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O Desperdício na "Escola Tradicional" A Lab Scool
The School and Society A sociedade e as Instituições Escolares
Bibliografia

A organização da "Escola Moderna"

Dewey utiliza a expressão "Escola Moderna", para a distinguir daquela que denomina como "Escola Tradicional". A "Escola Tradicional" era constituída pelo conjunto de instituições escolares que perduravam nos Estados Unidos da América nos finais do século XIX. A "Escola Moderna" era mais um conceito e um conjunto de ideais, e não algo de concreto, directa e imediatamente aplicável. Dewey considerava que a "Escola Moderna" deveria reproduzir uma comunidade em miniatura, reflectindo a sociedade exterior, mas em que a Ciência, a História e a Arte estivessem presentes e fossem utilizadas.
Para além das considerações relativas ao mundo social em que as instituições escolares estão inseridas, Dewey considera que é necessário estudar e compreender o desenvolvimento da mente e do pensamento. O autor indica que no seu tempo já se considerava que o desenvolvimento da mente de cada indivíduo seria função da sua vida social, ou seja da sua interacção com o mundo exterior e com a sociedade, e não consequência directa de hereditariedade(1)
Dewey refere que uma criança de 4 a 5 anos orienta-se preferencialmente baseando-se no seu próprio conhecimento daquilo que a rodeia. Nesta fase a linguagem ("a forma mais simples de expressão social da criança", segundo o autor), a curiosidade e os impulsos da criança podem ser conjugados no desenvolvimento das suas capacidades e conhecimentos. Na escola este objectivo poderia ser atingido através da apresentação de "actividades práticas" com que as crianças se identifiquem. Dewey indica como exemplo de actividades práticas a construção de caixas, fazer ovos cozidos e obter material de fiação a partir de matéria-prima, entre outros.
Dewey considera que as instituições escolares deveriam ter como modelo a família e as relações sociais familiares. Em família cada criança aprende ao interagir com os outros elementos do "agregado familiar" (ou seja com as pessoas com quem coabita) ao ouvir e participar em conversas e discussões, e também ao participar nas "tarefas domésticas". Desta forma as crianças adquirem hábitos de "indústria", ordem, e consideração pelos direitos e "ideias" dos outros, sentindo a importância de "subordinar as suas actividades ao interesse geral do agregado familiar". No entanto Dewey refere que o objectivo consciente do agregado familiar não é a aprendizagem da criança pelo que as relações e ocupações das crianças com o agregado familiar não são as mais apropriadas a serem utilizadas nas instituições escolares. 

Exemplo de uma actividade prática realizada por crianças da Lab School (circa 1901)

Nas actividades práticas as crianças são estimuladas pelo professor para, em grupo, utilizarem as suas referências, crenças e ideias prévias (desenvolvidas ou não num meio escolar), de modo a atingir conclusões científicas. As crianças são incentivadas a aplicar as suas ideias, os seus impulsos e interesses e também as suas capacidades de inquirir. 
À medida que são propostas novas actividades práticas, de que resulta a colocação de novos problemas, a criança vai desenvolvendo uma disciplina interior natural (no sentido de que não é imposta por terceiros), que lhe permite delinear estratégias de resolução destes e de futuros problemas, tanto a nível prático como teórico. Ao fomentar as capacidades de imaginação e de raciocínio dos alunos os professores tornam mais simples a aprendizagem e compreensão de conceitos de Ciência e de História. Segundo o autor tem sido desta forma que a humanidade tem progredido histórica e politicamente.
O facto de serem apresentadas "actividades práticas", não é sinónimo de a aprendizagem de um trabalho prático, como por exemplo a tecelagem e a culinária, sejam o objectivo final da escola. Antes são um meio de colocar cada aluno em contacto com a "realidade", fazer o aluno seguir e compreender o progresso da humanidade ao longo da história, dos materiais utilizados e dos princípios mecânicos envolvidos em cada um desses trabalhos.
O desenvolvimento da capacidade de pensamento crítico e científico de cada indivíduo é, segundo Dewey, indispensável para a sua participação directa e activa na "vida social moderna". O autor considerava que o funcionamento salutar de um sistema democrático só é possível se este sistema for constituído por um eleitorado livre e (com uma educação que lhe permita estar) bem informado. Dewey considerava muito importante que todos os indivíduos, independentemente da sua ocupação futura, tivessem consciência do valor social e científico do seu trabalho.
Dewey considera que a Geografia, Ciência que é "uma forma mais formal e definitiva de referir aquilo que vemos, sentimos e tocamos todos os dias".A Geografia apresenta a Terra como lugar da ocupação do homem e como fonte de matérias-primas, protecção e abrigo. Para este autor a Geografia não só é a ciência que conjuga e unifica todas as outras ciências, incluindo as Ciências (ditas) Naturais, como também está relacionada com a actividade humana e com os processos industriais. 
Para Dewey a apresentação e acompanhamento das actividades praticas pelos professores deve ser feita tendo como ponto de partida a Geografia. Dewey considera que "a experiência tem os seus aspectos geográficos, artísticos e literários, e os seus lados científicos e históricos", e que a Cultura se desenvolve quando se torna possível associar e relacionar as condições científicas (conjugadas, segundo Dewey na Geografia) e as condições históricas relativas aos diferentes temas, ou (no caso da "Escola Moderna" de Dewey) das diferentes actividades práticas.
Segundo Dewey a escola deve-se relacionar de modo recíproco com o meio de onde vêm os seus alunos e o seu ambiente familiar, com o meio ambiente (jardins, parques e campos) que representa a geografia natural, com o mundo comercial e industrial. O sistema escolar não universitário também devera relacionar-se com a universidade, tanto a nível de desenvolvimento tecnológico como da formação de profissionais de ensino competentes. 

