o seu perfil psicológico: um verdadeiro caos. 

Apresenta-se como um homem possuidor de estranhos poderes: dom de línguas, conhecimento de ciências que não havia estudado, profetismo e clarividência. Assegurava que um génio protector o guiava como a Sócrates.

Segundo Cardano, na Natureza devem-se distinguir 3 princípios eternos: espaço, matéria e inteligência.

O “espaço” é o princípio em que se encontram todos os corpos. Convém ter em conta que é o universo que contém o espaço; este é eterno imóvel e imutável. Não existe o vazio.

A “matéria” é eterna como o espaço mas é móvel e mutável, está em contínua transformação. As suas trocas devem-se a duas qualidades primordiais: o calor e a humidade. O calor é um princípio activo, a humidade é um princípio de inércia.

A forma é, por natureza, algo imaterial. Tudo o que tem forma tem alma. A forma é a condição de todo o conhecimento. Cardano segue as ideias de um aristotelismo decadente que tem as suas concepções particulares.

A alma universal contém toda a inteligência, de modo parecido a como se haja na "decada" o conjunto de toda a numeração.

A respeito de Cardano o historiador francês Jacques Auguste de Thou (1553-1617) escreveu:

Jerome Cardan, Milanês, foi um Matemático e um médico de grande reputação. Notou-se uma estranha irregularidade nos seus costumes e a sua vida foi diversificada por muitas aventuras, que ele mesmo escreveu com uma simplicidade ou uma liberdade que não era usual entre os letrados e que os curiosos me dispensarão de lhes contar neste momento. Vi-o em Roma, pouco tempo antes da sua morte, vestido de uma maneira completamente diferente das outras pessoas, conversei frequentemente com ele e fiquei extremamente admirado quando, reflectindo acerca da fama deste homem tão célebre pelos seus Escritos, não encontrei nada na sua pessoa que correspondesse à estima que ele adquiriu no mundo. (…)Dedicou-se muito ao estudo da Aritmética, fazendo nessa área muitas descobertas. Convenceu várias pessoas da certeza das Astrologia Judiciária, predizendo, algumas vezes, coisas com mais segurança e verdade do que é de esperar em conhecimentos desta Arte. Mas caiu numa grande loucura e numa horrível impiedade, quando teve a ousadia de querer submeter ás leis quimétricas dos astros o verdadeiro Senhor dos astros, elaborando o horóscopo de nosso Salvador Jesus Cristo. Enfim, morreu em Roma a 21 de Setembro, com 75 anos menos três dias, tal como tinha previsto, e julgava-se que se tinha abstido de ingerir alimentos para que a sua própria profecia acerca da sua morte não fosse falsa. (…)”

(in Estrada, Mª Fernanda, Sá, Carlos Correia de, Queiró, João, Silva,

 Mª do Céu, Costa, MªJosé, História da Matemática,Universidade Aberta)

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