Um Episódio Célebre da

Matemática Renacentista Italiana

[O Episódio] [Os personagens] [O problema] [Exemplos]
[Bibliografia] [Quem somos]
 
  • Entre 1501 e 1502  Scipione del Ferro conheceu Pacioli que na altura dizia que as cúbicas não tinham solução. Ferro iniciou então uma pesquisa para encontrar a solução da cúbica obtendo bons resultados.
  • Em 1515, Scipione del Ferro conseguiu determinar um método que lhe permitiu   encontrar a solução x3+px=q. No entanto, não o chegou a publicar. Apenas o revelou a dois discípulos  seus: Della Nave e Antonio Fior, dando a demonstração apenas ao primeiro.

Scipione del Ferro manteve em segredo o seu método de resolução, pois era costume, na época, os sábios desafiarem os seus rivais para a resolução de problemas, beneficiando o vencedor, alem da fama, de uma recompensa em dinheiro.

  • Em 1530 Tonini da Coi propôs a Tartaglia um desafio que consistia na resolução das duas equações x3+6x2+8x=1000 e x3+3x2=5. Tartaglia não respondeu pois não sabia solucionar tais problemas.

  • Em 1535, Antonio Fiori desafia Tartaglia para um duelo intelectual, no qual lhe propõe 30 problemas todos do tipo x3+px=q. Tartaglia deu-lhe rapidamente a resposta de todos e por sua vez propôs-lhe outros, entre os quais cúbicas do tipo x3+px2=q, que Antonio Fiori não foi capaz de resolver.

  • Entretanto chega de Milão Cardano, que ao saber que foi encontrado o método para a resolução de equações de 3ºgrau, tenta que Tartaglia lha ensine bem como a sua demonstração.
  • Em 1539 Tartaglia revelou o seu método a Cardano estando este sobre o juramento de nunca o revelar, só o podendo escrever em código para que depois da sua morte ninguém viesse a descobrir o segredo dos seus papéis. Esta revelação foi feita sob a forma de um poema de vinte e cinco versos, dos quais os nove primeiros diziam respeito à equação x3+px=q.

Transcrevemo-los em seguida, bem como a sua tradução aproximada:

Quando ch'el cubo com le cose apresso.

Se agualia a qualche Número discreto

Quando o cubo junto com as coisas

Se iguala a algum número

x3+px=q
Trouan dui altri differenti in esso, Descobre dois outros que difiram do conhecido a-b=q
Dapoi terrain questo per consueto

Ch'le lor producto  sempre si egale

Al terzo cubo dell cose neto.

E faz como é usual

Que o produto seja sempre igual

Ao cubo da terça parte das coisas

 

a*b=(p/3)3
El residuo poi suo generale

Delli lor lati cubi bem sotrati

Varra la tua cosa principale. (...)"

Então a diferença 

Dos seus lados cúbicos bem subtraídos 

Valerá a tua coisa principal

x=3√a - 3√b

(Pedro Nunes, 1950, p. 404)

 

Dos restantes dezasseis, versos os nove primeiros tratavam da equação x3=px+q, os três seguintes davam a generalização do problema e os quatro últimos datavam a descoberta indicando além do ano a cidade do acontecimento (Veneza).

Desta forma era feita a revelação que em termos actuais corresponde a : “dada a equação x3+px=q, determinar dois números a e b cuja diferença seja q e cujo produto seja o cubo de p/3. A solução é ”. Não era tecido nenhum comentário nem indicada qualquer prova.

  • Depois de saber a solução da equação do 3ºgrau, Cardano conseguiu chegar há sua demonstração. Embora fosse de sua vontade publicá-la não o poderia fazer devido ao juramento feito a Tartaglia.
  • Em 1542, Cardano e Ferrari obtêm a permissão de Della Nave para examinar os manuscritos deixados por Scipione del Ferro. Entre eles encontraram a solução da equação x3+px=q .

Assim, Cardano ficou livre para publicar a solução. Não seria a solução de Tartaglia que ele estaria a publicar, mas a de Scipione del Ferro. Empenhou-se na preparação do seu livro: "Ars Magna", que viria a ser publicado em 1545. Nesta obra Cardano publicou a dita fórmula dando a paternidade da descoberta a Scipione del Ferro.

Tartaglia sentiu-se ultrajado com a publicação da resolução por Cardano e começou uma polémica acesa com Cardano e Ferrari, por julgar que tinha sido traído no seu compromisso de segredo. Publicou o livro “Cuesiti et Invenzioni diverse”  onde dava a sua versão e destratava Cardano. Este não se incomodou 

com os insultos de Tartaglia, mas Ferrari, seu fiel amigo, respondeu a Tartaglia desafiando-o para um debate público. Tartaglia estava bastante relutante para aceitar a disputa com Ferrari, um matemático relativamente pouco conhecido, se bem que a vitória podia ser proveitosa. Por outro lado um debate com Cardano seria-lhe útil, não só por ele o odiar mas também porque Cardano era uma grande figura matemática. Cardano no entanto não tinha intenção de debater com Tartaglia. De Fevereiro de 1547 a Junho de 1548 houve um duelo entre Ferrari e Tartaglia com doze panfletos, conhecidos por “Cartelli de sfida mathematica”, onde cada parte expôs as suas razões. O debate final ficou marcado, para o dia 10 de Agosto de 1548, no jardim da igreja Frati Zoccolanti em Milão. Tartaglia tinha uma vasta experiência neste tipo de debates e esperava ganha-lo. Todavia, após o primeiro dia, ao pressentir a vitória de Ferrari, Tartaglia regressou a Veneza, deixando a vitória moral para o desafiante. Perdida a honra da descoberta e cheio de ressentimentos contra Cardano, Tartaglia voltou para Brescia. As autoridades universitárias de Brescia para onde acabara de ser transferido, insatisfeitas com o seu desempenho, rescindiram-lhe o contrato.

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Estudemos agora o problema de Ferro-Tartaglia-Cardano

Estes matemáticos propuseram-se a determinar a equação do 3ºgrau:

dividindo esta equação por a e fazendo algumas substituições:

ou seja uma equação da forma:

Depois de muitos estudos, chegou-se então à solução:

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Vejamos agora alguns exemplos da utilização deste método:

 

Consideremos a equação . Esta equação, tem obviamente a solução . Sejam então e .

Usando a calculadora,

x=1,263762616-0,2637626158»1

Consideremos agora , que tem obviamente como uma das raízes.

Temos e .

Se nos pusermos no lugar de Cardano, certamente que o nosso próximo objectivo seria atribuir um significado a , e em particular saber como somar  a um número real (neste caso, 2 ou -2). Chegamos assim a uma limitação, a um enigma... Temos assim o nascimento dos números complexos.

[Síntese]

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