Esquema da relação da Escola com o mundo exterior, segundo Dewey

Na escola idealizada por Dewey (representada de forma simbólica na figura seguinte) existe uma "cozinha"(kitchen) e uma "sala de jantar"(dining room) e duas "oficinas de trabalhos manuais", uma de trabalhos em madeira e em metal (shop) e outra de tapeçaria e costura (textile industries). Estas partes permitem uma conexão da escola com diferentes partes da sociedade. Por exemplo ambas as oficinas permitem uma relação com o mundo industrial e com o mundo comercial.

Representação simbólica da "Escola Moderna" idealizada por Dewey

Dewey considera que, relativamente às partes da escola, existe uma ligação compreensível entre a cozinha e a sala de jantar e o campo, fonte primeira dos produtos que cozinhamos e comemos. Colocar como actividade prática o acto de cozinhar poderá ser um bom método de introdução ao estudo da química. Os nossos alimentos dependem dos solos em que crescem, da existência de água e de luz, etc. A botânica poderá ser assim ensinada em relação aos nossos alimentos, em vez de ser um conjunto de classificações de formar e cores de folhas e flores.

As oficinas de trabalhos manuais também estão ligadas ao campo e à terra na medida em que estes são fontes de muitas das matérias-primas utilizadas nestas oficinas. Relacionado com estas oficinas estão também a Física, a Arte e algumas bases de Economia. A necessidade e aplicação de técnicas e tecnologia implicam uma ligação às universidades e aos institutos técnicos, fonte de investigação e pesquisa. 

A escola idealizada por Dewey não tem ginásios porque estes servem apenas para corrigir questões ligadas à componente física do corpo humano, e o autor considera que o esforço físico realizado pelos alunos no decorrer das suas actividades é suficiente para satisfazer as suas necessidades. E importante referir que Dewey considerava que as actividades físicas ou mesmo até que algumas brincadeiras infantis poderiam ser "transformadas" em actividades praticas.

Interior de uma das oficinas de trabalhos manuais de tapeçaria e costuras.

A resolução dos problemas que resultam do desenvolvimento das actividades práticas apresentadas implica o acesso a livros e outras fontes. A consulta destas fontes iria permitir às crianças encontrar soluções, e a satisfação da sua curiosidade natural, entretanto aguçada pelas actividades propostas. A biblioteca, enquanto conjunto de livros e outras fontes, permite que as crianças iniciem o desenvolvimento de um pensamento abstracto.
Dewey referiu que os livros não devem ser utilizados de forma passiva, apenas para a memorização de factos ou para lazer, e estímulo da imaginação de mundos de faz-de-conta. Por si só os livros não fomentam a curiosidade das crianças para novas actividades e não fomentam a aprendizagem. A leitura de livros torna-se importante não como substituto de actividades práticas das crianças, mas como complemento, ao possibilitar uma melhor interpretação e expansão destas actividades.
No entanto para Dewey a biblioteca não é só um conjunto de conhecimentos acumulados em livros. É também o local onde as crianças discutem as experiências realizadas e apresentam os problemas com que se depararam na resolução das tarefas designadas pelos professores. A discussão e a troca de informações e ideias permitem também que as crianças ordenem os seus pensamentos, estabeleçam relações entre causas e consequências, levando ao desenvolvimento de novas "teorias" relacionadas com as actividades práticas desenvolvidas.

 

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(1)  É interessante referir que Dewey considerava que a noção de Evolução (que era no início do século XX uma teoria recente) poderia ser utilizada para justificar que a mente humana não fosse imutável, mas sim "moldada" pela interacção com o mundo exterior (hereditariedade social). Outros autores, nomeadamente os eugenistas, utilizaram a teoria da Evolução das Espécies para poderem classificar e catalogar os indivíduos em raças e sub-raças conforme a sua "inteligência". [Voltar]

 

Olga Pombo opombo@fc.ul.pt