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Ars Magna

 

A “Ars Magna”, escrita em latim, é o primeiro grande tratado exclusivamente dedicado à álgebra. Nessa obra, Cardano trata a resolução de variadíssimas equações, indicando métodos cuja prova põe à disposição do leitor. No que respeita à resolução da cúbica, desde o capítulo decimo primeiro ao capítulo vigésimo terceiro são minuciosamente estudados treze tipos de equações, pela ordem seguinte:

Observe-se que a necessidade de tratamento de todos estes casos, que se deve ao facto de apenas serem admitidos coeficientes positivos, torna a leitura do livro muito fastidiosa para o leitor actual.

No início do capítulo onze antes de tratar da equação , Cardano referiu que a invenção do método da resolução da cúbica se ficou a dever a Scipione del Ferro e que foi através de Tartaglia que tomou conhecimento da fórmula de resolução. Em seguida, reconhecendo a dificuldade da tarefa em que se empenhavam, começou a demonstração.

A metodologia utilizada por Cardano em cada um dos treze capítulos atrás mencionados é a seguinte: primeiro faz a demonstração para um caso particular, utilizando, quase sempre relações entre volumes de cubos e paralelepípedos já  estabelecidos em capítulos anteriores, em seguida, enuncia a regra geral para todas as equações  do mesmo tipo, por fim, aplica a regra a alguns exemplos numéricos, acompanhando-a de uma breve explicação.

Assim, no estudo da cúbica , considera o caso particular (isto é,  e ) e começa a demonstração com as palavras:

Por exemplo, seja 6H3 mais seis vezes o seu lado 6H igual a 20, e sejam AE e CL dois cubos cuja diferença é 20 e tais que o produto de AC, o [de um] e CK, o lado [do outro], é 2, nomeadamente um terço do coeficiente de x (...) (Cardano, 1993, p.96)

Em linguagem actual isto significa que vai tomar um cubo de lado a e um cubo de lado b tais que a diferença entre os volumes é 20, isto é, e o produto dos comprimentos dos lados é 2, ou seja, .

A justificação, apresentada de forma retórica e baseada em argumentos geométricos, consiste resumidamente no seguinte:

Como  e  vem: . Por um resultado (Cardano, 1993, cap VI), . Logo, , isto é  é solução da equação .

A formulação da regra geral para a resolução da equação é, então dada do seguinte modo: torna-se o cubo da terça parte do número de lados, isto é, um terço do coeficiente de x; soma-se-lhe o quadrado de metade da constante da equação, e toma-se a raiz quadrada do total. Faz-se isto duas vezes; a uma das duas soma-se metade do número que já se quadrou e à outra subtrai-se metade do mesmo. Tem-se o que Cardano chama um binómio e o seu apótema, terminologia usada por Euclides no livro X dos elementos. Então, subtrai-se a raiz cúbica do  apótema da raiz cúbica do binómio, obtendo-se o lado pretendido.

Observe-se que, os números e  procurados são as raízes da equação , isto é são e .

Logo, a única raiz real da cúbica , com p e q positivos, é:

Exemplo:

A aplicação desta regra à resolução da equação permite obter imediatamente a solução, pois:

O cubo da terça parte do coeficiente de x é 8, o quadrado de metade da constante é 100, a raiz quadrada do todo é , somando a 10 a uma das parcelas obtém-se o binómio  e subtraindo 10 à outra parcela obtém-se o apótema  , a solução é: .

A resolução destas equações seguiu-se a das equações e . Para estes dois tipos em que também não estava presente o termo quadrático, Cardano indicou a solução,e, não obstante ter tido a preocupação de resolver os outros tipos de cúbicas (1) que já referimos, acabou por mostrar que qualquer dessas equações se podia transformar numa equação onde não figurava o termo de grau dois.

Não registaremos todas as considerações feitas por Cardano para reduzir uma cúbica qualquer a outra onde o termo de grau dois estivesse ausente. No entanto pode constatar-se que, nas reduções que efectuou, usou substituições dos tipos  e .

Assim, por exemplo, para reduzir a cúbica  a outra cúbica que não tivesse termo de grau  dois, um dos procedimentos que propôs foi: substituir x por .

Na primeira equação cúbica tratada no Ars Magna, que era do tipo , (p e q positivos), a fórmula antes indicada por Tartaglia para obter a solução funciona sempre, pois, sendo p e q positivos, é . No entanto, na segunda equação  e na terceira , (p e q positivos) tal não acontece.

De facto, quando não tem significado em IR. Não é, então, possível recorrer à fórmula indicada para obter as raízes – contudo estas equações têm raízes, têm até três raízes reais, como já tinha sido referido no primeiro capítulo do Ars Magna, o que parece ser contraditório.

Foi certamente por observar esse facto que Cardano procurou contornar o problema, começando por supor, no enunciado da regra geral de resolução destas equações, que o cubo da terça parte do coeficiente de x não é maior do que o quadrado de metade da constante da equação. Contudo, não indicou, nesse capítulo, nenhuma alternativa que resolvesse a situação problemática.

No entanto, ainda no  Ars Magna, mas num capítulo mais adiante, intitulado “Acerca de regras particulares e imperfeitas”, Cardano volta a referir-se a equações do tipo “cubo igual a primeira  potência e constante”, enunciando algumas regras, que reconhece serem particulares, para a determinação de soluções.

E, usando precisamente o exemplo , que não está nas condições requeridas para a aplicação da fórmula por ele proposta anteriormente, pois resolve a equação do seguinte modo:

Divide-se o coeficiente de x em duas partes tais que o produto de uma delas pela raiz quadrada da outra é 32. As partes são 16 e 4;

Soma à primeira destas partes um quarto da segunda, obtendo 16+1, ou seja 17;

Toma a raiz quadrada do todo, , e soma-lhe metade da raiz quadrada da segunda parte.

Obtém-se uma única solução, .     

É fácil verificar que  é, de facto, a solução da equação .

Na primeira edição do Ars Magna, Cardano não dá qualquer justificação para este procedimento e é até curioso observar que para resolver a equação , que é do tipo da anterior, ele propõe outro processo. Divide o coeficiente de x em três partes proporcionais tais que o produto da parte do meio pela soma das raízes das outras duas é igual a 30. As partes são 9, 6 e 4 e a solução é a soma das raízes das partes extremas. No entanto, na edição de 1570, dá para o último caso de que falámos uma prova geométrica.

(1) Observe-se, a título de curiosidade, que para a equação , a solução apresentada era:

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